Não sei se Fumetsu precisava justificar as ações da Parona para salvar a March, mas não acho essa uma escolha narrativa inválida, não mesmo, afinal, torna mais visceral o desejo da heroína de ir até as últimas instâncias para salvar a criança. Além disso, a lembrança da irmã é muito bem utilizada a fim de fazer uma correlação com o momento dela na trama, mais especificamente em seu ato de fugir e meio que recompensar o que a irmã fez por ela. Se ela foi salva por alguém, também conseguiu salvar, ou melhor, está tentando, pois o caminho das duas ainda é tortuoso…

Antes de chegar a cidade Yanome, tem duas coisas que acho necessário destacar, sendo a primeira delas as verdades que a velha prisioneira diz sobre a tradição dos Ninanna, e a segunda a relação da March com Fushi, e não só ela, pois no geral a aceitação com o fantasioso realmente é maior na sociedade em que se passa a trama. Inclusive, fiquei um pouco surpreso por ainda esperarem algo do urso branco, um resquício de vida que fosse, afinal, notar o vazio do receptáculo foi justamente um ponto de virada para a ação de fuga da Parona, o badalar final do relógio.

 

 

Enfim, não digo que a ganância por trás da tradição dos Ninanna estava na cara, mas, honestamente, em muitos detalhes esse apego falso a tradição se mostrou, e confesso que não percebi como deveria porque imaginava que a Hayase fosse realmente alguém que acreditasse na força da tradição, em seu misticismo, mas a verdade é que ela apenas agia em prol de beneficiar seu país, tanto que mesmo em face da queda do deus (eu diria suposto, mas um urso branco normal sobreviveria cheio de flechas?) dos Ninanna ela não se preocupou em desfazer o mal-entendido.

Pelo contrário, até porque para os Yanome o mais interessante era manter os Ninanna acreditando no sucesso do ritual enquanto vão se criando em seu território, aumentando sua influência e se apossando de seus recursos. Sacrificar uma criança em prol da ganância de um país é um crime hediondo e nunca vai deixar de ser mesmo com a gente sabendo que isso acontece o tempo todo na história da humanidade. De toda forma, se antes eu tentava ver o lado da Hayase, por outro agora ela não tem mais desculpa, apesar de não duvidar que tenha suas “circunstâncias”.

Em todo caso, isso acaba sendo uma questão secundária, e um ponto que acho um pouco mais interessante de comentar é a maneira como as pessoas, sejam de Yanome ou Ninanna, se relacionam com o sobrenatural. Dessa vez, vimos a Hayase tentando entender o Fushi para quem sabe usá-lo de maneira que beneficiasse sua nação, e por tabela ela mesma. A única coisa da qual senti falta foi de ver alguém mais importante que ela se inteirando da situação e até querendo tirar proveito. Isso significa que ela está agindo de forma a se resguardar ou é outra coisa?

Se esse contato com o sobrenatural, mesmo com um ser imortal, não for realmente algo de outro mundo para eles, então faz sentido que mesmo a descoberta bombástica dela não provoque todo esse rebuliço, né? Não sei o que vai acontecer no anime de agora em diante, ou só não lembro do que li no mangá, mas até pela abertura fica claro que uma quantidade ainda maior de criaturas e situações incomuns surgirão, então elogio essa construção da trama, desde cedo caracterizando bem a maneira como as pessoas se relacionam com o sobrenatural.

 

 

Focando agora no Fushi, ele volta a sua forma humana e a March reassume sua faceta maternal que pode parecer mais brincadeira de criança a princípio, mas na verdade é uma forma bem bacana de manter e fortalecer o laço entre os dois, assim como dar vazão a evolução do Fushi que vai ocorrer perto ou longe dela. Dois exemplos disso foram ele ter aprendido a se alimentar como um Yanome (de maneira mais “civilizada”) e ter assimilado o conceito de dor, apesar dele ainda não ter a sagacidade necessária para sacar que não é normal dizer que sente dor o tempo todo.

