Bom dia!

O Kakeru escreveu as primeiras impressões mas sou eu, seu mexicano de mentira favorito, quem irá cobrir Beastars.

Invocando o título que ele deu para seu artigo, começo a introdução do meu com uma afirmação polêmica: seres humanos não têm instintos.

Ok, eu não estudei o suficiente sobre isso e sou leigo na área, mas do pouco que li, que pesquisei recentemente por causa de Beastars, embora esteja longe de ser consenso eu achei um bom número de pessoas que defendem isso. No mínimo bastante interessante.

Claro, dependendo da definição que se der, podemos ter muitos instintos. Mas ao mesmo tempo temos um intelecto bastante desenvolvido, capaz de suprimir qualquer pulsão natural que hipoteticamente tenhamos, além de vivermos em sociedades complexas que nos doutrinam a viver dessa ou daquela forma.

Não é incomum se dizer de alguém que vive só para o próprio prazer (sexo ou comer, por exemplo, não à toa presentes em Beastars) que é “como um animal”. Nesse sentido, a definição exata de instinto não importa.

O que eu quero dizer é que alguém que vive de forma apenas reativa, sempre agindo de acordo com padrões definidos pela biologia ou pela sociedade, não está vivendo plenamente, está apenas existindo.

Em particular em uma fase da vida em que se constrói a própria identidade, a adolescência, em que se encontram os personagens de Beastars, apenas existir, sem viver, sem tornar-se alguém, para o bem ou para o mal, soa profundamente não humano.

Agora sobre os episódios em si, quero começar logo pelo final do segundo, começo do terceiro: comparado ao final do primeiro episódio, é quase como se o jogo tivesse virado, não é?

 

Haru achou que Legosi queria o que todos querem

 

Presa e predador trocaram de lugar. Agora é a Haru quem assalta Legosi.

E ela também parece fazer isso contra sua própria vontade.

É interessante que os boatos sobre ela não sejam totalmente infundados: a Haru de fato transa com muitos rapazes. Como fica claro, porém, ela não está se divertindo. Ela não é uma fêmea no cio agarrando um macho depois de outro.

Em todo caso, mesmo se fosse, e daí? A sociedade costuma criar seus garotos para que busquem o máximo de experiências sexuais com garotas diferentes, mas para as garotas é dito que devem “se valorizar” ou qualquer coisa do tipo. E mesmo assim há um enorme tabu quanto ao sexo, não importa o gênero.

O sexo é natural. A libido, o impulso sexual é, se quiser, um instinto. Um dos que mais reprimimos.

Não deixa de ser curioso que a personagem mais sexualmente ativa de Beastars não o seja por impulso, mas por necessidade.

 

Haru só tem suas plantas para lhe fazer companhia

 

Haru é solitária e fisicamente frágil. Há animais ainda menores e mais frágeis do que ela, mas só ela anda sozinha. Nem suas colegas de quarto a defendem. Garotos fogem dela como se ela fosse realmente devorá-los com a vagina.

Mas ela é uma garota muito bonita e atraente estudando em um internato cheio de garotos com os hormônios em ebulição. Eu não sei quando, como ou porque ela começou a fazer isso, mas com certeza parece que ela faz sexo com os rapazes como forma de se defender.

Eles a procuram esperando por sexo. Garotos podem ser bastante insistentes, principalmente quando lidam com garotas solitárias e fracas – se é que entende aonde eu quero chegar.

Não sei se ela sofreu abuso, mas nem é necessário. Ela pode ter concordado uma ou duas vezes, a notícia se espalhou e o estrago estava feito. Outros garotos começaram a bater na sua porta.

É um ciclo vicioso, e que se pode compreender melhor com o exemplo do outro coelho, cuja namorada está fazendo a caveira da Haru para a escola inteira. Ele a agarrou, beijou à força, como ela descreveu no primeiro episódio, e daí todo o resto foi ladeira abaixo. A namorada dele descobriu e a história e os rumores cresceram, e mais garotos começaram a se aproximar dela – ou a se afastar.

Por causa da forma inadequada com a qual a sociedade trata o sexo e a educação sexual, a Haru acabou em uma posição ruim. Acusada de ser uma ninfomaníaca que devora todos os garotos a sua frente, a única defesa que tem para manter sua integridade é, ironicamente, devorar todos os garotos que se lhe aparecem.

