Concrete Revolutio: The Last Song – ep 7 – O ideal versus o real
Foi um bocado difícil escrever esse artigo porque me incomodou muito a forma extremamente reducionista com a qual o anime retratou a Guerra do Vietnã, conforme interpretada por alguns de seus soldados, bem como a própria história de formação dos EUA ao comentar sobre o massacre dos povos indígenas. Não quero de forma alguma dizer que na verdade os EUA estavam certos nos dois casos (principalmente no segundo!), é que mesmo se fosse uma descrição absolutamente correta da história a forma maniqueísta e caricata com que foi apresentada me parece sempre uma escolha ruim. Mesmo se fosse verdade que os EUA cometeram apenas crimes atrozes e sabiam disso desde o começo, o tom induz a acreditar que só haviam duas escolhas possíveis: a errada, adotada pelos americanos, e a certa, que seria necessariamente o total oposto do que foi feito. Não só não é verdade que os EUA tenham cometido crimes absolutos irredimíveis mesmo para sua época como a realidade é muito mais complexa do que uma moral em preto e branco sugere.
Mas no fundo isso foi só uma alegoria. Como quase tudo (ou seria tudo?) o que acontece em Concrete Revolutio, o que aconteceu nesse episódio ou foi narrado nele não é uma representação da realidade, mas sim um elemento retirado da realidade e modificado para servir de metáfora para a história do próprio anime. O episódio serviu não para criticar a Guerra do Vietnã e o massacre dos povos indígenas da América do Norte (embora faça isso também, sem dúvida), mas para que Jirou se enxergasse em Jonathan, o soldado idealista caído.
Jonathan era um super-humano, e um que escolheu se tornar um super-humano tamanha era sua crença em seus ideais. Ele escolheu ser um soldado, e como soldado escolheu ser super-humano, sempre com a intenção de lutar por seus ideais, por distorcidos que eles se tenham tornado. Inicialmente ele lutava apenas pelo ideal de liberdade conforme entendido no Ocidente Capitalista, que simplesmente demonizava o comunismo (e era demonizado pelo bloco soviético também, não estou aqui atribuindo culpas, apenas constatando fatos: não foi porque um modelo fosse melhor ou pior do que o outro, a Guerra Fria só aconteceu porque os dois lados se odiavam, porque seus ideais colocavam a culpa de tudo que está de errado no mundo no outro; depois o comunismo cairia por ser pior sim, mas de forma pacífica, “independente” da Guerra Fria e da ação do Ocidente). Enfim, retornando dessa longa digressão, Jonathan lutava pela concepção Ocidental de liberdade, que os comunistas do Vietnã não estavam dispostos a aceitar, evidentemente.
Não sei se a unidade de super-soldados dele chegaria a essa conclusão por lutar contra humanos que usavam o poder de youkais ou se esse já era o plano desde o começo, o fato é que em algum momento os americanos passaram a enxergar que os youkais eram o Outro, o Inimigo, o Mal, tudo aquilo que impede a humanidade de alcançar a paz e a prosperidade, e decidiram erradicá-los no mundo inteiro. Todo o tempo os americanos e o Jonathan em particular foram guiados por seus ideais, e levando-os ao extremo cometeram as barbaridades que viram-se nesse episódio. E quem é que tem uma ideologia forte também, senão o protagonista de Concrete Revolutio, Jirou?
Jirou acredita que super-humanos, de todos os tipos, devem ter os mesmos direitos que humanos normais, e acredita que é seu dever fazer tudo ao seu alcance para protegê-los. A origem dele é complicada e bastante obscura ainda, mas o poder que ele tem no braço foi durante a maior parte de sua vida mais uma maldição do que qualquer outra coisa. Embora poderoso ele não podia usar aquele poder livremente, de forma que era na prática um humano normal, tanto que é assim que ele se apresenta até hoje. Mas ele escolheu defender os super-humanos, escolheu lutar por eles quando o Escritório de Super-Humanos não tinha ainda essa atribuição, escolheu fugir do Escritório e depois se tornar um criminoso procurado quando descobriu algumas verdades sobre o Escritório e o governo, e finalmente escolheu acolher os fumers em seu braço passando assim a poder controlar seu poder. Assim como Jonathan, Jirou fez sozinho todas as suas escolhas. Assim como Jonathan, tudo em nome de seus ideais.
É por conta de seus ideais que Jirou absolutamente precisa ajudar Jonathan, e dessa vez até o detetive Raito, normalmente muito mais radical do que ele, o alerta que ele está errado, que não há volta possível para Jonathan, que ele foi longe demais e não pode mais se redimir. E Jirou age de acordo com sua convicção até o fim, mesmo depois do Jonathan real provar para o Jirou que ele não era o Jonathan ideal que ele queria proteger, assim como o Vietnã real se provou diferente do Vietnã ideal que Jonathan imaginou antes de embarcar para a selva. Jirou assistiu a queda de Jonathan, condenou o oficial militar que o matou porque isso foi completamente contra aquilo em que o Jirou acredita, mas ao mesmo tempo ele pareceu estar ciente, no final, de que ele pelo menos precisava ter visto aquilo. Talvez ele ainda não tenha compreendido totalmente o que ele testemunhou mas ele sabe que foi importante ter estado lá. Se e quando ele se vir no mesmo beco sem saída que o Jonathan, ou melhor ainda antes de entrar nesse beco, talvez ele possa se lembrar desse episódio.
Encerrando com outros comentários, a cena na animação de abertura com Fuurouta, Kikko e Emi amarrados adquire um significado sombrio com a revelação de que há uma força militar dedicada a eliminar super-seres não humanos. O futuro para o Jirou pessoalmente também não parece muito brilhante dado que o próprio Mestre Ultima deseja capturá-lo – e nem precisa estar vivo. É algo relacionado a energia – lembrando que o Jirou fez as vezes de Bomba de Hiroshima em Concrete Revolutio, conforme visto no apagar das luzes da primeira temporada, e que a energia nuclear foi usada primeiro como arma, justamente sobre Hiroshima, e só mais tarde se tornaria fonte de eletricidade. Queria ter gostado mais desse episódio, mas tematicamente ele foi irrepreensível.