Faz tempo que parei de ler o mangá de Neverland, mas de uma coisa eu tenho certeza, a partir do terceiro episódio há alterações na história que devem levar o anime senão a um final diferente do mangá, ao mesmo final, só que mais “objetivo”. No artigo sobre esses dois episódios dos quais gostei bastante explico melhor o que quero dizer.

Como havia escrito nas primeiras impressões, achei a tensão empregada na cena final do episódio anterior meio desnecessária, mas ao mesmo tempo compreendo que assim o foi para lançar a dúvida nas mentes daqueles que não leram o mangá e não sabiam que a Mujika e o Sonju iriam mesmo ajudar as crianças, apesar de não serem exatamente tão “bonzinhos” assim.

Logo a cena é “consertada” e o Ray e a Emma se reencontram com seus irmãos, entendendo o lado de seus salvadores e porque ajudaram aqueles que seus “iguais” tratam como comida. Iguais entre aspas porque desde que li o mangá essa história da religião impedi-los de caçar não colou comigo e duas cenas posteriores confirmaram aquela minha impressão.

Depois as comento, antes não tem como eu não falar da promessa citada pelo Sonju ao contar a história do mundo dos demônios, a qual tem um lado de desespero, mas ao mesmo tempo esse desespero mora ao lado da esperança. Aliás, o episódio todo faz isso, mostra coisas boas ou ruins nas quais está “escondida” uma deixa para o inverso.

Por exemplo, enquanto uma parte do mundo ser dos demônios torna mais difícil fugir, só o fato de existir uma parte do mundo habitada e reservada para os humanos os dá esperanças de ir para lá. Posteriormente eles acham um abrigo sem ninguém, mas que os oferece muitas condições de sobreviver e pensar em fazer algo a partir dali, etc.

Neverland não é um anime em que se dá a caça, mas no qual se ensina a caçar, e isso literalmente, pois um dos momentos mais simbólicos e belos do segundo episódio foi justamente o da Emma caçando. Mas antes de comentar isso eu questiono, Neverland será apenas a fuga para o outro lado? Ou eles vão mesmo conseguir salvar outras crianças? Além disso, e o lado dos demônios? Sim, não podermos tirá-los da equação.

E não estou dizendo aqui que defendo ceifar a vida de seres do mesmo patamar de inteligência que o seu, mas se isso faz parte da sua natureza, como negá-la, como ir contra ela? Tenho certeza de que toda a treta que causou a divisão dos mundos não teria ocorrido se pudesse ser evitada a fome dos demônios pelos humanos, e nesse cenário eu me pergunto se os esforços das crianças serão suficientes para quebrar o status quo.

Porque eles podem tirar todas as crianças das fazendas de alta qualidade, mas será que só existem essas fazendas? Será que os demônios não têm mesmo como conseguir mais humanos para procriar e reiniciar um ciclo de “criação de gado”? Sei que não é exatamente a hora de pensar nisso, mas o anime vai acabar nessa temporada mesmo e estou morrendo de curiosidade para saber como/se vão resolver esse problema maior.

Um problema menor, e que na verdade já foi meio que resolvido, foi a preocupação das outras crianças com a Emma e o Ray, os líderes do grupo e aqueles que também atuam na “vanguarda” de todas as ações naturalmente perigosas que envolvem uma fuga como a que eles fizeram. Esse tipo de momento é necessário e bonitinho. Aliás, diria que esse episódio foi bem bacana nesse sentido, solidificou os laços entre “todos”.

Isso se deve até ao cenário no qual eles se encontram, no mundo exterior, tendo que trabalhar juntos, ainda mais do que faziam na mansão, para sobreviver. Aliás, lá eles achavam que viviam, mas só sobreviviam para virar comida na boca de demônio chique, os quais podem até matar crianças e comer seus saborosos cérebros, mas têm todo um código de ética que seguem e os aproxima mais de humanos que os afasta.

A Mujika e o Sonju mesmo, independentemente dos motivos que os levaram a ajudar as crianças, é fato que eles ajudaram, ensinaram muitas coisas a Emma e os outros, ao ponto de que sem a interferência deles esse anime já teria acabado. Como julgar todos os demônios como maus depois desses episódios? Apesar do que o Sonju diz na metade do terceiro é fato que ele é diferente dos demônios ricos, ao menos em parte.

