Shoko cruza uma linha no episódio 6 de Happy Sugar Life. Uma linha sentimental, ao se abrir para Satou a tal ponto que o seu jeito amoroso e a sua honestidade comovem a jovem, que permite se convencer de que a amiga aceitará qualquer verdade que lhe for contada. O problema é que ela cruzará outra linha, a do espaço físico em que Satou vive com Shio, e certas revelações são difíceis de digerir. Muitas das peças da série são movimentadas no episódio e os passos a seguir podem definir até onde Satou está disposta a ir para manter sua doce vida feliz com Shio. O equilíbrio de uma das únicas pessoas bondosas ou sem (aparentemente) algum distúrbio da série será testado em breve. O terreno é preparado nesse ótimo sexto capítulo, apontando os conflitos próximos e esclarecendo alguns pontos do passado de Asahi e Shio.

Satou está no encalço de Mitsuboshi, já que sabe do encontro dele com Shio no parque. É evidente que o rapaz a teme (ele sempre finge estar dormindo para não a receber), apesar de não conhecer a extensão da loucura de sua companheira de trabalho. Será que Satou deixará o rapaz conversar com Shio? Ela prepara uma armadilha? Satou tem um lado possessivo, mas suas ações são calculadas. Ela não deve querer se aliar a Taiyo, mas vigiá-lo mostra-se essencial.

O olhar de Satou é capaz de causar calafrios na espinha do próprio diabo.

Outro problema para Satou parece ter sido controlado. Su-chan, a stalker, não está mais na cafeteria. Sobre isso, é possível que seu temor a tenha afastado de seu objeto de desejo, pois Satou é imensamente assustadora quando diz que não a querer investigando a sua vida, ou Su-chan ainda não está conseguindo lidar com a (falsa) declaração de amor de sua senpai. Quem está se aproximando é Kitaumekawa-sensei, que desconfia que a jovem tenha assassinado a tia. Satou não demonstra preocupação em relação ao professor, mesmo tendo entregue a ele sacos de lixo para se livrar de seu conteúdo.

Este é um ponto interessante do anime. Satou, apesar de sua frieza, do domínio emocional que consegue exercer sobre os outros, parece não perceber algumas das coisas que a rodeiam. Entregar algo tão “valioso” a Kitaumekawa-sensei tem toda a composição de um passo em falso ou desprovido de cuidado, ainda mais por ele ser um sujeito desprezível, repulsivo. O professor quer ter Satou em suas mãos, chantageando-a para poder controlá-la.

A fantasia do sensei mais repugnante da temporada: pensar em Satou como assassina aumenta a sua vontade de controlá-la.

Mas o episódio gira em torno de Shoko, que carrega uma dúvida que a devora. Considerar ou não a revelação de Taiyo. A amiga seria capaz de sequestrar uma criança? Como Shoko já possui alguma cisma a respeito do comportamento de Satou desde que ela começou a supostamente namorar, é crível a angústia dela sobre a informação. Se realmente ela conhece Satou e do quanto uma confia na outra.

Além de seu dilema no que tange a Satou, Shoko se relaciona com Asahi, ao ter compaixão pela situação do rapaz. Ela leva comida para ele, que dorme na rua e só pensa em encontrar Shio. Shoko parece ter um problema familiar, o que a levou a andar com Satou pelas noites da cidade, fugindo da severidade dos pais – exigências para se tornar uma garota exemplar – ou de suas brigas, em que elas forjaram um laço de cumplicidade e partilha de sonhos. Agora, ela está diante de Asahi, que tem ligação com a criança do pôster que toma conta do quarto de Taiyo e é a mesma que talvez tenha sido levada por Satou. Shoko é bondosa, como a sua ação por Asahi comprova, e com ela, o que está sob ameaça é a sanidade e o conceito de vida normal em um mundo doentio, no qual seus agentes agem nas sombras, carregam graves crimes, são insensatos ou furiosos. A sua estabilidade emocional está em jogo, será provada pelo que Satou irá lhe revelar.

A empatia e solidariedade de Shoko por um ser destruído pela insanidade dos adultos.

Sobre Asahi, mais de seu passado é revelado. Não o suficiente para sabermos o que realmente aconteceu entre Shio e a sua mãe. No que diz respeito ao garoto, ele convence a mãe a levar Shio, deixando para trás as agressões brutais do pai. Asahi se sacrifica, por temer que o seu genitor os persiga e torne o inferno uma hecatombe. São comoventes os momentos em que eles combinam a fuga. E descobrimos que os votos de união eram realizados primeiramente por uma mãe com seus filhos, Asahi e Shio.