No caso da comida, imagino que ele tenha observado e experimentado essa nova forma de se alimentar, que ele assimilou melhor por sua eficiência, mas também, é claro, pelo desconforto provocado pelo ferimento. A dor é um estímulo que ninguém pode negar e ter visto alguém em uma situação muito similar a sua reclamar de dor o levou a isso, o que pega é que ele ainda não sabe como lidar com esses estímulos, então é por isso que repetiu as coisas como uma copiadora doida, uma verdadeira matraca, mas isso não significa que esse seja seu limite, né?

Enfim, antes de acabarem sendo desacordados pela Hayase em um movimento que me fez perder as esperanças nela e estava na cara que aconteceria, até por toda sua gentileza até ali, gostaria de comentar justamente a palinha de diferenças culturais que foram mostradas entre os Yanome e os Ninanna. Não que soubéssemos em detalhes como viviam os Ninanna, mas as diferenças que foram apontadas e mostradas corroboram com o “segredo” contado pela velha, que Yanome está em “outro patamar” e por isso quer se aproveitar dos Ninanna.

Não que eles realmente sejam assim tão mais desenvolvidos, mas pela maneira como lidam com os Ninanna (enviando quatro ou cinco gatos pingados para garantir o sucesso de um ritual crucial para o projeto de expansão de poder da nação) dá para imaginar que ao menos pensem assim. Em todo caso, deixando os Yanome um pouco de lado e a sacana da Hayase, outra coisa que eu achei daora foi a carta que a March preparou para enviar aos pais em uma demonstração de presença de espírito e criatividade dignas de uma criança incrível como ela.

 

 

Aliás, a March mais uma vez esbanjou carisma, pois mesmo na prisão (e em uma situação desconfortável, para dizer o mínimo) ela assumiu a bronca que foi passada a ela e agiu bem, até com certa positividade. Por outro lado, a Parona convivia com seus receios do passado e tentava compensar ter sido salva na infância salvando a si mesma e a March, até porque não era razoável que apenas a criança se salvasse sabendo que para viver livre ela vai precisar de apoio. Não dá para contar com o Fushi como alguém responsável pela March e a Parona sabe disso.

Então, diferente do que acontece às vezes na ficção, a perspectiva dela não era de salvar outra pessoa e “pagar” com a própria vida como a irmã, mas também se salvar no processo, de certa forma até curando as cicatrizes psicológicas que ficaram com ela devido ao que sua irmã fez e a arrancou de seu convívio. Era isso ou era ela que morreria, coisa que a Parona entendeu e vivenciou intensamente ao tentar salvar a March. E por que ela só agiu com a March? Por proximidade certamente, mas imagino que antes ela não tinha tantas condições de fugir, né?

Ela não aparece treinando com arco e flecha logo quando é apresentada? Acredito que tenha se preparado para sobreviver na vida selvagem imaginando que um dia tomaria coragem e faria algo similar ao que a irmã fez. Repito, a Parona ter essa questão do passado não diminui a nobreza de seus atos, coisa que é fácil de crer na personagem até pela inocência que ela demonstra ao imaginar que bastaria levar “provas” da farsa para convencer os Ninanna e ser aceita. É sério, a gente sabe que se ela fizer isso com certeza vai dar errado, não vão acreditar nela não.

 

 

Por outro lado, eu consegui comprar a ideia de que essa vida prolongada do urso calhou para marcar o tempo certo de execução do plano de fuga, além, é claro, de ser um marco simbólico para a narrativa, afinal, com a partida do deus, ficaram as mulheres que não tiveram suas vidas levadas por ele no conchavo que o envolvia. O ciclo da violência e ganância humana foi quebrado muito pelo Fushi, é verdade, mas se nós pensarmos bem, sem a intromissão da Parona o encontro predestinado entre o protagonista e a criança provavelmente não teria ocorrido.

Sendo assim, as histórias desses personagens se cruzaram, precisando de um vazio (que a gente pode encontrar na figura do corpanzil do urso) para serem preenchidas (para saírem de lugar). Outra coisa que queria escrever é que adoro o fato da líder desse grupo ser uma mulher tão obstinada, corajosa (a cena dela escalando a muralha foi tensa a beça) e bondosa que decidiu ir contra o status quo antes mesmo de conhecer a verdade, e mal posso esperar para ver aonde essa história nos levará quando eles conseguirem superar esse momento turbulento em que estão.

Até a próxima!

 

Extras

Comentários