Sobre a égide da espada, a vida de um jovem mercenário e o seu encontro com o sobrenatural. Nesse segundo filme de Berserk, a realidade é o palco da ação, onde a peça é nada mais que a disputa pela hegemonia da monarquia de Midland.

 

 

O irmão do rei, Julius, já foi convocado para comer grama pela raiz, e Guts, nosso capacho de aluguel, se descobre enquanto gente. Sou humano, tenho meu orgulho. Sua dignidade foi abalada e o gosto amargo da mesquinhez daquele que pensava ser seu amigo, o marcaram com um estigma. Ainda metafórico, é claro, o estigma final só se apresenta no último filme.

Nesse segundo ato de Berserk, nos arremessamos no clímax do conflito entre Tudor e Midland. Ambos os reinos estão exauridos pela longa duração da guerra, e ambos os reinos estão em um impasse. Midland já reconquistou o controle de praticamente todo o seu território, no entanto, um castelo, apenas um castelo, sustenta a estabilidade de Tudor nesse atrito sem fim.

Doldrey, a fortaleza impenetrável, drenou 30% do poderio militar de Midland, que incapaz de fazer frente à elite das tropas de Tudor, se percebe em desespero extremo. Impostos sujam a vitalidade diminuta do reino, generais ineptos e nobres acovardados se escondem atrás dos jogos de aparências e poder.

 

 

Quem poderá nos salvar? Eis a questão.

Ninguém menos do que o invicto Taka no Dan, comandado pelo brilhante general, recém elevado à nobreza, Griffith, se arremessa ao desafio, e por vontade própria, mesmo sabendo que sua máxima força não passa dos 5 mil homens, os quais devem fazer frente aos mais de 30 mil de Tudor.

A estratégia de Griffith é 8 ou 80, é uma aposta sútil e efêmera. Ele enfileira toda a sua tropa em um beco sem saída, de costas para o rio e distantes das muralhas ameaçadoras. Um ataque direto seria suicídio. Se utilizando como isca, avança contra os militares que defendem o quintal da fortaleza, a campina de combate. O interessante dessa manobra, é que Griffith utiliza uma força compacta e veloz, uma cavalaria de dispersão, atropela e demonstra o poder de seu bando, que mesmo quando em números mínimos, onde a maior parte de suas formas se mantém recuada contra o rio, consegue um êxito invejável.

 

 

Boscogn, experiente e inigualável general dos Rinocerontes Púrpuras, não morde a isca, está confortável em manter a segurança de suas tropas dentro dos muros do castelo.

Até esse ponto, a derrota de Taka no Dan era inevitável. Digo, se não fosse por dois elementos ímpares que se sucedem com previsão sem igual. O primeiro, Casca, que disfarçada invade o castelo junto de um general fanfarrão de Tudor, Adon. Ela e uma diminuta tropa de membros do Taka no Dan esperam pelo momento certo para efetivarem o seu plano.

O segundo elemento, e talvez o mais arriscado, como se invadir um castelo e passear no meio de centenas de inimigos não fosse o suicídio encarnado, é o charme que Griffith lança sobre o comandante do castelo, Gennon, um nobre de Tudor com o qual ele já teve relações e troca de favores, por assim fizer.

 

 

Gennon, nostálgico e cheio de tensão, suplanta as ordens de Boscogn e comanda que todo o seu exército saia do castelo, que entre em escaramuça com os agressores, aniquile-os e que lhes tragam Griffith, o comandante, vivo, absolutamente vivo e intacto.

Até aí tudo bem, quem imaginaria que 5 mil homens acuados contra um rio e cercados, poderiam fazer frente à elite de Tudor. Mas Griffith imaginou.
Depois disso é só questão de esforço, combate de empalamento para que Casca consiga eliminar as esparsas defesas que ficaram no castelo, incluindo Adon, o cavaleiro herdeiro de técnicas passadas por centenas de anos que sua imaginação acredita ser verdade.

O general dos cavaleiros da Baleia Azul até que consegue algumas façanhas, mas Casca, agora em plena saúde, não perdoa o ex-refém.

