Ao contrário do famoso espião inglês dos filmes e romances, Lelouch não é muito à favor do Rei da Inglaterra – ops, “Britannia”. Em comum ambos tem zeros. Aquele tem dois e um código, esse é só um zero mesmo. Haha, gostei disso, que acha?

“Lelouch é só um zero”

Falando sério, eu até quase talvez quem sabe tento simpatizar com ele, o moleque passou por um trauma afinal: ele, sua mãe e irmã foram vítimas de um atentado terrorista perpetrado pela sua própria família e imputado a terceiros por razões políticas. Aliás, se bem entendi, eles já viviam no Japão em primeiro lugar por razões políticas e, sei lá, não descarto que só existissem por razões políticas. Ser um peão descartável em um tabuleiro de xadrez meio que mexe com a pessoa, né?

Agora, ele é que quer controlar as peças – e derrubar o rei.

Para nós brasileiros (e não sei como é para nossos irmãos portugueses que também frequentam esse blog mas acredito que seja a mesma coisa embora sua república seja mais jovem) “derrubar o rei” soa como um mero golpe de estado, uma substituição de comando sem necessariamente efeitos sociais e culturais. Para japoneses e ingleses a coisa é bem diferente. Foi Luís XIV quem disse “Le état c’est moi” (“O Estado sou eu”), e as monarquias modernas estão bem distantes do absolutismo daqueles tempos, mas mesmo assim, fora privilégios legais, culturalmente o Imperador do Japão e a Rainha da Inglaterra não são apenas chefes de estado: eles encarnam seus respectivos estados. Se na Constituição Brasileira (e em tantas outras) está escrito que o poder emana do povo, nesses países o poder emana do monarca (ainda que hoje na prática ele seja mais figurativo do que verdadeiro). Então falar em derrubar o Rei da Inglaterra (ou como quer Code Geass, o Imperador de Britannia) equivale a falar em derrubar a própria Inglaterra. Não é um golpe de estado, é um assalto, um ataque, moralmente possui o mesmo peso que uma invasão estrangeira (com efeito, muitas das trocas de comando na coroa inglesa foram resultado de invasões ou “invasões” estrangeiras, em maior ou menor grau, ainda que as ilhas britânicas em si não sejam dominadas por exércitos estrangeiros desde as invasões vikings).

Esses rebeldes não são muito diferentes dos invasores que combatem. Apenas estão em lados opostos

Se o próprio rei é abominável, todo o Estado é, principalmente sua casta superior, a nobreza, e a própria família real. Me pergunto se Lelouch se despreza tanto quanto despreza a seu pai – isso justificaria a impressão que eu tenho de que ele não se importa nada consigo próprio, o que se manifestou nesse episódio na escolha de seu nome-código Zero, que como os próprios personagens do anime trataram de explicar, significaria “vazio”. Lelouch sente-se vazio? Ele é apenas uma casca oca preenchida por ressentimentos? O que o move, então, é apenas o desejo de proteger o que resta de sua família – sua irmã, Nunnally? Enfim, qualquer que seja o caso, de acordo com as condições dadas faz sentido que Lelouch não queira menos do que derrotar Britannia, e não apenas vingar-se daqueles diretamente responsáveis por sua desgraça ainda que essa cadeia de vinganças chegue até o rei. O rei é o estado. Derrotar o rei é derrotar o estado.

Suzaku recusa a oferta de Zero

O contraste com Suzaku se torna tão mais evidente quando se considera que ele é filho do ex-Primeiro Ministro japonês, o último, aquele que se rendeu para o poderoso império estrangeiro (o que terá sido da Casa Imperial Japonesa depois da guerra? o Primeiro Ministro tem legitimidade para render-se incondicionalmente em caso de guerra?). A figura de um Primeiro Ministro evoca o estado moderno, onde o monarca não possui mais poder absoluto. Pode até ser o caso de culturalmente e talvez até legalmente o poder ser todo outorgado ao rei, mas na prática ele é exercido com independência por instituições civis. Não há espaço para golpes nos estados modernos, e suas próprias instituições preveem ou devem prever os mecanismos pelos quais elas possam mudar e evoluir conforme a sociedade muda. Suzaku é um reformista, ainda que mal desenvolvido e contraditório. Se os fins não justificam os meios, por que ele considera que ele morrer é um meio válido para atingir seus nobres fins? Lelouch enganou a todos e não matou ninguém. Suzaku pretende se entregar sabendo que vai morrer. Acho que alguma coisa não está fazendo sentido aqui, não é mesmo?

Enfim, com esse quarto episódio sinto que Code Geass terminou de apresentar seu conflito principal que é antes de tudo ideológico. É entre o velho poder de natureza personalista, voluntarista, encarnado por reis, revolucionários como Lelouch e guerrilheiros tradicionalistas como as tropas dos rebeldes pela libertação japonesa, contra o poder impessoal de instituições e sociedades verdadeiramente livres que garantem voz e lugar para todos, sem exceção, e não apenas para quem tem os uniformes mais extravagantes e o poder de fazer valer a sua própria vontade. Falta terminar de explicar como isso vai funcionar na prática, e por isso a C.C. convenientemente foi até a casa do Lelouch ao final do episódio.

Ah é, tem esse conflito entre invasor e invadido também, mas se assistiu esse episódio com atenção deve ter percebido que nem Lelouch nem Suzaku se importam com ele

  1. Code Geass é uma aula de ciência politica em anime…Só assisti o Lelouch of the Rebellion e o Rebellion R2 e alguns OVA há alguns anos atrás…Pretendo voltar a assistir a essa magna opera após Kuzu no Honkai. Pq para assisti tens de ter a mente aberta para poder encaixar o tramo de interesses envolvidos acompanhados de um delicioso copo de excelente cerveja, eu recomendo sem a minima duvida. maz avisando aos incautos éforte e te balança.Não gostei muito da estetica exagerada da forma dos personagens são os dialogos que matam a pau…

    • James, não poderia estar mais de acordo com o teu comentário. Code Geass é um prato cheio, quando se trata de politica, mas a certo ponto, pelo menos a mim, a politica ficou um pouco chata. O Fábio, ainda me vai fazer, rever Code Geass, outra vez, já fez uns bons, anos que eu vi o anime. Se gostar mesmo, da franquia Code Geass, veja aqueles filmes que saíram, com um protagonista diferente, mas a linha temporal é a mesma. E o mais interessante no Code Geass: Akito the Exililed, é que se passa no meio do conflito entre o Império da Britânia e o velho continente (Europa).

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Estou começando a achar divertido o conflito entre amigos de infância por causa de divergências políticas no ambiente extremo desse anime, mas sua lore em geral ainda não me interessou tanto assim. Não sinto curiosidade alguma em saber mais sobre Britannia ou suas conquistas e guerras anteriores, ou sequer sobre a natureza do geass.

        Mas estou só no começo, né, tenho muito tempo ainda para mudar de opinião. Quem sabe?

        Obrigado pela visita e pelo comentário! =)

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Para ser mesmo uma aula está difícil, já que o anime está se apressando e se atropelando em várias coisas. Mas com esses personagens que temos aí, a política é mesmo o que Code Geass oferece de mais interessante, especialmente para quem já tem conhecimento prévio e consegue fazer conexão entre os fatos do anime e a política do mundo real. Ou para quem não tem esse conhecimento mas estiver lendo os meus artigos 😉

      Obrigado pela visita e pelo comentário!

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