Imagino que você tenha simpatizado com o irmão do Shin no início do episódio e ficado confuso no final, não vou dar spoilers, só garanto uma coisa, é uma treta cabulosa, que faz parte da construção do herói em aspectos que vão além de sua personalidade aparentemente fria.

Nada novo aí, o interessante é a forma como a situação é construída. Há muito o que comentar nesse episódio sobre a expansão de mundo que foi feita e o problema revelado (estava fácil demais “apenas” segurar uma guerra até um fim marcado, né?), então não percamos mais tempo!

Você gostou do Rei? Eu acho que não tem como não simpatizar com o rapaz, até pelo que ele diz a pequena e fofa Lena nas circunstâncias em que aquilo é dito, após a garota perder o pai e se sentir culpada pelo que os Albas estavam fazendo aos Eighty Six, os únicos na linha de frente.

Acabou que seu pai foi uma vítima Alba, que imagino ter sido encoberta, e talvez esse seja um motivo para ela frisar tanto que há vítimas no campo de batalha, mas é claro que ela sabe que seu pai ou o senpai do Theo foram casos isolados, ela sabe de quem são os corpos esquecidos.

Sendo assim, não consigo pensar mal da linha de raciocínio que ela traçou ao crescer, mesmo que tenha apontado seus vacilos de compreensão, e o mesmo destino um pouco ao Rei, que à Lena pareceu um irmão amoroso, mas para o Shin tem uma outra faceta que ainda vai ser explicada.

Já disse que não vou dar spoilers, mas posso garantir uma coisa, que personagens como o Rei são o “cinza” que tanto comentamos para contrapor a ideia de “preto” e “branco” na ficção, a qual, aliás, talvez não seja em si uma forma simplista e preconceituosa de encarar as coisas?

Não existem personagens, seja na ficção ou na realidade, planos, e se existem, saiba que eles são uma bela de uma porcaria. Como não foi o bobo diálogo entre a Lena e sua amiga cientista, pelo menos não se pensarmos que ela dá uma “dica” a Lena de algo que ela pode fazer.

Se fotos ajudam a lembrar das pessoas que passaram pela sua vida e isso pode ser usado como uma forma de constranger, por que também não pode ser usado como uma forma de dar vazão a razoável proximidade conquistada quando ela descobriu os nomes daqueles que orienta?

Não lembro se ela chega a falar disso no conteúdo que certamente corresponderá a essa primeira temporada, se não, imagino que a deixa fique para a sequência. Você pode até pensar nisso como um spoiler, mas só o fato de ter sequência dá a entender muita coisa, convenhamos.

Enfim, a Lena entra em contato com o Shin e se tem uma coisa que destaco do que eles falaram foi o que ele revelou sobre não lembrar dos rostos e das vozes de sua família. Isso já era algo muito estranho e depois do que ele revela adiante é esperada uma correlação.

Além disso, nesse momento o flerte que a Lena viu e o gemido do gato ao fundo deram a composição da cena um tom que nos leva quase que automaticamente a pensar no quão “inocente” a heroína é e no quão ela pode se deixar envolver ao se aproximar do herói bacana.

Até porque ele faz o tipo misterioso e educado que deve atrair o interesse de muitas garotas. Tem uma no próprio esquadrão dele, e que sente ciúmes de seu contato com a Lena, o que é o tipo de coisa que não combina com a trama, mas ao mesmo tempo é compreensível.

Não, não estou dizendo que vai desembocar em um romance, não necessariamente, ao menos não agora, mas a gente sabe o quão clichê e razoável de se trabalhar é aproximar personagens com realidades opostas. 86 pode ser mais criativo que a média em certos aspectos, não todos.

Deixando a comédia romântica de lado e partindo para o que realmente importa, como o Shin explica mais a frente o que confundiu a Lena na batalha desse episódio, vou me atentar as duas cenas que exploraram o fato novo, mas que não surgiu do nada, apresentado a nós.

Primeiro, achei a cena dela na cabine um pouco aquém pelo quão intensa pareceu aquela situação, de ouvir vozes vindas do além em meio a batalha. Queria ter visto ela ainda mais aterrorizada, até para explorar a confusão que a acometia desde que ficou sabendo que haveria a luta.

Ainda assim, não foi uma cena ruim, não mesmo. Contudo, a segunda cena, em que ela ouve as vozes já estando em casa e perde as estribeiras, foi bem superior. Inverter a câmera e usar uma paleta de cores mais sombria, até mesmo mórbida, certamente ajudou a criar uma “atmosfera”.

Nessa cena deu para ver o quanto ela sentiu o baque, o que talvez se justifique um pouco pela surpresa de quando aconteceu, que a fez não entender de imediato o quanto aquilo era horripilante. Ainda mais porque relembrando ela deve ter tido certeza de que era a voz da Kaie.

A Kaie foi a primeira pessoa do esquadrão que morreu na frente dela, o que serviu para colocá-la ainda mais dentro desse furação e sentir com ainda mais peso o quão desagradáveis eram aquelas vozes. Lembra que falavam que ela não daria conta do recado? Se referiam a isso.

Além disso, em outras cenas falaram que o Shin poderia “esmagar” o espírito dela, e se lembrarmos que um Operador já se suicidou, fica fácil juntar os pontos. Todas as pontas soltas sobre o perigo que o esquadrão representa se conectam aqui, nas vozes dos mortos que o Shin ouve.

