A Asuka de um mundo e a Asuka de outro se encontram

Bom dia!

“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”, repetia Sócrates o que lera inscrito na entrada do Santuário de Delfos. A jornada de Asuka para conhecer outras dimensões – outros universos – não deve levá-la a conhecer deuses. Parece ficção científica, afinal, não fantasia.

Mas talvez a leve a conhecer os poderes e as forças por trás do mundo, o que é o equivalente mais próximo. E já a levou a conhecer-se a si mesma … ou quase isso: a conhecer sua sósia de um mundo paralelo dourado, tão brilhante e belo quanto, aparentemente, cruel.

No folclore germânico, quem conhece seu doppelgänger (uma criatura sobrenatural que toma sua forma) pode morrer, dependendo de quem conta a história. O fetch irlandês (uma sósia fantasmagórica da pessoa) é ainda mais direto: vê-lo é sinal de mau agouro, de morte iminente.

Não acredito que Asuka (qualquer das duas) corra risco de vida.

Mas talvez ela renasça até o final da série.

 

Asuka e seu reflexo

 

Quero evitar fazer especulações muito selvagens nesse artigo. Simplesmente não há informações suficientes. Esse é um anime original, parte de um projeto multimídia que deve incluir um game mobile também.

Foi um bom episódio e é isso que importa. Não foi especialmente genial, mas apresentou a protagonista, a provável deuteragonista, revelou uma dor compartilhada por elas e deu uma visão bem superficial sobre como esse mundo funciona. E foi decentemente animado.

O que dá para especular um pouco é sobre o estúdio e a equipe. Se sobre a história nada sabemos por ser original, sobre os responsáveis pela sua produção dá para saber algumas coisas.

O estúdio que está produzindo Akanesasu Shoujo é o DandeLion Animation Studio, que não tem muitos animes próprios em seu currículo. Entre seus poucos trabalhos, co-animou Pingu junto ao Polygon e RoboMasters junto ao Gonzo. Os dois animes 3D, então já sabe-se de onde veio o know-how do 3D usado nesse episódio e provavelmente pode-se assumir sem erro que há de haver muito 3D CGI ainda em Akanesasu Shoujo.

O diretor chefe é Yuuichi Abe, enquanto o diretor é Jin Tamamura. Abe trabalhou muito com live-action, e muito pouco com animação. Tamamura parece ser bem mais jovem mas já trabalhou em mais animes – não muitos, de todo modo. Entre muitos trabalhos de direção de episódio e storyboard, ele dirigiu Rakudai Kishi no CavalryImouto Sae Ireba Ii. Rakudai em particular se destaca por ter uma direção de arte, storyboard e animação que fazem muito com pouco. Ele também já produziu e dirigiu Koutetsu no Vendetta, um projeto pequeno que tem muita cara de ter sido bastante autoral.

Junto a eles, trabalha o roteirista Shougo Yasukawa, e ele sim tem extenso currículo de animes. Detalhe: todos adaptações de outras mídias. Sem conhecer nenhum dos três, me parece que Tamamura é o criativo, Yasukawa é o roteirista experiente que coloca ordem nas ideias do diretor, e Abe é o supervisor de tudo, para garantir que seja realizado a contento.

O que tudo isso significa? Ainda estou falando de uma equipe com relativamente pouca experiência. Akanesasu Shoujo pode ser o trabalho da vida deles (principalmente do Tamamura, se minhas conjecturas estiverem corretas), mas o projeto é maior do que eles e nem tudo se resolve só com força de vontade, principalmente falta de recursos e ordens superiores. Tamamura já provou ser criativo com relação à falta de recursos, o que é um bom sinal.

Mas vamos ao que importa: o que eles fizeram nesse episódio e para onde o anime parece estar apontado?

Asuka e suas amigas são colegiais normais, vivendo vidas normais em um mundo normal. E como muitos adolescentes normais, elas têm fixação por algo misterioso, sobrenatural: viajar para outras dimensões usando um toca-fitas.

Por quê? Para quê? Não importa, elas são adolescentes e nem acreditam de verdade que aquilo possa acontecer. Estão nessa só pela diversão. Acho que na idade delas eu nunca cheguei a fazer algo tão insano, mas eu tinha minhas manias com tabelas de vidas passadas e essas coisas. E alguns anos mais novo eu fazia as minhas “aventuras sobrenaturais” também. Tudo normal.

Até o dia que dá certo. Elas foram parar em outra dimensão. Nesse momento a gente precisa perdoar porque é anime, já que na vida real o mais provável é que as cinco ou quase todas elas ficassem morrendo de medo, como apenas Yuu ficou.

As demais conheceram bichinhos estranhos e fofinhos, foram cobertas por dezenas deles, e se libertaram enfim apenas para que os bichinhos se tornassem monstrinhos agressivos, e durante o tempo todo pareciam bastante controladas – até Yuu voltou a si. De novo, tudo bem, é anime.

Foi nessa hora que a Asuka do outro mundo chegou e salvou a Asuka desse mundo e suas amigas. As trouxe de volta para esse mundo mas quando ia voltar para seu próprio mundo desmaiou. E lógico que foi levada para a casa da Asuka.

Elas não são apenas iguais, como versões de uma mesma pessoa em planos de existência diferentes, mas elas até mesmo possuem semelhanças em suas vidas. O destaque é claro que fica para a perda do irmão mais novo.

 

Kyohei, a dor compartilhada das duas Asukas

 

A Asuka desse mundo, sempre irritantemente animada, quando foi tocar no assunto se esquivou de contar a verdade e, por trás de seu sorriso inabalável, foi perceptível que se sentia incomodada.

A Asuka do outro mundo, que também perdeu o irmão (mas não está claro ainda se ele morreu ou não), percebeu isso imediatamente. Como provavelmente é como ela reagiria também, é como se estivesse olhando para um espelho.

E é aí que Akanesasu Shoujo fica realmente interessante: conhecer sua contraparte de outra de outra dimensão é a chance que elas têm de conhecerem melhor a si mesmas e derrotar seus demônios do passado.

 

 

Esse é o potencial do anime, mas ainda é muito cedo para dizer se ele irá viver à sua altura. Não é só jogar um tema interessante que a história será automaticamente boa. “Conhece-te a ti mesmo”, sozinho, nem significa muita coisa – ou melhor dizendo, pode significar tanta coisa diferente que acaba efetivamente vazio de significado próprio. É o que se lhe for feito ser.

Como disse Nélida Piñon, escritora brasileira e membra da Academia Brasileira de Letras, “Uma frase, sim, que o insta a encetar uma viagem acidentada, pelos escaninhos das suas tripas e da sua alma, e da qual em nenhuma hipótese sairá incólume. Um percurso em que, ao experimentar a dor de privar com o fardo de sua sofrida condição, o homem resigna-se em ser, afinal, um mero caçador de sonhos. Uma esquálida sombra que perambula pelo deserto, impossibilitada de prever a rota de sua seta voraz e misteriosa.”.

Essa viagem acidentada, no momento, se refere tanto às personagens de Akanesasu Shoujo quanto aos criadores que lhe darão a vida.

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