É notável a forma como a série apresenta ao público o pai de Asahi, criando um monstro formado por escuridão e pontos brancos em movimento (talvez vermes) que se agitam freneticamente, e durante as agressões ao garoto suas mãos e braços são humanos, demonstrando que o verdadeiro horror só pode ser perpetrado por uma pessoa, por uma criatura dotada de razão. Nisso, Happy Sugar Life não alivia, trazendo a tortura que o menino sofre, tendo as unhas dos dedos das mãos arrancadas pelo seu algoz, mas da barbaridade, ouvimos apenas o som e em seguida vemos o seu resultado. Cinco anos depois da fuga da esposa com Shio, o pai morre de repente (ou é envenenado?), libertando Asahi, que ao encontrar a mãe – praticamente alienada da realidade – descobre que a irmã está desaparecida (Satou sequestrou Shio ou a encontrou vagando, perdida?).

O monstro em sua face mais abominável: a de um sujeito que transforma a vida daqueles que deveria proteger em um inferno.

O Japão é uma sociedade em que a discrição e a privacidade são bastante valorizadas. Não se intrometer é um lema. Mas quando se trata de violência doméstica, não é de se espantar que nenhum vizinho tenha chamado a polícia ou oferecida ajuda à mãe de Asahi e Shio. A violência doméstica é um crime silencioso e de omissão de quem cerca a vítima em todos os lugares do mundo, incluindo o Ocidente, mesmo com suas leis de proteção (frágeis ou rígidas, dependendo do país). Um caso famoso é de Josef Fritz, que chocou a Áustria por manter a filha prisioneira em um porão por 24 anos, e nesse tempo, engravidou-a seis vezes. A pergunta que mais se escutava era: como isso aconteceu por mais de 20 anos e ninguém desconfiou? No Brasil, segundo o Instituto Maria da Penha, a cada 7.2 segundos uma mulher é vítima de violência física. Por isso não é de se estranhar que a opressão vivida pela mãe de Shio tenha sido escutada ou testemunhada pelos vizinhos, mas sem que houvesse denúncia ou intervenção.

Voltando a Shoko, ela enfrenta os seus medos, sendo o principal o temor de que Satou se afaste dela, expondo claramente a preocupação de que a amiga esteja envolvida em algo estranho e colocando-se à disposição para a ouvir, apoiar e ajudá-la. Mas para sua surpresa, Satou se esquiva, pedindo para que ela esqueça suas suspeitas, já que não pode revelar pelo que está passando ou fazendo. Satou é sincera em sua recusa a Shoko, parece que é movida pelo afeto que sente pela garota. Por mais que Satou acredite que não tenha cometido algum crime, ela tem ciência do quanto a sua situação é complicada e do tormento que guarda em si mesma. Porém, a resposta da jovem não satisfaz Shoko, que sente a distância crescendo entre elas. A jovem faz uma declaração de amor/amizade a Satou, que se emociona e coloca fé nas palavras da amiga. Concordando revelar a verdade, Satou a convida para ir a sua casa para felicidade da garota.

Shoko enfrenta o medo de perder Satou, mas pode estar despertando a fera.

E é aí que mora o perigo. A sinceridade de Shoko desperta algo em Satou para que ela fique impressionada e enternecida com a coragem da amiga em revelar seus sentimentos. Contudo, a expressão de Satou leva a crer que em casa ela está protegida para a não aceitação de Shoko de seus atos, do seu amor por Shio. A beleza da cena, com a confissão de amizade de Shoko e o desvelar de sua alma, carrega algo de assustador, como se cada movimento da garota pelo bem de Satou a conduzisse em direção ao perigo.

O rosto de quem ama com nobreza. Que ela não perca sua coragem e inocência.

Se Shoko é o último bastião da sanidade, em um anime que distúrbios são a regra, a aproximação de um verdadeiro risco a ela vem de sua melhor amiga. Satou é capaz de descartar Shoko sem pensar duas vezes? Isso é o horror em seu estrato mais doloroso: a da inocência destruída por aquilo que ela não tem forças para combater. E com as tramas de Happy Sugar Life se adensando, a produção do medo está garantida.

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