Era previsível que algo assim acontecesse pela personalidade dissonante com alguém que maltrata seus superiores do Shin, pois ele contraria os rumores sobre sua pessoa, afinal, é um comandante muito bom e uma pessoa serena, mas as vozes que ouve são “coisa de outro mundo”.

Entre aspas mesmo porque a verdade é que, como ele bem explica, não são. As Ovelhas Negras são os drones da Legion que incorporaram cérebros humanos para se aproveitar de sua inteligência e assim se adaptar em um cenário no qual deixariam de funcionar em dois anos.

Se o ser humano tem capacidade de se adaptar para sobreviver nas adversidades, por que as máquinas não teriam? Isso faz ainda mais sentido se pensarmos que elas são alimentadas por um cérebro, o que vai parar em dois anos, e erradicaram os humanos imbecis que as criaram.

Esse tipo de desenrolar não é nada novo no gênero sci-fi, ainda mais em um no qual a tecnologia robótica evoluiu ao ponto das máquinas se manterem autônomas em uma guerra longa. Faz sentido que elas busquem se aprimorar para sobreviver, parecem sofisticadas para tanto.

É claro que isso cria um cenário bastante bizarro em que cérebros humanos desprezados no campo de batalha pelos Albas são justamente aquilo que provocará sua ruína. Bela forma de acabar com uma raça ariana detestável, né? Pena que tem gente boa como a Lena vivendo no país…

Okay, okay, não queria parecer tão extremo, mas a verdade é que a construção do cenário revelado pelo Shin é tão deliciosamente cruel que não tem como não gostar das ideias do autor aqui. A mesma soberba que fez os Albas saírem do campo de batalha os fará perder a guerra.

Mas é óbvio que esse é o cenário de momento, não há garantias de que vai acontecer e a gente sabe que as chances de ambos, herói e heroína, saírem vivos beiram o 100%. Sendo assim, a questão passa a ser como sobreviverão a essa situação, coisa da qual não se dá nenhum vislumbre.

Ainda mais após ele revelar que o exército da Legion é maior do que os Albas sabem e que é só questão de tempo até que devastem a República. Esse é um dead end que precisa se encarado pelos protagonistas, mas, sejamos honestos, como a Lena tornará essa uma questão?

As chances dela não conseguir o apoio dos Albas para tentar modificar esse quadro é enorme, o que nos leva ao microcosmos em que ela se encontra com o Shin e os outros. Eles continuarão lutando essa batalha perdida ou algo acontecerá para trazer o mínimo de esperança?

Não vou revelar o que acontece no original, a única coisa que posso garantir é que 86 não trai a sua própria coerência na novel e eu espero que isso seja mantido nessa adaptação, que até agora está excelente, para quem compara com o livro ou ainda nem leu ele.

Voltando aos protagonistas, a longa cena em que ele despeja uma verdade aterradora em cima da Lena desemboca em um momento que dá vazão justamente a essa história com o irmão ainda não contada e para lá de estranha do protagonista.

O rápido flashback que passa dá a entender que o irmão tentou enforcá-lo e ele “morreu” ali, mas se foi esse caso, como o garoto sobreviveu? Aliás, á também por isso que o chamam de Undertaker (Coveiro), pela sua peculiar relação com a morte? É, agora tudo está fazendo sentido…

É como se o Shin fosse sensível a frequência em que esses ecos do momento da morte dos Eighty Six se manifestam, mas por que ele tem essa sensibilidade? Porque eles mesmo já passou por uma EQM (Experiência de Quase Morte) quando mais novo, e pelas mãos do próprio irmão?

Que história pesada, né? É trágica se pensarmos que o irmão morreu e parece que eles não tiverem como conversar, não à toa o Shin ainda está a sua procura, mas não pelo seu corpo, e sim pelo eco de seu cérebro, um dos muitos recolhidos no campo de batalha pela Legion.

É muito bizarro que a forma como ele deseja “acertar as contas” com o irmão seja dando um fim nas repetições de suas lamúrias de morte porque, no fim das contas, não vai ser o irmão dele que estará ali, como ele bem explica. Mesmo assim, é do que ele precisa para ficar em paz.

O Shin já está conformado com a morte, mas ainda assim segue homenageando os companheiros caídos e se preocupando com a Alba hipócrita da Lena (eu sei que ela tem melhorado). É sério, tem como não gostar de um herói desses? Super dá para perdoar sua personalidade “sóbria”.

Por fim, esse foi um episódio pesado por tudo que nele fora revelado e pelo alerta de urgência que joga em cima da série. Repito, dentro do que o anime já vinha apresentando há coerência no cenário destrinchado, assim como muita perspicácia nos detalhes que envolvem Shin e o irmão.

O Shin conseguirá cumprir seu último desejo, que é se “reencontrar” com o Rei? A Lena será capaz de salvar os integrantes de seu esquadrão, assim como a seu povo? A guerra resultará no fim da República ou haverá salvação para os Albas, assim como para suas vítimas, os Eighty Six? Veremos!

Até a próxima!

P.S.: Dessa vez foi difícil de encontrar uma música que encaixasse, mas essa daqui é só feels e tenho certeza de que se você analisar com cuidado, checar a tradução e comparar com o episódio, vai perceber algumas semelhanças.

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