Não assisti nenhuma das outras três temporadas de Jigoku Shoujo. Nem um mísero episódio. Mas com uma premissa simples e o formato episódico, nem preciso. Você também não precisa, caso esteja se perguntando a mesma coisa. Alguns animes simplesmente dá pra começar pelo meio. Outro dessa temporada que assisti sem nunca ter visto as temporadas anteriores foi Saiyuki Reload Blast. É divertido também.

Jigoku Shoujo é um anime sobre rancor e vingança. Sobre ação e reação, sobre o preço que se paga por isso, e sobretudo sobre a moral subjacente. A cada episódio, alguém com rancor e com desejo de se vingar consegue eventualmente entrar em contato com Ai Enma, a Garota Infernal do título, e tem então a opção de enviar a pessoa de quem quer se livrar para o inferno. O preço? Quando morrer, aquele que se vingou também irá para o inferno. Colocado dessa forma não parece uma oferta muito tentadora, mas acredite: em determinadas circunstâncias, muitas pessoas (qualquer pessoa?) é capaz de fazer tão mal negócio.

A protagonista desse primeiro episódio foi uma garota vítima de bullying em sua classe. Bullying parece o tema da moda ou é impressão minha? Clione no Akari, sobre o qual escrevi ainda hoje, é inteiro sobre isso. Aposto que uma das bruxas de 18if será uma garota vítima de bullying na escola, escreva aí, e não duvido que venha a surgir também em Youkoso Jitsuryoku. E estou falando só de animes dessa temporada! Mas bom, voltando a Jigoku Shoujo.

A garota era zombada por toda a sua classe e um dia uma colega se apiedou dela. Não a defendeu, mas ofereceu a ela um lugar seguro e deu um pouco de força e confiança pra continuar. Nada disso eliminou a raiva que ela sentia de seus demais colegas de classe, mas serviu como uma válvula de escape. Até o dia que ela foi traída e todo mundo ficou sabendo do que ela falava pelas costas deles – invariavelmente, ela desejava que todos morressem, o que era bastante compreensível em sua circunstância, e igualmente compreensível foi que todos se revoltassem com ela e que ela se desesperasse com a enorme traição sofrida. Estava decidido: a (falsa) amiga merecia ir para o inferno.

O anime nem tenta disfarçar que ela tomou a pior escolha. Não só havia condenado a própria alma quando morresse, mas tornou-se imediatamente uma pessoa pior. E surpresa!, o argumento principal que ela usou para condenar a ex-amiga provou-se falso – antes de cometer um erro de julgamento, ela já havia cometido um erro de avaliação. Mas a história dela acabou.

O que não acabou é a história de Ai Enma. Ela continuará condenando pessoas ao inferno até o final do anime, enquanto o seu próprio trabalho (como ela chama) é questionado moralmente. Só porque é supostamente a função dela, Hell Girl está isenta de culpa pelo sofrimento que causa?

A primeira coisa que chama atenção em Clione, mas que definitivamente não é a mais importante, é que esse se trata de um projeto de baixo orçamento e isso fica evidente na (falta de) animação. Traços super-simplificados, pouquíssimo movimento. O character design é como já havia aparecido no material promocional, um pouco incomum, por assim dizer. Não diria que é feio, mas é, sim, simplificado também. Nada disso chega a atrapalhar porque o anime adota um tom reflexivo, quase como se eu estivesse vendo-o ser narrado pelos pensamentos de seus dois protagonistas. E eles não narram quase nada, porque eles próprios só estão assistindo.

Esse é o ponto principal de Clione no Akari: Kyouko e Takashi assistem inertes enquanto a turma toda zomba e maltrata Minori. A coisa é feia, quase inacreditável que algo desse nível possa existir (e eu aposto que existe e que não é tão raro assim). É a turma inteira e ninguém parece se importar nem um pouco, querem provocar o maior dano emocional possível na garota que por alguma razão, em algum momento, escolheram para ser a vítima da sala. O anime é curto, mas mesmo assim parecia que não ia acabar nunca enquanto eu me sentia angustiado com tanta zombaria, tanta crueldade. É pesado, e não culpo quem achar que talvez o anime esteja exagerando a situação só para fazer valer a sua crítica, mas eu penso diferente. Mesmo que não houvesse uma só pessoa no mundo (ou no Japão…) sendo maltratada daquela forma, ainda assim existem as que são maltratadas em níveis menores ou sei lá, muito menores, não é? A partir de qual nível você acha que a zombaria deixa de ser crueldade e se torna apenas “brincadeira”? É quem zomba que tem que definir isso? São terceiros, são os outros que decidem o quanto você pode tolerar de dor?

Clione no Akari vai longe para contar a sua história, mas talvez exista alguém perto de você que, quem sabe, nem é tão desgraçada da vida quanto a Minori, mas cada um sabe de suas próprias dores e mais ninguém, então a mensagem para que você não seja como Kyouko ou como Takashi é universal. Eles devem aprender a estender a mão ao longo da jornada que empreenderão no curso do anime, e que bom será se pudermos aprender com o sofrimento apenas de personagens fictícios.