 

 

É bom e essencial destacar o desfecho de Boscogn e Gennon. O general dos Rinocerontes Púrpuras digladia com Guts, uma batalha aguerrida, e uma das muitas em que Guts vence apenas pela sorte. No mangá, aliás, sua espada quebra e Zodd arremessa seu cutelo para que ele consiga vencer o inimigo, já no filme, ele consegue se desvencilhar do golpe fatal do general, e com uma finta desferir uma guilhotina de perder a cabeça.

Zodd, do topo de sua colina de espectador, não apareceu no filme, no entanto Farnese, Serpico e Puck, deram as caras.

Gennon, o nobre com hormônios não resolvidos, por sua vez, tenta barganhar com o seu garoto de ouro, a quem doa ouro. Mas resoluto e agradecido, Griffith apenas pisa em mais um degrau para se elevar em direção a suas ambições estratosféricas. Ele almeja possuir o seu próprio reino, nada mais nada menos.

 

 

Agora, conflitos à parte, é bom destacar a relação de Guts e de Casca, antes da batalha de Doldrey, Casca, uma mulher, sofre com a sua biologia impertinente. Guts, por sua vez, sofre com a sua armadura enquanto resgata a sua companheira da morte certa. Não vou dar ênfase no quanto eu adoro a Casca em todos os aspectos. E no quanto adoro a relação do Guts com ela, nem no fato de que ela quase mata ele enquanto esbraveja rancor por ser mulher.

A parte onde Guts a salva, busca refúgio, cuida dela e depois a defende ao ponto de se tornar uma almofada de fechas, nem é o central, mas na festa, ah, na festa da nobreza, após a vitória contra os Tudor, ao receber as glórias, as terras, as recompensas, os dois, o sorriso de ambos, a felicidade que cintila entre o matador de cem e a hábil general que se desvencilha de inúmeros estupros pela sua breve vida, essa dança da vitória, isso é o central.

Sim, Berserk é uma obra de amor, e o amor de Griffith por sua posse, por seu melhor amigo e animal de estimação, é o que desencadeia na aniquilação e no sacrifício de tudo o que conquistou, incluindo a vida de todos os que a ele seguiram por anos a fio no mar de tripas do campo de batalha.

 

 

Guts, como prometeu a si mesmo, resolve seguir seu rumo, sua vida, suas regras. Casca, que agora guarda um carinho indescritível pela figura solitária e antissocial, mas musculosa e bem formada de Guts, se vê entre a panela e o fogo. Sua lealdade e paixão platônica por Griffith ainda pendem com força. Ela até tenta dissuadir Guts, mas ele está resoluto, a humilhação de permanecer como um brinquedo de Griffith é intragável demais.

Outros membros de Taka no Dan, generais e veteranos, coadjuvantes que mal aparecem no filme, tem sentimentos dos mais diversos em relação a Guts, um misto de inveja, respeito, ódio, amizade e tristeza. Corkus é a expressão sincera disso, Judeal, a expressão resignada. Rickert e Pippin, por sua vez, são passivos demais para tomar iniciativa.

 

 

Griffith, no entanto, não apenas toma iniciativa como voa na jugular. Traído, seja por Guts, seja por si mesmo, ao esconder o seu real sentimento em relação ao amigo, o quanto ele é central e o quanto o respeita e dele precisa, essa contradição em seu coração, seu egoísmo desmedido, sua soberba e egocentrismo, colapsam em violência e submissão. Griffith é imaturo, Guts, por sua vez, é um pilar de força consolidada. Vence e limpa o chão com o que resta de seu comandante. Esse é o estopim para que Griffith impulsivamente busque o instinto do corpo.

Em uma das cenas de ato canal mais belas de todos os tempos, ele consome e é consumido pela volúpia de Charlotte, a princesa de Midland. Embora ela tenha sentimentos sinceros e infantis em relação a ele, Griffith, por sua vez, está se afogando em uma agonia que desconhecia, o abandono.

 

 

Daqui em diante é só ladeira abaixo, vemos as consequências da pedofilia incestuosa do rei de Midland, sujeito que nem mesmo um nome próprio Miura lhe garante. E o calabouço como nova morada do falcão, agora sem asas. E por tabela, a brutalidade da ingratidão que se arremessa como chuva perante os demais membros do Taka no Dan.

Eis o desfecho da glória efêmera de um arco magnífico, a era de ouro que dissolve em tolice e maldição. O último ato é representado no palco do inferno.

 

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