Tive grande dificuldade para escrever esse artigo. Não importa a história que o episódio inteiro contou, a única coisa que consigo ter na cabeça é aquela maldita cena final, que nada teve a ver com todo o resto. Imagino se é o mesmo para você?

Bom, só posso esperar que eu não tenha escrito demais sobre ela e de menos sobre o episódio inteiro.

Pelas histórias da Ange e da Dorothy, já era sabido que ser uma espiã da Comunidade não é uma carreira fácil, desejada ou glamourosa. O que faz muito sentido, sendo a Comunidade um país jovem, fundado sobre uma revolução e com sua existência sempre em risco. E que provavelmente deseja incorporar o resto do Reino. Países divididos são assim. O que torna seus líderes necessariamente desconfiados, rígidos e agressivos. Some a isso as dificuldades naturais da vida de espião e a conclusão óbvia é que provavelmente ninguém iria querer ser, por vontade própria, um espião. Essa análise é consistente com a informação de que as espiãs eram garotas pobres, retiradas das ruas, que de outra forma não viam qualquer chance de futuro.

Mas assim como nem todos nascem para ser médicos ou pilotos de avião, nem todos servem para espionagem também. O treinamento é importantíssimo, sem dúvida, mas existe um limite de até onde você pode chegar dependendo de suas aptidões pessoais. Muitas foram treinadas. Nem todas foram aprovadas. O destino das reprovadas é desconhecido, mas dada a natureza sinistra do negócio não creio que seja muito brilhante. Estamos falando de garotas que sabem as identidades das espiãs do país, afinal de contas. Imagine a pressão que é estudar nessas circunstâncias. O treinamento em si já oferece suas dificuldades, mas a pressão psicológica deve ser esmagadora, especialmente quando não se tem um objetivo muito forte e claro, como era o caso da Ange. Ou um passado de abusos, como a Dorothy (que ainda deve ter tido vantagem pela idade mais avançada e, como não, pelo corpo também). Com efeito, apenas uma garota além das duas se formou na turma delas, que originalmente tinha algumas dezenas: Eleanor, a personagem do episódio.

Não se sabe de onde ela veio, mas é seguro supor que devia ser só mais uma criança perdida nas ruas, talvez uma órfã da guerra. E suportando toda a pressão, com puro esforço, ela conseguiu. Provavelmente ninguém se esforçou tanto quanto ela, embora a Ange consistentemente tenha ficado a sua frente em todas as avaliações – essa é a diferença que faz o talento nato. Mas ela não queria nada disso. Essa não foi a vida que ela pediu e sim a vida que ela foi forçada a viver. Ela só queria ser mais relaxada, alegre, espontânea – como a Dorothy. Dorothy, que, lembre-se, tem seu próprio passado trágico. Tenho certeza que não importa quão duro tenha sido qualquer treinamento que ela tenha feito, nada deve ter sido pior do que ser surrada pelo próprio pai e abandonada pela mãe. Mas Eleanor não sabia nada disso, ou talvez soubesse, mas isso não importava, ela só conhecia a Dorothy que ela via e a Dorothy que ela própria gostaria de ser.

Deve ser dura uma vida inteira, ainda que curta – ou talvez mais dura ainda porque curta, com apenas um momento de felicidade genuína. Foi na noite do teste que ela acreditou que falharia (e por sua própria culpa), portanto um de seus piores dias desde que entrou na “Fazenda” (o nome da escola de espionagem). A Ange de alguma forma reverteria o desastre e arrancaria a aprovação para ela, Dorothy e Eleanor depois, mas não é isso o que importa. A Dorothy sendo a Dorothy de sempre, constatado o fracasso “inevitável”, decidiu apenas aproveitar o tempo que lhes restava da melhor forma possível: foi ao Parque de Diversões. Com Eleanor. Na noite de natal.

Salte alguns anos para o futuro (talvez nem um ano?) e as três se reencontram, dessa vez em missão oficial. Infelizmente, a Eleanor havia se tornado uma traidora. E viciada em drogas. Não é difícil de entender a razão da tragédia: durante o treinamento, apesar de toda a pressão, ela ainda estava em companhia de suas colegas – de Dorothy, em quem ela encontrava conforto. O trabalho como espiã de verdade pode ou não ter sido pior que o treinamento, mas agora ela estava sempre sozinha e sempre em território hostil. Fazer amizades era impossível e as antigas ela havia perdido contato. Ela fraquejou. Seu último ato de brava resistência, de meticuloso esforço, foi atravessar uma bala no próprio crânio, poupando Dorothy de ter que fazê-lo.


E agora elas têm que matar a princesa, é? Sem dúvida um desenvolvimento inesperado – e ao mesmo tempo talvez um pouco “esperado”. O antigo chefe do Controle foi substituído e o anime não dá a menor pista da razão. O novo é um general com cara de malvado que passa para Ange e Dorothy a missão maldita. Não tenho certeza de como a Dorothy vai reagir, mas se existe uma única pessoa no mundo que a Ange absolutamente não vai matar essa pessoa é a Princesa. Ou, para deixar a coisa mais íntima e apenas entre elas, a Princesa Charlotte jamais mataria Ange. Também não se deve esperar que a Beatrice traia a princesa, mas ela não é uma espiã de verdade e não tem nenhum poder de combate. A Chise irá fazer o que seu país ordenar, ainda que nutra profunda admiração pela princesa, então é melhor não duvidar de uma mudança de última hora.

Mas por que assassinar a princesa agora, se tudo está aparentemente indo tão bem? Não era útil ter o apoio de tal alto escalão no Reino de todo modo? Bom, as protagonistas do anime nunca foram protagonistas dos fatos do mundo em que vivem, sempre foram jogadas de um lado para o outro por forças maiores e na maioria das vezes sem sequer saber porquê. Essa é só mais uma dessas situações. Elas não fazem a menor ideia, e igualmente nós, expectadores, não sabemos. A substituição no comando pode indicar incompetência (uma das espiãs acabou de traí-los, esse é um bom ponto), insatisfação ou uma reviravolta política. Como é um general com cara de mal, vou arriscar um palpite: ele quer provocar a guerra. Sabe como é o raciocínio desse tipo de personagem, não é? Sem guerra ele tem menos recursos e consequentemente menos poder e etc. É idiota, o mundo real não funciona assim, mas soa verossímil em ficção. Como não poderia deixar de ser, talvez ele esteja secretamente aliado ao Duque da Normandia, que por sua vez pode mexer os pauzinhos para garantir a mudança de posição dos japoneses também.

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