O episódio de hoje reinicia a partir da perspectiva de temas trabalhados no anterior. O familiar de Chise ainda tenta se desvencilhar das fortes interferências (ou laços, se preferir) que o passado é sempre tão bom em nos colocar. Adaptação é a palavra que rege seus novos dias. E é justamente nisso que a relação entre Ruth e a ruiva se tornam fortes a ponto de elevar a perspectivas e constatações críveis o bastante para ajudarem no desenvolvimento da narrativa. E isso é o que vamos verificar hoje.

Uma das muitas formas de avaliar a capacidade de um autor, diretor, equipe de produção, ao trabalhar numa linha narrativa, seja ela adaptada de algum material original ou sendo original em si é justamente a capacidade de linearidade que ela tem a nos oferecer. Mas como se analisa isso? É simples. A partir do momento em que o evento inicial gera uma subversão ou mudança (que pode ser brusca ou sutil, a depender do estilo da obra e de suas intenções) – no caso de Mahou Tsukai foi uma compra premeditada de Chise por Elias – capaz de movimentar um universo narrativo, se todos (ou pelo menos a imensa maioria) dos eventos que acontecerem no desenrolar da história devem ter sido em consequência de ações anteriores, gerando uma sensação de encadeamento que traz consistência à animação e tem nesse autor um representante magistral desde o primeiro episódio.

Essa perspectiva não é difícil de ser reconhecida. É, na verdade, muito gratificante perceber isso e saber que por trás dessa intenção, que poderia passar despercebido por outros expectadores, o autor (diretor, ou que seja…) nos transmite sua maturidade e compromisso com a amarração funcional de seu roteiro, de suas personagens e, muito mais importante: compromisso com os temas que veiculará a partir deles para nós. Se ainda não percebeu como a linearidade é algo persistente em Mahou Tsukai, peço que relembre mentalmente como os arcos se iniciam e o que ocorre em cada episódio após o fim de cada um.

Um pequeno passeio

Não será difícil perceber que cada tomada de decisão ou missão em que Chise ou Elias embarca está diretamente relacionado com uma modificação causada pelo arco anterior. Pra quem quiser um exemplo factual, nada melhor que esse próprio episódio – episódio 9, alvo dessa análise: o que causou o direcionamento de Chise rumo a uma nova aventura ou perspectiva? A relutância de Elias em sair do quarto, por algum motivo que se iniciou logo após seu retorno a casa.

Sem controle

Numa simples tarde de passeios, Chise reflete, através de Angelica, não apenas a sua materialidade mágica, digamos assim, como também a sua materialidade social e afetiva. Estar ancorada a um mago extremamente poderoso e igualmente misterioso não parece ser muito saudável para uma jovem como ela. Curiosamente, essa obviedade só foi elencada pelo roteiro nesse nono episódio. A partir disso, mais reação de Chise – que realmente tem se especializado ultimamente em reagir mais do que agir (acredito que em alguma forma de preparação para um clímax maior no próximo arco ou algo assim – para que possamos notar uma mudança brusca e associar com a chegada, igualmente abrupta, de algum poder ou habilidade).

A perda de controle de Elias coloca a trama em uma posição que apesar de muito delicada é extremamente confortável para aprofundamentos dos personagens por si sós ou como casal. Elias, um Magus Bride que nunca perde o controle, senhor de seu poder e de seu tempo, interventor em seu domínio de poder… tudo isso se rompe, criando um vácuo altamente explorável pela obra. Outra divagação importante: se está na dúvida de como desenvolver seu personagem em alguma obra ou contexto qualquer, uma regra simples e muito eficaz para que isso tenha sucesso é colocá-lo em uma situação que exija uma alteração de seu estado natural. Todas as obras têm esse conflito (dito primário, por exprimir um modo adverso, particular e inerente à existência de cada um), mas o que diferencia as boas obras das medíocres é a naturalidade com que essa situação é construída, apresentada e desenvolvida e como ela projeta novos aspectos na própria história a partir dali.

Aprofundamentos nas relações “humanas”

Da metade pra frente, o episódio trabalha pequenas particularidades em pequenos intervalos de tempo. A relação dos dois e o amor enquanto agente que une. Como as trocas podem ser aplicadas ao universo (que, no caso, compara um talento qualquer a uma bolsa ambulante de sangue para satisfazer uma vampira peituda… Acontece, rsrs). “Nós amamos comendo e dando” é uma frase que sintetiza bem essa ideia da equivalência nas trocas. Mas o mais interessante é como Mahou Tsukai trabalha o que está por trás do esperado. A relação entre os dois se desenvolve sem intenção consciente de nenhuma das partes e mesmo assim está ali. E o fato disso estar sendo discutido com Chise alterou um pedacinho de sua perspectiva, que com certeza será utilizado pelo autor para tentar uma nova aproximação modificadora da realidade de Elias.

O reencontro amadurecido

Contudo, o amor rapidamente dá espaço para o desespero entremeado por rápidas cenas iluminadas com músicas agradáveis. O corpo caído de Elias é o evento ideal para uma aproximação efetiva das partes de novo. A opção por um diálogo curto e franco deixa todas as intenções, ressentimentos e expectativas a mostra e atinge um clímax legal para um episódio aparentemente tranquilo. Então… Uma fada. Um novo chamado. Viu? Em uma boa obra a linearidade nunca morre…

A danada da linearidade

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