Primeiramente, gostaria de dizer que eu tenho um carinho enorme por Akira, esse filme é de uma importância imensurável no que diz respeito ao que a animação japonesa alcançou nas décadas que se seguiram. Entretanto, Akira não é um filme perfeito, muito pelo contrário. O filme possui diversos problemas no que diz respeito ao aproveitamento do roteiro.

(Utilizo a palavra Akira junto a três referenciais distintos durante a resenha, como nome da obra, como nome do personagem da foto abaixo e como nome do poder que este personagem, entre outros, manifestaram. É possível saber quando me refiro a um ou outro pelo contexto onde uso a palavra)

Akira (Nº28)

 

Personagens mal desenvolvidos, como a Kei. Quem ela é no final das contas? Ou mesmo toda a ala política que administra a cidade, sem nos esquecermos dos religiosos que cultuam esse misterioso poder chamado “Akira”, nome que presta referência a um dos primeiros, e provavelmente o mais poderoso usuário dessa capacidade. Akira, na verdade, é só um dentre diversos recipientes desse poder Divino, o qual, aliás, está presente em toda existência, seja humana, animal ou inorgânica, como potência e ato, e desse modo se apresenta como um poder não personificado ou limitado junto a uma identidade.

 

Embora reconheça que uma forma individual é um requisito necessário para canalizar e direcionar esse poder de criação e destruição, fica claro que esse misterioso poder é uma coisa natural, onde o recipiente que o manifesta, nada mais faz do que colaborar e colocar a determinação de algo muito maior do que ele em movimento.

 

Mas voltando, Akira é um anime que não busca resolver satisfatoriamente os conflitos e o cenário que introduz. O campo político social, a decadência da sociedade de Neo Tokyo, as gangues, mesmo os membros da própria gangue do Kaneda, diversos personagens estão meio que jogados na história, sem qualquer função ou aprofundamento. São como ferramentas de roteiro que ajudam a ilustrar, ao mesmo tempo que não participam realmente da história.

 

Como um filme de animação, Akira é um primor no que diz respeito à direção, a qualidade técnica, e nunca ousaria me esquecer da sua impressionante e marcante trilha sonora. Mas quem é realmente Kaneda, para além de um gangster territorial e meio mulherengo (um possível romântico ao estilo anos 80), com um ponteiro moral direcionado para o companheirismo, e um caráter clichê típico dos infratores no auge do período estético oitentista, o qual defino genericamente por lei das ruas, aliás, aquela moto incrível é a marca registrada de seu status social distorcido. Ele tem dois objetivos no filme, perseguir a Kei, e, primeiramente, salvar o Tetsuo, para depois, em um outro momento, acertar as contas com o mesmo.

 

Tetsuo, por outro lado, surta, com fortes indícios de que o poder de “Akira” pode ter o corrompido, reforçado os seus sentimentos de inferioridade, inveja e rancor, desencadeando, a partir de sua personalidade infantil e traumatizada, uma onda explosiva de violência típica de um adolescente rebelde e insatisfeito com o mundo, e pior, levando-o a se transformar em um tirano assassino a beira da insanidade.

 

Ele está sofrendo, sendo consumido por essa maldição, mas não deixa de ser imperdoável quando resolve abraçar o caminho da destruição, mesmo que “Akira” esteja o influenciando e o torturando. Tetsuo, em parte perde o controle, em parte deseja o perder.

 

Quando colapsa em seu momento final, Tetsuo retoma a gentileza e a doçura que também compõem uma parte de sua personalidade. Kaori, sua jovem namorada, foi a única que conseguiu reviver a luz de sua sanidade e alma, às quais estavam dissolvendo-se em caos.

Pobre Kaori

 

O cientista fica praticamente o anime inteiro observando a ascensão do poder em Tetsuo, sem realmente ter qualquer ação que seja significativa para o enredo, já os “meninos” Espers (que provavelmente já possuem mais de 40 anos, dado que o incidente “Akira” aconteceu em 1988, e o anime se passa no ano de 2019), de numeração 25, 26, 27, contrapõem a narrativa central da trama, oferecendo a sustentação que amarra a obra como um todo, seja quando um deles é sequestrado e acidentalmente desperta o poder de Tetsuo, seja quando a número 25, Kiyoko, efetua as previsões do futuro, ou mesmo controla Kei para, através dela, mover Kaneda em direção a Tetsuo. Para além disso, eles conheceram e conviveram com o jovem Akira (representado no presente por restos orgânicos preservados em tubos de vidro), e também salvam Kaneda e o coronel Shikishima. Teorizo ainda, embora não fique claro, que junto de Akira, eles controlam o poder de Tetsuo, mesmo que no processo tenha sido inevitável aniquilá-lo.

 

Mas novamente me pergunto, o anime é ruim? De modo algum, ele expõe todas as informações necessárias, tudo o que é central e essencial para a obra apresentar e mostrar o seu imenso potencial. Não é atoa que o anime é tão marcante, que mesmo com cortes brutais em algumas cenas, resumo e simplificação, ele consegue ser plenamente coerente, pelo menos no que tange a sua trama principal.

