Não se deixe enganar pelas críticas negativas que saíram na internet logo após o lançamento do filme Godzilla 2, pois a obra é sim um ringue para monstros gigantes, mas isso não a impede de entregar os dramas de personagens necessários para tornar sua trama instigante.

Não é nenhuma obra-prima, só entrega o que promete ao fazer um misto de boas cenas de ação com kaijuus e tensão constante que prende a atenção do espectador, fazendo-o torcer para que Gojira salve a humanidade da destruição.

Vi essa sequência antes de rever o primeiro longa e como não me lembrava dos personagens, não de todos porque muitos deles são novos, tive a sensação de que peguei a trama na metade. Mas eu não poderia estar mais enganado, pois não há uma história prévia da família que protagoniza esse filme e acho isso um problema.

Na verdade, mais lamento, pois o primeiro filme teria sido mais interessante se o drama explorado fosse de personagens que estivessem diretamente envolvidos na problemática do Godzilla.

O primeiro filme é mais militar de campo que de estratégia, preparo e investigação sobre como agir. O segundo não, esse já vai fundo na história dos kaijuus, no preparo de medidas para lidar com eles e na forma como essa erupção de monstros gigantes impacta as relações interpessoais.

Um filme mais humanizado, é o que eu diria, e ao mesmo tempo é mais um filme de monstros gigantes, é mais grandioso, mais épico, mais intenso. A adição de atores melhores e com dramas interessantes é algo que contribuiu para isso, isso é fato, mas o entendimento do que o filme deveria entregar foi até mais importante.

Minha cara vendo as lutas de monstros.

Sim, é pancadaria de monstros gigantes, mas pancadaria de qualidade, e que se liga intimamente aos problemas entre pessoas que são abordados. Até dessas pessoas com elas mesmas.

A sinopse é simples. A Monarca mapeia e lida com diversos monstros gigantes espalhados por todo o planeta, o que a torna alvo de um terrorista biológico e com o descongelamento de um monstro que veio do espaço – um “dragão” alienígena de três cabeças que possui uma regeneração “divina” -, o caos se instala no mundo todo.

Uma mudança que desafia a sociedade humana com a pretensão de dar a Godzilla, e aos outros monstros gigantes, aquilo que lhes é de direito: a Terra, para que eles a curem e instaurem uma nova ordem mundial, uma ordem em que humanos coexistam com a natureza, e não apenas a usem ao seu bel prazer.

Na teoria é bonito, me fez ficar em cima do muro por um tempo na trama, mas na prática, como na vida, nem tudo é tão simples. A destruição não é convenientemente, ao menos não o tempo todo, controlada pela vontade humana, apesar da existência do Orca, e por a situação se inclinar mais para a destruição que a revitalização, logo o discurso de “fins que justificam os meios” cai por terra.

Até porque o monstro que lidera essa nova ordem é o ser alienígena e não Godzilla, aquele que é tido como o Rei para todas as criaturas do planeta. Quando o homem se mostra ganancioso demais e tenta brincar com a natureza, porque “adestrar” kaijuus usando o sonar foi basicamente isso, o preço a se pagar é caro, e no meio disso tudo estão os personagens, a família de cientistas dividida.

O inimigo mortal.

De um lado a esposa leva a filha para o covil do terrorista e colabora com ele a fim de fazer o planeta voltar aos seus eixos, do outro, o marido que deseja apenas que os kaijuus sejam exterminados de uma vez. O que é bastante compreensível, já que o filho homem do casal morreu no despertar do Godzilla e a filha mulher se vê em risco ao lado da mãe.

Parece um rolo bem grande, né, e eu diria até que a forma como a trama se desenrola não é tão profunda, é até um pouco rasa se for para ser honesto, só que isso não é exatamente um problema. O basicão, as diferenças de pontos de vista, está ali e é isso que faz os dois trilharem caminhos opostos.

Não há mais volta para Emma, mãe bem interpretada pela atriz Vera Farmiga; e Mark (Kyle Chandler ainda está em forma) precisa ajudar a salvar o planeta enquanto tenta salvar a filha, esta interpretada por Millie Bobby Brown, a Onze de Stranger Things, um sucesso em ascensão que até se saiu bem no filme, mas tem potencial para mais – Godzilla 2 foi o primeiro longa de sua carreira.