Diria até que ele tem uma certa rixa com eles. Aliás, como não constatar essa obviedade depois do que ele fez, né? Como não quero pular etapas o último comentário que tenho a fazer é sobre a Emma, o Gupna e a difícil decisão que ela tomou em replicar os atos de seus algozes, mesmo que em circunstâncias diferentes porque por mais que humanos sejam seres inteligentes isso não significa que a vida animal não tem valor.

Sendo assim, há importância, há peso, em matar um animal, e é ainda mais pesado fazer isso usando o método dos demônios porque assim a Emma acaba se colocando no lugar deles e vendo ali, naquele animal que teve a vida ceifada por ela, a vida da Conny que foi tirada e com ela também se foi a inocência da Emma. A primeira, a segunda rompeu-se agora, com o acordar da heroína para uma realidade em que deve matar…

Matar para não morrer. E tudo isso ao mesmo tempo em que viu a situação pelo ponto de vista dos demônios, compreendendo que para eles matar e se alimentar de humanos também é uma necessidade. Acredito que a Emma está percebendo isso e que mesmo se não for o suficiente para levá-la a convencer os demônios a não comerem mais humanos, com certeza pode ajudá-la a encontrar uma saída razoável para a situação.

Voltando especificamente aos demônios, acho que a direção tem feito um bom trabalho em contextualizar o lado deles; sua cultura, instintos e diferenças entre si; tanto é que se o que é revelado ao menos sobre o Sonju não dá brecha para uma amizade verdadeira entre as partes, pelo menos é importante para despi-los da única ideia associada a eles até agora, de que eram pura e simplesmente os vilões dessa história.

Eles ainda são vilões, pelo menos os das fazendas, mas não é como se todo demônio comesse carne e fosse incapaz de interagir de maneira realmente civilizada com humanos. Além disso, não é como se todo demônio concordasse ou seguisse pelo mesmo caminho e vemos isso facilmente no Sonju, que ajudou as crianças, mas não se privou de comer humanos pela religião, como disse, e sim por outro motivos.

Primeiro por querer que as crianças procriem e se tornem uma fonte de alimento no futuro, mas também pelas diferenças que têm com os demônios de outra classe. Na verdade, fica ambíguo se ele os matou só para ajudar as crianças a escaparem sem problemas ou por não gostar deles, mas só o fato de ser nômade e não ter matado o Ray e os outros quando teve a oportunidade denota o quanto é diferente deles.

Talvez ele seja de uma casta inferior? A sociedade dos demônios se espelha na dos humanos até nos problemas? Não duvido nada, diria até que as atitudes do Sonju escondem justamente isso, o quanto ele é diferente daqueles que se alimentam das crianças das fazendas chiques, querendo fazer o mesmo que eles, mas por outros meios porque a forma de fazer as coisas diz muito sobre a identidade das pessoas, né?

A Mujika mesmo parece ter ajudado as crianças mais por curiosidade que qualquer outra coisa. Não fica claro se a religião realmente a proíbe de comer humanos, e não lembro disso no mangá, mas ela provavelmente não diz para ajudar humanos que são propriedade alheia. Sabendo como a religião no mundo dos demônios devem ceder as vontades dos poderosos, como faz no nosso desde sempre, é até óbvio conjecturar isso.

De toda forma, o importante é que a história pode não dizer que a amizade entre humanos e demônios é possível, mas o que o Sonju revela também não significa que não é. Pelo menos é a impressão que eu tenho por não conseguir demonizar o Sonju. Pelo contrário, entendo que não é legal criar cordeirinhos para o abate, quer mantenha-os presos em cercados ou não, mas também vejo seu lado como demônio que tem fome.

E não tem só fome, mas também ideias diferentes daqueles que detêm a carne. Acaba que a passagem por esse momento da história não dá respostas definitivas sobre essas questões, mas com certeza constrói um mundo exterior que não tínhamos a exata ideia de como seria ao final da primeira temporada. Aliás, você está gostando dessa segunda mesmo com a clara mudança de gênero que ela sofreu?

Ainda há uns resquícios dos jogos mentais e do raciocínio inteligente necessário para resolvê-los, mas o mais importante para as crianças se tornou sobreviver no mundo dos demônios, os evitando e aprendendo a se virar sozinhos. É diferente de travar um embate mental com outro humano, como seria diferente de travar um com um demônio. O embate é contra a morte marcada pelos números em seus pescoços.