 

Akira cumpre o seu objetivo em pouco mais de duas horas de filme, duas horas que passam rápido demais, tive a sensação de que pouco mais de uma hora tinha se passado quando ele terminou.

 

Muitas coisas não foram aprofundas ou satisfatoriamente desenvolvidas, mas Akira de modo algum poderia conseguir ser perfeito. O filme possui diversas limitações que ele mesmo se impõe. Sem esquecer que essas limitações, em grande medida, se devem ao fato de Akira estar segmentado de uma trama muito maior e muito mais complexa do que aquela que o filme pode nos apresentar e desenvolver.

Kei em Kiyoko, ou vice-versa

 

O filme tem que correr contra o tempo para colocar as cartas na mesa, e depois utilizá-las do melhor modo possível para fechar a história que propõe contar. A direção peca por se obrigar a acelerar, o desenvolvimento dos personagens bambeia, a narrativa tropeça, e tudo isso é erguido pelo colarinho e elevado pelo plot, que não apenas segura as pontas, como arremessa para o alto todos os defeitos.

 

Junto a esses defeitos, Akira se destaca como um dos melhores trabalhos já feitos sob um dos piores limites de conteúdo e desenvolvimento, que são consequências inevitáveis desse projeto. Akira é muito mais do que o filme pode nos contar, aquele mundo é muito maior do que um filme de pouco mais de duas horas pode desenvolver. Akira brilha, sobretudo e absolutamente, devido à qualidade absurda do seu material base, da construção precisa de um chamariz que atinge um clímax que captura a essência da obra.

 

O filme de Akira é bom por que ele está ali, digno, mesmo que seja só um fragmento opaco de seu original em mangá, ele indubitavelmente está ali.

Complemento e aprofundo esse debate no vídeo anexado nesse hyperlink!

 

  1. E aí peopleeessss!!!
    Sempre falaremos de Akira!!!
    Ah…Lembranças daquela sessão no Cal Center em São Paulo num longínquo 1989…
    Bem, é sempre a mesma história o mangá ou o anime? Para mim o anime disparado, lógico que depois lendo o mangá completo (o meu é da edição americana) MUITO TEMPO DEPOIS de ter visto o filme, vc percebe os buracos deixados. Mas a memória afetiva pela animação é maior, bem maior e fora que vc entra em termos na constatação de que são midias totalmente distintas com as limitações de uma e a linearidade e muito mais informação da outra. Mas praticamente tudo o que esta no filme está no mangá. (Aproveito para mandar a meu amigo um grande abraço que tem todos os numeros nacionais colecionados em praticamente 5 anos ou mais, um guerreiro!)

    Já outros casos, como em “V de Vingança” que a HQ foi lançada praticamente na mesma epoca do Akira. A HQ veio antes e a memória afetiva se juntou a esta. O filme veio muito tempo depois em 2005 (?)…E pasmen eu gostei e muito!!! Muitos dos meus amguinhos HQ/Mangamaniacos desceram o chanfalho no filme e na minha opinião na epoca. Mas pouco me importei…Amei os personagens Finch, Sutler (era Susan no HQ deveria ter ficado) só tava torcendo o nariz para a Evey (Nathalie Portman não era lá aquela que fez black swan acho que poderia ser bem mais levado pela Tilda Swinton).O filme deixou-se ver sem traumas.

    Sempre terei esses dois….

    • E ai James ^^ belezinha!!!
      Akira é e sempre será um marco da animação japonesa. Faz parte da nossa história direta ou indiretamente, já que consumimos muitos dos animes que são herdeiros desse filme. No caso vc tem uma história bem bacana com o filme pelo que contou.. Sobre o anime, então, ele não é tão bom assim quando se separa o nosso afeto da obra por uma análise o mais distante possível. Se Akira não tivesse essa aura e esse impacto que tem, se em uma outra via histórica, onde ele e outros filmes fossem vistos juntos, seria bem contrastante o quando Akira é um filme com vários problemas no que tange as possibilidade de aplicação do roteiro. Estou falando do caso isolado do filme, no caso do mangá, não se pode considerar um volumo como o todo, mas sim se deve considerar o mangá completo, em todos os volumes que o compõe, se o mangá não resolve, no seu decorrer, os problemas que o filme não resolve, então o mangá como um todo tb seria problemático. Mas como disse, e como é uma teoria minha, Akira tem por proposta ser uma parte, um segmento de algo maior, não é a proposta do anime dar conta e fechar a história, então os problemas dele, em parte, são releváveis. Esse é um dos motivos de eu dar uma nota alta, se não existisse o mangá, a nota seria bem baixa. Mas sim, continua um primor no que tange a todos os outros aspectos da animação ^^ Akira é foda nisso… Tb recomendo que veja um outro vídeo que tem no meu canal, para além do vídeo do Akira, que está no hyperlink do post, onde trato exatamente sobre o tema do que significa uma adaptação. Uso de exemplo o anime Jin-Roh e sua adaptação coreana. V de Vingança rsrs já vi o filme e li a Hq, mas não me recordo muito bem de nenhuma das duas, tá ai uma coisa que tenho que revisitar!!!

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