Competitividade, sorte, psique, vitória, frieza, psicologia social, teoria dos jogos e das emoções, diminuição dos outros, trapacear e perceber quando está sendo enganado pelos pessoas… Esses são alguns dos valores ou temas que trazem Kakegurui ao nosso plano e fazem com que um novo paralelo se interponha em nossas mentes: até onde isso faz parte do mundo das corporações, informações, manipulações e negócios (sobretudo nas somas superiores a seis cifras)?

Que esse anime é controverso, isso não resta dúvidas. Mas o que suas temáticas despertam nos espectadores pode realmente nos fazer reavaliar como vemos as sociedades e, principalmente, as pessoas? Entender como elas se relacionam consigo e com os outros em meio a mais bruta selvageria que só a mais pura civilidade dos escritórios, das intenções e das elites pode oferecer; isso é Kakegurui.

Partindo do pressuposto de que a Academia Privada Hyakkaou é uma alternativa sólida para construção de empresário competente no futuro financeiro japonês, a farsa, o golpe, a trapaça e a dissimulação são os quatro pilares que fundamentam a originalidade da proposta do diretor dessa instituição. Enquanto outros alunos aprendem história, geografia, educação física, seus internos aprendem na pele todas as desgraças e louvores que o dinheiro pode trazer.

A fundamentação extrema desse ponto está na figura do conselho estudantil. Eles monopolizam o poder e as alternativas do local (não têm problemas em admitir pessoas armadas ou crianças para a trupe) e funcionam como a ponte direta entre a virtualidade das fichas e a materialidade das engrenagens políticas e sociais da elite japonesa, instruindo (de uma maneira muito mais realista que os últimos anos podem contar) o senso de responsabilidade financeira e a consequências dos atos.

Outra característica abordada pela obra é o fator da imprevisibilidade. Que aquelas duas seriam antagônicas, isso todos esperavam, mas como demonstrar a todos o caráter circunstancial que os tabuleiros (da vida, leia-se aqui) propõem a todo o momento? Simples: perceber e usufruir de uma aliança improvável deve estar além de qualquer irracionalidade ou rixa vil. Afinal, o agora é o grande regente; aproveitar as oportunidades quando elas se apresentam é fato inegável pra alcançar o topo.

“O vital é a tomada e a manutenção do poder.” Esse pensamento de Maquiavel encontra respaldo absoluto em Kakegurui, uma vez que toda a estrutura hierarquizada dos envolvidos bem como a necessidade de constante autoaprovação (e seus pares nos contextos familiar e social; principalmente se tratando desse número de cifras envolvidas) para afirmar a autoridade da vitória (e dez vezes mais um apequenador do derrotado) são recorrentes (escolha aleatoriamente qualquer episódio e tente a sorte).

A natureza do ser humano desnudo (livre das amarras de todas as ordens naqueles instantes caricatos – todos se devorando) no momento em que apequena o outro e a maximização/exteriorização total desse conjunto de desprezos (arsenal magno do corporativismo) é outra faceta da obra. Quer seja explícita em um momento de triunfo próprio, quer seja no instante da falha do seu ímpar (tudo esquematizado em uma senoide de alternâncias e de circunstâncias que apontam para a dinamicidade e para o inesperado que a administração e o capital regem), esse exagero caricato só aproxima a humanidade do seu estado natural (o famoso todos contra todos – depois que nossa aliança acabar, logicamente).

A materialização dos níveis de influência (e por que não, do nível de vezes que você pode fazê-la de banco ou violentá-la) reside nas famosas plaquinhas, e em seus “times”. A todo aquele ou aquela que experimenta o gosto nada doce da derrota e, consequentemente, (o mais amargo ainda sabor) da dívida é revelado o maravilhoso mundo da degradação, subserviência, humilhação, obediência e arrependimentos absolutos como inerente as almas fracassadas incapazes de sobreviver naquela selvageria civilizada.

Então, mesmo diante de tudo isso, qual o contraponto que o autor oferece? Jabami Yumeko. O tradicional evento desnorteador do universo e que finalmente inicia toda trama é sua transferência e suas ações. Ao se mostrar além de qualquer valor monetário (e conseguir gerar mais memes por episódio na temporada), ela cria um grave problema para o conselho estudantil: o que a move, já que o temor que impomos não a alcança? A resposta é expressa na frase da própria: “Gambling é tão interessante quanto é insano!”

Esse comentário resume a ideologia que a rege: a adrenalina. O desejo de saber o que o destino a aguarda naquelas mesas. Estar além da materialidade imediata, pode, como qualquer outra virtude (sim, considero muito interessante essa perspectiva – e muito reflexiva) tornar-se um fardo ou algo fora da proposta inicial. Contudo, a personagem é construída de modo que detenha, inclusive nos seus momentos de maior entusiasmo (simulacros de orgasmos contam aqui), o controle da situação. Sua psique encontra na incerteza do instante vindouro e da aposta de qualquer amontoado de papéis pintados que tiver de reunir seu sentido de ser mais natural, mas ao manter seu radar totalmente ativo, vívido e criativo (não só para combater como pra desfrutar das artimanhas a dispor dos alunos) para suas ações e para os outros envolvidos, ela configura-se como uma apostadora compulsiva. Porém, jamais uma jogadora patológica.

Se você também inferiu que os atributos psicológicos da Yumeko simbolizam o perfil do profissional monetário (digamos assim, kkk) diferenciado e capaz de estar além de qualquer sistema e de suas circunstâncias (ou só de alguém desequilibrado que tem dinheiro suficiente pra limpar a bunda com ele até morrer, mas inteligência limitada pra comprar um estoque de ampolas de adrenalina), você pode gostar dessa curiosidade:

Conversor iene – real (quanto vale aquelas apostas no nosso país?).

É ISSO, espero que tenha levantado alguns questionamentos… por enquanto é 3,5 estrelas, mas como sempre digo: sujeito a alterações.

Pode assistir!

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