Além deles, o único ator que creio merecer destaque é Ken Watanabe, Japonês que não é apenas um mero elemento sacado para lembrar quais as origens de Godzilla para o público. Ele ajuda ativamente nos planos com seu conhecimento e sensibilidade, o que considerei uma válvula de escape às visões, até de certo modo mais restritivas, de Emma e Mark.

Suas palavras, suas opiniões, sempre têm um peso forte e fica claro seu grande envolvimento pessoal com toda a problemática das criaturas, algo que havia sido introduzido no primeiro filme e foi melhor explorado nesse, pois há uma cúpula na Monarca que trabalha visando resolver a situação da melhor maneira possível, com o menor número de vidas perdidas, e outros estragos.

Uma apresentação colossal a gente vê por aqui.

Tinha isso no primeiro filme também, mas os diálogos e a imersão nas existências titânicas expostas em tela foi até pífio. Nesse filme não, fica claro que há uma cultura que cerca a existência dessas criaturas e que não é apenas ciência a chave para resolver o problema, mas também história, o olhar para o passado com a intenção de não cometer os mesmos erros, e nesse caso até erros piores, no futuro.

Ishiro Serizawa tem um papel imprescindível nesse filme e um desfecho digno e simbólico. Dadas as circunstâncias, é adequado, é até uma questão cultural mesmo, só que não é apenas isso. Parte do que o levou a fazer o que ele fez no final vem do seu próprio fascínio pelas criaturas, principalmente por Godzilla, de sua busca incessante pela compreensão dessa força da natureza.

Ele catalisa uma ínfima possibilidade de coexistência. Sem ele não sei que rumos a franquia MonsterVerse pode tomar, mas acredito que nos próximos filmes, principalmente o de Godzilla e Kong, a tendência é o conflito, seja de humanos com monstros ou entre os monstros mesmo.

Nada próximo de uma coexistência, no máximo uma trégua, porque o filme pode acabar bem, mas é uma “paz” muito frágil, depende de manutenção do Godzilla como uma espécie de salvador da humanidade. Ou se não isso, depende de decidir continuar na dele ou não.

Por motivos de roteiro duvido que Godzilla crie um verdadeiro reino de kaijuus, né! É o outro Rei que deve ser vilão no próximo filme da franquia. Godzilla é cada vez mais herói no MonsterVerse!

O entendimento entre o homem e a criatura.

Por fim, tirando o fato da menina roubar de maneira tão fácil um dispositivo que é capaz de controlar kaijuus – essas conveniências de blockbuster, vou te contar… –, o clímax do longa é legal, explorando ao máximo o potencial dos ótimos efeitos especiais e a tensão que vai sendo criada pelo desfecho da situação.

Inclusive é quando o drama de personagens atinge seu ápice. Repito, passa longe de ser um desenvolvimento rebuscado, mas creio ser o suficiente dada a estrutura e a proposta da produção. É, foi clichê demais a separação da filha daquela maneira, mas como a situação é construída é aceitável.

Além disso, a escolha de Emma a levou aquilo. A “obrigou” a assumir uma responsabilidade. Não que eu ache que só ela foi culpada por tudo e só ela deveria arcar com as consequências, mas era ela que estava no olho do furacão que ela mesma ajudou a causar.

Sacrificar o ex-marido ou a filha seria com toda certeza incoerente dada a caracterização da personagem. Nem uma vilã e nem o contrário. Só a pessoa que tinha poder para mudar tudo nas mãos e não levou muita coisa em consideração quando tomou sua decisão. Imaginar que nada fosse ser tão simples em se tratando de forças da natureza do porte que são esses monstros foi de uma inocência, de uma infantilidade, dolorosa.

Mas vamos lá, se fosse na vida real tal atitude não seria exatamente incoerente, né, ainda mais se a pessoa que julga é alguém que conheceu a personagem apenas na correria. Digo, me faltam informações, tempo com a personagem, para achá-la incoerente pelo que ela fez.

O que, repito, é um defeito do filme, mas não é algo que o põe a perder, nem o melhora, é mais uma opção da produção mesmo. Uma não tão boa em um filme de razoável para bom em história, mas excelente enquanto ação.

Por isso 4 estrelas ser a nota me parece satisfatório. Nem mais, nem menos. Nem Godzilla, nem monstro. Mas a diversão do público pagante… esse me pareceu ter sido o foco, se foi então alcançaram o objetivo com sucesso.

Vida Longa ao Rei!

Godzilla voltará, e até lá… Vida longa ao Rei!

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