Quando os autores de Shingeki no Kyojin e Blue Lock elogiam um mangá é porque ele deve ser interessante e é justamente esse o caso de Kin to Tetsu (Fungus and Iron), uma distopia tão peculiar quanto cativante de autoria de Ayaka Katayama em lançamento na revista Bessatsu Shounen Magazine.

Na história acompanhamos Dante, uma garoto que se diferencia em tudo de seus companheiros de setor. Dante vive em um mundo distópico no qual não são os humanos que estão no topo da cadeia alimentar e sim os fungos. A organização Morchella controla tudo, mas existe um grupo rebelde chamado Aether e durante uma missão Dante entra em contato com uma de suas integrantes, Aoi, uma mulher, algo nunca antes visto por ele. A partir desse evento o mundo de Dante muda para sempre.

Kin to Tetsu é um baita de um mangá interessante por diversos motivos, e o primeiro a destacar talvez seja seu traço, o qual combina bastante com a proposta quase irreverente apesar do cenário de tensão no qual a trama se desenvolve. Gostei bastante das páginas duplas do piloto, o esmero conferido as paisagens naturais e a simplicidade do traço que dá um ar de autenticidade a obra.

Além disso, a maneira como a trama se desenvolve não apresenta em si nenhuma novidade, porém, em detalhes o roteiro consegue nos contar o contexto exato no qual o protagonista está inserido. Dante não sabe ler e é provavelmente por isso que não sofreu a lavagem cerebral de Morchella, a organização que controla os humanos e os divide em setores, privando-os do pensamento livre e do interesse pelo mundo exterior.

Outra cena muito impactante para escancarar o poder dessa lavagem cerebral se dá quando um companheiro mais empolgado de Dante se mata apenas por começar a se questionar, isso um tanto quanto pela influência dele. Dante até começa a se culpar pelo ocorrido, mas não tem tempo para parar e pensar já que pouco depois seu grupo encontra os rebeldes e o que deveria ser uma missão de extermínio vira um massacre total.

Como imagino que você já tenha lido o primeiro capítulo não teci comentários sobre a personalidade do protagonista de cara, mas aqui isso se faz necessário, afinal, é por ser desde o princípio um ponto fora da curva, alguém que age e pensa de forma diferente dos demais, que ele acaba sobrevivendo ao massacre provocado pelas forças da natureza (aparentemente pela ação dos fungos) e assim se encontra com uma mulher.

Em seu setor Dante é privado do contato com mulheres e acredito que isso se deva a ideia citada pelo governador. Morchella quer erradicar os humanos, então faz sentido impedir que eles se procriem. Contudo, nem tudo sai como nos planos da organização, não à toa existe a Aether e alguém como Dante, que sobreviveu em um ambiente tão hostil ao que é diferente por ter bons números em seu teste de aptidão física.

A grande revelação desse piloto é que o governador é na verdade um agente infiltrado, o que faz sentido por sua leniência com Dante, mas me faz pensar no quão duro deve ter sido para ele mandar humanos para a morte, como eu imagino que tenha feito por ordens superiores e impossíveis de desobedecer. A reviravolta advinda dessa revelação dá um gás a trama e torna crível algo que parecia inviável de outra maneira.

O que não aconteceria se Dante não tivesse alguém que contasse com sua rebeldia? Ele não conseguiria sair vivo da tortura e da tentativa de lavagem cerebral que tentam fazer com ele. Por que o governador vai tão longe mesmo querendo ter Dante como aliado? Para saber o quanto poderia contar com o rapaz. Se mesmo tendo seu cérebro atacado Dante se rebelou é porque é sinal de que deve ser muito útil a rebelião.

Além disso, a ideia de infiltrar alguém “não convertido” no alto escalão é excelente, mas com certeza não é uma tarefa fácil. Inclusive, talvez os dados tão positivos do protagonista em seus testes físicos sejam um arranjo do governador para ver até onde o garoto iria. Descobrindo que ele é diferente dos demais e ainda tem força de vontade para encarar o controle mental e superá-lo, é certo que Dante será um fator “imprevisto”.

Um evento que teve influência nisso foi seu encontro com Aoi, pois pela primeira vez Dante se encontrou e conversou com uma mulher, inclusive tendo contato de pele, algo proibido por Morchella. As sensações e sentimentos novos que surgiram com esse encontro desempenharam enorme papel em sua motivação, afinal, seu desejo de se libertar e conhecer mais coisas passou a ser compartilhado por uma pessoa amiga.

Aliás, Aoi é adorável, seu traço tem contornos simples, mas fofos, e sua personalidade, quase tão curiosa e inocente quanto a de Dante, foi bastante agradável de acompanhar pelo breve trecho em que aparece. A interação dos dois e o gosto que ambos tomaram por ela deu uma bela base para a contradição que Dante denuncia ao se rebelar contra a ideia do contato entre um homem e uma mulher ser um pecado.

Ele não considera o encontro que teve com Aoi algo criminoso, pelo contrário, e somando isso a sua vontade de desbravar o mundo exterior a convicção do protagonista se fortaleceu. Foi na simplicidade da descoberta de um gosto novo, de um cheiro, de uma conversa sem amarras que Dante solidificou as ideias que já borbulhavam em sua mente. Morchella não está certa, é o contrário, ela é o mal que deve ser combatido.

O cenário que se constrói por meio da tenacidade de Dante e a esperança que tem de se reencontrar com Aoi abre um leque de possibilidades ao mangá mesmo ele tendo só um capítulo na praça. Diria até que é justamente por termos visto tão pouco e esse tão pouco ter sido simples, mas extremamente eficiente em passar sua mensagem e apresentar personagens simpáticos, que Kin to Tesu é tão promissor.

O mangá deu toda a pinta de que será uma distopia meio diferentona, até cômica em alguns momentos, mas séria quando é preciso ser. Eu logo gostei do protagonista e daquela que deve ser a heroína. Não tenho muito o que falar sobre o governador, mas achei a ideia dele ser um infiltrado bem interessante e se a execução não foi exatamente inovadora, não posso dizer o mesmo do conceito super autêntico desse mangá, pois não é todo dia que vemos uma distopia em que aparentemente é uma força da natureza que desempenha o papel de tirana.

Por fim, adoraria saber como o mundo chegou ao ponto de ser controlado por fungos, como funciona a lavagem cerebral os usando e como opera a Morchella. Mas não pelos humanos que nela atuam e sim pelo nível de inteligência desses fungos e como exatamente eles se organizam em sociedade. Além disso, como controlam a natureza e por que dividem humanos em setores e não os matam de uma vez?

Tem tanta coisa bacana para questionar sobre esse primeiro capítulo que mal posso esperar pelo segundo, até porque quero saber o que o Dante fará agora que se rebelou de vez. O governador o encobrirá? Mas como fará isso após tantos estragos? Ele o deixará escapar para se juntar a base da Aether e de lá coordenador esforços contra a Morchella? Como Dante surpreenderá a organização? Mal posso esperar para ver!

Até a próxima!

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