A vida é cheia de reviravoltas, momentos nauseantes onde o pensamento não acompanha os fatos. Choque é o nome que se apresenta em momentos dilacerantes, sejam eles positivos ou negativos, o torpor nos toma por completo, os sentimentos nos atingem como um relâmpago noturno. Esse filme se inicia exatamente assim, como uma guilhotina de lâmina e fio, cirúrgica.

Okko (apelido de Oriko), nossa protagonista, tem por volta de 11 anos. Não é spoiler contar o evento que define toda a sua trajetória nesse singelo filme. Recém órfã de pai e mãe, sua vida é absorvida por uma nova realidade. Acolhida por sua avó, uma senhora dona de uma estalagem tradicional japonesa, ela adentra por novos e constantes desafios.

 

 

Um detalhe importante, e o qual me deixou desconcertado, foi a integridade emocional dessa jovem. Ela é um pilar de força. Seu luto, quase inexistente em um primeiro momento, nos revela uma fibra no mínimo estranha, ou até mesmo surreal, frente a brutalidade pela qual ela acabou de passar.

Em sua nova residência, Okko descobre amigos um tanto diversificados, ou melhor, é assombrada por amigos diversificados. Makoto um jovem velho fantasma, que habita a estalagem zelando por sua amiga de infância, a avó de Okko, é literalmente percebido, pois Okko desperta a habilidade de interagir com seres espectrais e divindades das mais plurais, que ali circundam. Makoto prontamente se estabelece como o seu amigo, um companheiro que interage com a jovem e a acompanha nessa fase de adaptação de Okko. E por vontade e travessura, a convida a ser a nova Wakaokami, ou seja, a nova herdeira do negócio tocado por sua avó.

 

 

Okko aceita por livre e espontânea confusão. E assim tem início o seu treinamento e aprendizado, para que possa herdar e propagar o empreendimento familiar.
Qual é o propósito deste filme, podemos nos perguntar. Bem, é a redenção e a concretização do período de luto de Okko. O filme se segmenta no aprendizado da jovem ao lidar com as adversidades dos clientes que o estabelecimento hoteleiro acomoda.

 

 

Ela descobre uma entidade, ou pequeno Kami, um deus de baixo poder, ou mesmo uma espécie de Youkai, não sei ao certo como o definir. Essa entidade tem o poder de atrair a prosperidade caótica ao local onde escolhe habitar, e como ele está vinculado ao hotel de sua avó, ele efetiva essa tarefa como agradecimento ao seu dono anterior, um amuleto vivo, seu nome é Suzuki.

Entre pinceladas que apresentam o passado de Makoto (chamado de Uribo) e da avó de Okko, o trágico instante em que se separaram e o como este venho a falecer, temos Okko recebendo um garoto em profundo desespero e desamparo, um hóspede fragilizado que, assim como Okko, acabou de perder a sua mãe.

 

 

Okko auxilia o garoto de todos os modos que consegue, aprendendo constantemente, desenvolvendo a sua função, a sua profissão, e assim propagando o bom nome da reta e adequada tradição de recepção, que busca servir e proporcionar o bem estar e tranquilidade dos hóspedes.

Outros personagens que criam laços de conflito e amizade com Okko, são a herdeira, e de certo modo, rival, Pinfuri (apelido), ou melhor, Matsuki, uma jovem da mesma idade que Okko, mas madura e determinado a um nível assombroso. É a personagem mais respeitável do anime, uma garota incrível e gentil, apesar de desejar, e se esforçar, para se destacar em tudo o que faz, almejando sempre a excelência.

A irmã mais velha de Matsuki, Miyo, é uma garota que veio a falecer precocemente, igual a Makoto, e ambos os fantasmas resolvem, assim como Makoto já fazia, formar um laço de amizade com Okko. Por ela ser a única que os enxerga, eles se sentem muito próximos a ela, e a ajudam em todo o processo de amadurecimento da mesma.

 

 

Na metade do filme, também somos apresentados a Seiko, uma hóspede misteriosa que possui poderes místicos não completamente explicados. Ela é uma mulher madura e bem de vida que se afeiçoa por Okko, se tornando uma grande amiga desta, e até mesmo compra várias coisas pra ela.

Por fim, temos o arco final, o qual deixo a quem vier assistir, descobrir onde a ferida mais profunda de Okko é exposta.

Para além dessa apresentação geral dos elementos que constituem a história do filme, é interessante ressaltar que existe um anime de 24 episódios que conta a história com muito mais detalhes. Sendo esse filme nada mais do que a resolução do conflito mais imediato de nossa protagonista, a perda dos pais. Okko não consegue sentir o luto, ela está presa a uma realidade paralela, ela está em choque durante o filme inteiro.

 

 

Okko não se desapegou dos fantasmas de seus pais, e por isso, para ela, durante todo o filme, ela sente que eles estão ao seu lado, que eles estão vivos. É sutil, mas é interessante que ela só pode enxergar e interagir com os fantasmas, com Makoto e Miyo, ou mesmo com o Youkai Suzuki, devido a esse estado de anestesia emocional. De bloqueio gerado no instante em que seus pais faleceram.

O Filme em questão é a jornada de Okko, não apenas no sentido de criar novos laços e consolidar um novo modo de vida, acompanhando a sua avó, mas sim de, através da relação com os clientes e hóspedes do hotel pousada de sua avó, segmentado em momentos diversos e conflitos específicos frente a cada um dos ali hospedados, ela, aos poucos, descobrir os seus próprios sentimentos, e por fim, conseguir lidar com o luto, desabar, e em certo sentido, superar a perda de seus pais.

O filme em si tem problemas de continuidade, de desenvolvimento e aprofundamento, ou mesmo de clareza em relação ao como os eventos se desenvolvem, mas a mensagem que ele nos apresenta, a história contada pode ser, embora não de modo muito nítido, percebida através do percurso e desenvolvimento do enredo ali presente.

 

 

Muitos personagens não são bem desenvolvidos, ou mesmo certas relações de Okko, certos conflitos não são satisfatoriamente apresentados, entretanto, ainda assim, é um filme que consegue ser emocionante e tocante, um drama estável sobre a jornada de luto de uma jovem, ainda criança, que acabou de perder os pais.

Espero que o anime, que possui mais tempo para aprofundar os elementos aqui elencados como pouco elaborados, de fato os aprofunde. Pois são personagens interessantes, carismáticos e atrativos, mesmo que muitos dos elementos da história não sejam nada originais.

Mas é isso aí pessoas, grande história, execução complicada, mas com drama de qualidade e um tema central tocante. Bora assombrar o filme.

 

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