Se a Haru tem uma personalidade forte, porém, o mesmo não se pode dizer de Legosi, o lobo.

 

Legosi é um grande predador, mas sempre parece fraco

 

Legosi é apenas tímido? Ou, além de seu apetite, está reprimindo muito mais coisas sobre si mesmo? Na verdade, ele nem me pareceu realmente tímido, mas apenas do tipo que prefere não se expôr nem se envolver. Quando precisa, lida normalmente com outras pessoas.

Bom, exceto com coelhas que se despem na sua frente e tentam abrir suas calças, mas isso é compreensível.

Inclusive, apesar de tudo o que dizem sobre a Haru e apesar do que aconteceu naquela sala escura, ele não teve nenhuma má impressão da garota, muito pelo contrário. Ele a achou uma boa pessoa.

É bem verdade que é possível que sua boa vontade para com a Haru possa ter nascido em primeiro lugar do sentimento de culpa por tê-la atacado e quase a devorado – nesse caso literalmente, não sexualmente.

Legosi não conseguiu se segurar. Ele lutou bravamente contra seu instinto, mas estava perdendo a batalha. Haru só escapou com vida porque outra pessoa roubou sua atenção. Interessantemente, ela sequer se lembra de ter sido atacada. Está com o braço ferido e não sabe por quê.

Acredito que seja um resultado possível em uma situação de fuga ou luta com forte descarga de adrenalina: o cérebro desativa tudo o que não é absolutamente necessário para a sobrevivência, e isso inclui a memória.

De volta ao Legosi, acredito que apesar dele ter um viés desde o começo favorável à Haru por conta de um sentimento de culpa, mesmo assim ele se impressionou legitimamente com a garota.

 

Legosi percebe que se sente feliz por ter conhecido Haru

 

E se não tiver sido por nada além do sentimento de culpa, não faz diferença também: agora que está curioso para explorar mais esse sentimento Legosi irá se convencer do que quer que seja necessário, inclusive que o que ele sente nada tem a ver com culpa, se preciso for.

Antes mesmo se desenvolver esse que parece o começo de uma quedinha romântica pela coelha, Legosi já sentia uma forte admiração por Louis, o último dos três personagens principais de Beastars.

Legosi admira muito outras pessoas. Pelo que fazem, pelos ideais que cultivam ou proclamam, mas e ele, Legosi, o que quer fazer? Quais são seus valores, seus ideais, seus objetivos?

Comparado aos outros dois, o lobo sim parece estar apenas existindo, sem viver de verdade. Será que foi isso que o tornou presa de seus próprios instintos, explicando o ataque contra Haru?

O Louis tem sido o personagem mais surpreendente. Ao final do primeiro episódio, parecia apenas arrogante e autoritário – preconceituoso, talvez?

 

Louis se intromete em uma confusão entre carnívoros no refeitório

 

Já no segundo, em parte graças ao Legosi, mas não só, podemos entendê-lo melhor. Ele está legitimamente bem intencionado: quer mostrar que carnívoros e herbívoros podem conviver, e parece ter ainda mais do que isso. Assistir seu desenvolvimento deverá ser bastante interessante.

Ele quer provar tudo isso não através de palavras ou discursos, mas através de exemplo. Ele, um herbívoro, lidera um clube misto de carnívoros e herbívoros. Ele não se verga para ninguém, nunca demonstra medo – pelo contrário, ele desafia quem tiver que desafiar para se impor.

Apesar de ser uma presa, ele se comporta como um caçador. Ele se orgulha da luta que trava. Mas só pode lutar como o herbívoro que é, no final das contas, ainda que seja um particularmente poderoso – para fugir e espernear.

Por isso, ele carrega tudo sozinho. Ele precisa ser capaz de carregar tudo sozinho, seja para dar o exemplo, seja porque está cercado por pessoas menos competentes do que ele – como ficou claro em seu pensamento enquanto motivava o resto da trupe teatral antes da apresentação. Ele dizia uma coisa, mas sempre pensava outra.

Alguém assim está sujeito a eventualmente colapsar por causa do peso sobre os ombros.

Ou por causa da dor no tornozelo.

 

Louis desmaia ao final da peça

 

Comentários