Esse filme é do tipo que exige que você o abrace. Se você não gosta de pinguins, sem problema, esse anime não é sobre pinguins. Se você gosta de pinguins, sem problema, esse filme não é sobre pinguins. E por último, se você acha que nesse anime tem pinguins, você está enganado, mas se você gosta de uma boa mentira, sem problema, esse anime lhe conta a verdade.

 

 

O mundo virou do avesso, ou o avesso do mundo colapsou junto ao seu centro. A premissa do anime é essa, uma reelaboração ou reimaginação, de uma singularidade cósmica. O que aconteceria se a fronteira do universo se voltasse para dentro? E se por acaso fossemos conectados com o limite cósmico da expansão? Assim como um buraco negro, ou como um buraco de minhoca que conecta dois extremos, em Penguin Highway temos a aplicação prática dessa teoria. Eu falei que esse filme não era sobre pinguins!

 

 

Esqueçam e ignorem a quase completa ausência de explicação sobre a parte que envolve ficção científica, isso o anime não oferece. Quem é a moça assistente do consultório do dentista, o que exatamente ela sabe sobre o que está acontecendo, o porque ela consegue metamorfosear objetos aleatórios junto à forma de seres que, por sua vez, preenchem a sua consciência. E sim, os seres que ela materializa não importam, ela só os materializa devido ao fato de que ela em si é uma espécie de entidade materializadora, um catalisador da fantasia da forma, à qual oferece existência a qualquer criatura, e talvez qualquer coisa que queira, moldando a matéria em uma nova forma. Os seres que ela cria não estão vivos, e ela mesma não está viva.

 

 

É um enredo absurdamente complexo, onde a moça não sabe quem é, e não sabemos o que significa o passado que ela vislumbra, ou mesmo o que exatamente são esses sentimentos e memórias que ela carrega e de onde ela vem. Uma possível leitura é que ela foi convocada de outra dimensão como um efeito colateral do colapso universal, o qual é representado pela ruptura de aparência esférica e líquida. Ao adentrar essa esfera eles são jogados junto às partículas elementares da criação, onde a energia motriz da existência está em caos e desordem, quase como se tivessem penetrado dentro da caixa onde todas as peças do quebra-cabeça da existência se localizam, mas sem ainda estarem adequadamente relacionadas umas com as outras.

 

 

O mistério do que causou essa singularidade é de uma magnitude ininvestigável, e a única coisa que as crianças podem fazer, é analisar os efeitos e as consequências que essa esfera propaga sobre o meio.

 

 

Temos Aoyama, um jovem dono de um estado psicológico pleno, ele é o equilíbrio em pessoa, um cientista em essência. Movido pela sua curiosidade, ele avança lentamente em direção aos enigmas que se apresentam no local. Através de investigações infantis, como encontrar a nascente do rio que corre pela cidade, ou mesmo descobrir de onde surgiram os surreais pinguins que brotaram na vizinhança, para logo depois, em companhia de seus amigos de classe, Uchida e Hanamoto, descobrir a esfera do paradoxo, chamada por Hanamoto de a Lua de Prata. Para ser justo, foi Hanamoto quem a descobriu primeiro, pois ela compartilha do mesmo potencial científico de Aoyama.

 

 

As pontas da investigação se estendem, e devido a um evento fortuito, e a sua amizade com a moça assistente do dentista, Aoyama descobre que ela é uma entidade que consegue transmutar objetos em seres aos quais seus sentimentos se conectam fortemente. Ela ama pinguins, então ela os materializa, ela tem medo de morcegos, e em um momento do filme, ela também os materializa, ou mesmo criaturas fantásticas que não existem na realidade, ela pode, e de fato o faz, ela os materializa. O conflito psicológico dessa personagem exige um aprofundamento o qual não sou capaz de elaborar, já que adentra em conhecimentos da área da psicologia, mas o que podemos pescar ante as consequências de seu poder, é que aquilo que ela cria se apresenta com certa personalidade e características próprias, e é isso que amarra o filme.

 

 

O caminho percorrido pelos pinguins é determinado por um fator biológico nato, onde eles sabem, instintivamente, se guiar e voltar para o seu lugar de origem. Os pinguins criados pela moça, efetivam a sua natureza, mesmo sendo seres artificiais, e peregrinam de volta ao berço de sua criação. Ao se seguir o mesmo caminho que eles, é possível se conectar com a fonte energética que provê à força e a realidade de todos os fenômenos estranhos que acometem o mundo. Os fenômenos são tudo aquilo que deriva da presença da bolha singular, e essa ruptura é aquilo que garante a existência desses seres no plano de realidade de Aoyama e seus amigos, sendo a moça, as criaturas que ela cria, e mesmo a própria bolha, uma espécie de “bug” na realidade.

 

 

O mais interessante, para além da moça ser um agente de correção da realidade, é que ela oferece aos pinguins a autoridade e poder necessários para anular essa anomalia que se acometeu quando a realidade, ou mesmo o universo, virou do avesso. Para ela, corrigir essa rachadura é o mesmo que eliminar a sua própria existência.

 

 

Colocando os pingos nos i’s. o caminho dos pinguins serve para que eles descubram a localização daqueles que foram absorvidos pela singularidade, o poder dos pinguins serve para reordenar e normalizar essa fratura, a moça serve para catalisar e materializar as ferramentas que corrigiram essa corrupção, e o pai do Aoyama serve para nos introduzir o dilema que nos capacita a entender o que exatamente é essa bolha, essa mistura de buraco negro com buraco de minhoca que cindiu a normalidade.

 

 

Os outros personagens servem para pontuar e direcionar o enredo do filme para o seu clímax. Com atenção especial ao grupo de jovens cientistas, ou mesmo aos personagens secundários, que formalizam as situações para que os personagens principais sejam movidos a ações e circunstancialidades adequadas.

O amor de Aoyama pela moça assistência do dentista, ou mesmo o seu fascínio por seios femininos, são elementos de “menor” importância. Se existir uma continuação, ou mesmo a progressão da carreira do menino como um cientista, essa será a sua força motivadora; sim, o seu amor pela moça e pelos mistérios seios da mesma.

 

 

Em conclusão, foi um bom anime, mas ele não é sobre pinguins.

Como sempre, hiperlink que direciona para a continuação e aprofundamento do debate, e de quebra, vocês podem ver em primeira mão uma pessoa com paralisia de Bell, que no caso, sou eu no momento.

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