Caminhamos para metade de nossa jornada, um percurso labiríntico, onde as peças estão soltas e a deriva entre o sangue de pessoas anônimas, mutiladas, desmembradas ou torcidas de um modo visceral, tendo os seus ossos partidos como palitos de fósforos. A história de um estupro, o vislumbre da dor.

Kara no Kyoukai, em seu terceiro OVA, nos apresenta mais elementos desse cenário obscuro, conhecemos melhor o que aconteceu com Shiki e Mikiya, isso ao sermos apresentados a Fujino, uma colegial que levava uma vida normal, cheia de segredos pessoais e familiares, como, por exemplo, o fato de ela não sentir dor, e suspeito, de ela não sentir absolutamente nada em relação ao seu corpo físico.

 

 

Esse terceiro OVA começa nos revelando o novo segredo de Fujino, o fato repulsivo e degradante ao qual ela é submetida; é indescritível, é simplesmente brutal. Fujino é vítima de uma gangue de futuros cadáveres, o que, aliás, eles mereceram. Estuprada brutalmente, mas sem sentir nada, por diversas e diversas vezes, por meses, agredida por socos e bastões, certo dia, em meio ao sadismo de seus algozes, Fujino sente. Ela sente o corpo, a vida, a dor, o desespero, ela sente a sobrevivência, ela sente o assassinato.

O interessante do enredo desse terceiro OVA de Kara no Kyoukai, é a estrutura e desenvolvimento em teia dos personagens e das situações. Descobrimos um pouco mais sobre Touko, a protetora de Mikiya, que não apenas o contratou, por vezes de graça, para trabalhar para ela, como abrigou Shiki, a usando como uma assassina de aluguel. Touko é uma detetive sobrenatural, ela lida com a sujeira que os policiais normais não podem lidar, uma maga, ou bruxa, colecionadora de objetos mágicos, ou que possuam resquícios de poder.

 

 

Perante uma série implacável de eventos, os quais costumam abandonar corpos retorcidos para apodrecer, Touko, Mikiya e Shiki começam a ligar os pontos em busca do protagonista das ações.

Descobrimos o que aconteceu com Mikiya, que através das palavras de sua irmã, Azaka, abandonou não apenas a escola, mas até mesmo a família, após uma briga com seu pai. Descobrimos que o motivo de tudo isso, foi Shiki, que parece não dar a mínima para o ocorrido.

Descobrimos que Mikiya conheceu Fujino no colegial, mesmo que não se lembre dela, e que ele, como boa pessoa, não ajuda apenas a Shiki, a quem ama, mas também a jovem Fujino, que em um momento do OVA, se encontra desamparada e com muita dor, pois recebeu uma “facada”.

 

 

Também é revelado que Fujino é amiga de Azaka, irmã de Mikiya, e que tem pelo rapaz uma paixão platônica.

Por parte de Shiki, nossa diva que aparentemente está com sua personalidade número dois no comando, entendemos que, sim, ela é uma pessoa que tem um gosto muito peculiar em relação ao homicídio, um sentimento de respeito e desejo intenso pela destruição do outro. Shiki é o ódio encarnado, a falha em pessoa, e ela percebe, ao investigar brevemente a sequência de assassinatos, que está lidando com uma igual.

O código de ética de Shiki é a destruição do outro, mas acima de tudo, a destruição de si mesma, e ainda mais, a destruição do outro que seja igual a si mesma, que no caso, é o que nossa assassina “recém nascida”, Fujino, é.

 

 

Imersa em um oceano de dor, Fujino começa a caçar para viver, sim caçar para sentir a vida. Ela persegue os seus agressores, que brutalizaram seu corpo, para retribuir o favor, em dobro, ou em dobra. É interessante o como o OVA nos apresenta essa jovem moça descobrindo o gosto da vida. Fujino não se sentia viva, sequer sentia qualquer coisa, ela era uma pessoa vazia, completamente à deriva em relações falsas e artificiais com o mundo.

Sua família, os Asagami, anularam o seu poder, pois ela herdou uma habilidade familiar muito rara e muito curiosa, o de manipular a dobra. Não ficou realmente claro o como o poder de Fujino funciona, mas é indicado que ela desenvolve até mesmo uma certa clarividência telecinética, o poder de dobrar a realidade ou a matéria, onde quer que a matéria ou a realidade estejam.

 

 

Utilizando esse poder para aniquilar os homens que a estupraram, ela descobre que a dor que sente em seu corpo, e o prazer de partir os outros ao meio, lhe garante o suprassumo da vida, é um deleite inevitável que a faz sair de seu eixo de senso comum. Ela está sofrendo, ela está morrendo e vivendo, ao mesmo tempo.
Mikiya se vê de mãos atadas frente a situação, e enquanto Fujino perde o controle, ele acredita que ela ainda pode ser salva. Já Shiki, frente a situação, decide pelo caminho natural de sua índole, eliminar a falha.

Shiki, assim como Fujino, também herdou uma habilidade familiar, o poder dos Ryougi, que ao contrário do poder dos Asagami, não apenas é incentivado, como é cultuado. Nesse OVA entendemos um pouco mais desse poder que Shiki possui, e para falar a verdade, é genial.

 

 

Shiki pode destruir tudo o que tem falhas, ou seja, ela enxerga a morte das coisas, literalmente, não que ela saiba quando uma coisa irá morrer, mas sim o ponto fraco que existe em qualquer coisa, aquilo que se pressionado, faz com que a coisa, qualquer que seja, seja destruída e morra. Shiki pode matar tudo o que vive, que tem forma, realidade, ou que apenas exista, seja um homem, seja deus, seja a morte, seja o tempo, seja a alma. Ela é a arma absoluta de destruição.

Não sabemos até onde ela consegue usar ou dominar esse poder, mas sabemos que ela pode anular quase qualquer coisa. O paradoxo desse poder, que vemos em destaque nesse OVA, é que ela pode matar doenças, e ela realmente faz isso, ao matar a apendicite de Fujino, que retoma a humanidade quando estava prestes a morrer. Porém, por mais que Shiki possa matar o que tem forma e vida, ela não consegue matar a destruição, o que fica claro ao vermos que, ao invés de regenerar o braço destruído, ao matar o efeito a ele causado por Fujino, ela escolhe por matar o próprio braço, para assim não sentir mais dor, inutilizando-o permanentemente.

 

 

É um poder confuso, ele não pode desfazer o que já foi feito, mas apenas ampliar ainda mais a destruição, ou seja, ele não salva, ele apenas acelera ou determina o fim. Especulo que Shiki sabe que, dependendo de como usar esse poder, as consequências são tamanhas, que o efeito colateral seja incontrolável, devido a isso, não sabemos se ela tem capacidade de dominar esse poder, ou se é prudente ao utilizá-lo, para que não desencadeie uma catástrofe sem precedentes.

E chegamos ao fim do terceiro artigo sobre Kara no Kyoukai! O desfecho desse OVA é muito bonito, apesar dos pesares. Mas fico por aqui, nos vemos em breve pessoas, até ^^

 

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