A história de um poeta proletário, sua jornada em busca da justiça e a mensagem derradeira.

Quem produz no chão da fábrica, não usufrui daquilo que seu trabalho edifica, ao contrário, quem produz comida, passa fome, quem produz água, passa sede, quem produz casacos, passa frio.

Esse curto OVA conta a trajetória do poeta, um homem comum enlaçado pelo sistema de trabalho predatório capitalista; e sim, é um anime que critica de modo sútil e enfático, a exploração da mão de obra e o acúmulo de riquezas sem as redistribuir, sem oferecer dignidade a coletividade dos cidadãos.

 

 

Em uma cidade industrial, onde o tecido ganha vida, o jovem poeta e sua mãe moram em uma casa humilde. Certo dia, exausta, a mulher termina de fiar a lã que venderá; uma vida de trabalho, um trabalho que consumiu toda a sua vida. Ao interagir com o mecanismo, ela é sugada definitivamente para o seu produto, se tornando parte integrante do resultado, e como consequência, desaparecendo do mundo. Sua forma é a forma de seu ganha pão.

A cadeia produtiva se propaga, enquanto o poeta luta para motivar os seus colegas, os incentivando a resistirem a situação precária, como um revolucionário crítico e consciente da miséria e da exploração. Os seus colegas, muitos dos quais com a corda no pescoço, temendo perder o emprego, se isentam de ação. Seu chefe, por sua vez, mergulha na fartura e no poder, controlando as marionetes sociais sobre a montanha de lucro que elas geram.

 

 

Uma senhora, amiga da mãe do poeta e enfileirada na linha de produção da economia local, coleta o fio produzido pela amiga, sua vida, sua força, sua existência em forma de trabalho. Munida do material, tricota um casaco de lã, lã manchada e contaminada pelos sentimentos da mãe do poeta.

O poeta, impotente, observa confuso e alarmado a matéria prima, depois, o resultado final, ser colocado à venda. Mas felizmente, ou infelizmente, os moradores do local são tão pobres que nem sequer podem adquirir um casaco simples como aquele.

A cidade é refém do sistema, suas angústias, sonhos, esperanças e sofrimentos evaporam para os céus.

 

 

O inverno chega, e com ele desaba todo o sofrimento, privação e desgaste que a população do lugar acumulou. A metáfora apresenta o frio como insuperável, seja no sentido de que os habitantes locais não possuem os meios para sobreviver, seja devido ao clima ser o limiar e limite de suas existências, varridas para o esquecimento e imobilidade perante o constante abuso e assédio que sofreram dia após dia.

Todos, um a um, congelam, mesmo o poeta é incapaz de lutar contra todo o desgaste acumulado. A neve e o frio se intensificam conforme o lamento e tormento local se manifestam, como uma caixa de Pandora, a calamidade paralisa a estéril cidade fabril.

Os donos dos meios de produção se veem desamparados, ilhados perante o desolador cenário, onde o seu dinheiro vale absolutamente nada. Sozinhos, sem pessoas que possam comandar e sustentar o seu império, eles definham ante a sorte, ou no caso, a morte.

 

 

As chamas de suas riquezas viram cinzas, as posses, viram pó. O inverno é longo e magnânimo, mas também piedoso. Ao mesmo tempo em que congela a injustiça, cauteriza a ferida e oferece novo fôlego a vida, pois não é eterno, mas sim, um elemento que abre caminho para a primavera e as novas flores.

A mãe do poeta, com seu sangue, banha e dignifica a sua obra e existência, e com o seu calor, aquece o coração de seu herdeiro e filho. O poeta, restabelecido, recebe a graça e a inspiração, ele narra a liberdade e registra o desflorar que resgata todos os cidadãos do torpor e da servidão. Eles são livres, e agora podem até mesmo adquirir os casacos que não possuíam, para finalmente não passar mais frio.

 

 

Para um OVA de 1974, artisticamente experimental e sombrio, o resultado singelo e penetrante, que ao mesmo tempo inquieta e deslumbra, faz com que essa obra, provavelmente esquecida dentre o limbo da indústria, brilhe belamente quando descoberta dentre os confins de sua efemeridade. Atual, sempre atual, as palavras que molda são presentes, e mesmo em outras histórias, cotidianas e contemporâneas, verídicas, elas se repetem em maior ou menor grau.

O poeta é aquele que vislumbra as sombras, que adentra pelo questionamento da estética e da tragédia, mas também é aquele que colore o cenário preto e branco, inerte e asfixiante, da vida. Seja ele um homem que luta por mais dignidade, justiça e equidade, seja ele o coadjuvante que registra o drama de seu tempo e espaço, invisível dentre as linhas que transcrevem o passado e a herança das próximas gerações.

 

 

Aproveitem a história, sejam parte da história e aqueçam os seus corações ao vestirem as roupas que alguém deu a vida, mesmo que parcialmente, para produzir.

Comentários