Pescoços esses que ganharam um alívio ao achar o esconderijo do Minerva, que não estava lá, como era até previsível, mas deixou o mínimo para que sobrevivam e deem seguimento ao projeto de revolução que desconhecemos a abrangência e objetivo. Aliás, conhecemos o objetivo, mas não como se pode chegar a ele porque não vai ser fácil passar para o outro lado, ainda mais se mais crianças forem libertadas.

Acho que até por isso, por ser uma situação complexa a que se apresenta a nossa frente, que a ideia de tornar a história mais objetiva ao manter mais ou menos a base do mangá, mas cortar personagens e situações conectadas, faz tanto sentido para mim. Claro que é também por grana, afinal, o mangá de Neverland acabou em baixa e não compensa fazer mais que uma temporada para finalizar o anime.

Escrevo isso porque um personagem foi ceifado desse episódio e, creio eu, do anime todo. Talvez ele apareça em foto ou coisa do tipo, mas a presença dele no plano presente da história claramente não deve acontecer e isso tende a deixar a trama mais enxuta e, portanto, mais fácil de concluir em poucos episódios. Outros cortes devem ocorrer e vou tentar retomar o mangá para poder indicá-los com mais clareza.

Mas não se preocupe, não vou dar spoilers do mangá para fazer a comparação, apenas apontar de forma mais geral. Fato é que deveria haver alguém no esconderijo que não apareceu e não deve aparecer. Por esses episódios eu, que li uns bons capítulos a frente desse ponto, não sei o quanto essa mudança vai alterar na adaptação, mas certamente vão tirar ou mudar mais coisas, como já foi na despedida da Mujika com a Emma.

Ainda assim, ela deu algo a garota e com certeza isso não será desperdiçado no contexto geral das coisas. Outra mudança, mas essa menos relevante, se deu na cena do piano, que tem uma importância simbólica tremenda no mangá (ou ao menos é o que a minha memória afetiva me diz), mas passou um pouco batida aqui, foi mais útil para revelar a passagem secreta para a saída de emergência.

Se por um lado se perdeu um pouco de carga emotiva com isso, a tendência é de que essa objetividade ajude a contar a história de forma mais “dinâmica”, tudo que quem já terminou de ler o mangá diz que não foi, e nem teria como ser mesmo por como a história estava até onde eu li. Porém, nem tudo foi diferente, aquele quarto com um pedido de ajuda gigante riscado na parede e o quarto do telefone existem no mangá.

A importância do primeiro não deve ser perdida, mas não comentarei mais para não dar spoilers, e o mesmo acontece com o segundo. Agora, o que será falado através dele talvez mude. Não vou saber precisar as diferenças em detalhes e nem acho que isso seja importante, convenhamos. Mais importante é comentar o que a história vai nos contar independentemente das diferenças que existam entre ela e o mangá.

Estou tocando tanto nesse ponto para avisar logo que o final pode até ser igual, mas o caminho para se chegar até ele certamente será diferente, ainda que mais resumido que exatamente outro. Isso é certeza, então se quiser ter uma experiência mais completa de Neverland e não temer o risco de não gostar do mangá, sugiro que dê uma chance a ele, apesar de achar a ideia de não segui-lo a risca boa apesar da inevitabilidade.

Porque pelo que estava lendo quando parei o mangá já não estava tão bom quando havia sido no primeiro arco. E eu entendo que a partir dali a história seria diferente, mas mesmo assim a qualidade caiu. O mesmo não posso dizer do anime, que até aqui acredito estar seguindo em uma boa direção, e não só pela contextualização dos demônio e de seu mundo que elogiei, mas também pela fortalecimento da identidade artística.

É algo que fica mais claro na abertura e no encerramento, mas também vemos aqui e ali no anime, seja pelo visual ou pelos sons que a produção traz. Acredito que essa segunda temporada está fazendo jus ao sucesso e a qualidade da primeira, mas entendendo que se trata de outra fase da história, uma bem diferente, ao ponto de decepcionar alguns apenas por isso.

Mesmo assim, tenho esperança de que Neverland consiga seguir bem e ter um final bacana. mas como escrevi no título do artigo, a esperança mora ao lado do desespero, então também tenho meus temores sobre como terminará essa jornada, ainda não tão importantes nesse momento em que a segunda temporada chegou apenas a 1/4 de seu total e mostrou coisas mais legais que exatamente questionáveis.

Até a próxima!

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