Boogiepop wa Warawanai é a adaptação da light novel de Boogiepop que ano passado completou 20 anos. É, trata-se de um anime comemorativo, mas nem por isso tudo é “festa” e a trama apresentada carece de seriedade. Contando com dois episódios em sua estreia, o anime entregou alguns mistérios que considerei bastante instigantes, impelindo-me a tecer minhas impressões iniciais dele. Vamos lá?

Logo de cara somos apresentados a Takeda, um adolescente como qualquer outro esperando alguém para um encontro. Entretanto, ele não só leva um bolo, como presencia uma cena estranha, a garota com a qual ele sairia aparece e ajuda um homem maltrapilho na rua.

Eis que surge Boogiepop. Mas o que é essa existência e por que ela inquere as apáticas pessoas ao seu redor sobre civilidade? Aliás, o que civilidade tem a ver com ser gentil com estranhos? Tudo! A sociedade moderna esqueceu disso?

Boogiepop seria uma existência reparadora daquilo que foi inconscientemente deixado de lado pelo coletivo? Qual a relação disso com a missão heroica narrada pouco depois? Acho que sei, mas antes preciso pincelar o processo pelo qual Boogiepop, a outra personalidade de Miyashita Touka, nasceu.

Transtorno dissociativo de identidade – a famosa dupla personalidade – é um distúrbio mental sobre o qual ainda pouco se conhece, mas algo é praticamente certo; uma experiência traumática serve de gatilho. Qual foi a da Miyashita Touka?

Isso não importa por ora e não interfere na missão encravada na existência de Boogiepop, mas em algum momento deve ser necessário para o público entender a personagem e o domínio da trama demonstrado pela narrativa nesses dois primeiros episódios passa uma ideia de que até isso deva ser justificado.

Mas aqui eu lanço mão de algo que me veio à mente; por que Boogiepop não pode ter sido gerado por uma uma certa suscetibilidade da Miyashita, como também pela necessidade do ambiente ao seu redor? Se é para salvar o mundo de algum perigo, por que o mundo não proporcionaria um fenômeno de comportamento desses, criando seu “portador”?

Pode parecer bizarro que o planeta se aproveite de um de seus habitantes para se proteger, mas no segundo episódio fica clara a existência de entidades sobrenaturais e eventos que não poderiam ser explicados de outra forma senão por “sorte”. Aliás, um dos pontos altos do primeiro episódio foi ter entregue um bom suspense que deu a entender que havia algo de sobrenatural ali sem mostrá-lo.

O segundo já joga mais cartas na mesa e age como o background para tudo o que foi cortado a fim de desenvolver a relação do jovem sem graça com o alter ego de sua amada. Antes de comentá-lo com mais afinco preciso olhar para esses dois personagens e buscar entender o que a interação deles diz.

A Miyashita Touka aqui tem apenas o papel de receptáculo, o que importa mesmo é Boogiepop – se você reparou, evito me referir com artigo “a” entidade, pois não acho que ela possua qualquer gênero – e o Takeda, um garoto comum que se vê fascinado ao ter “contato” com o que para ele antes seria surreal, mas é tão visceral que sequer o deixa suspeitas de que seja uma encenação.

Os méritos vão para a excelente atuação da seiyuu Aoi Yuuki, que conseguiu trabalhar a personalidade de Boogiepop de forma tanto natural, quanto envolvente. É sim uma encenação – sempre o é –, mas é convincente. Enfim, o episódio pode parecer chato e lotado de diálogos, mas a verdade é que o ritmo dele é muito bom e o roteiro é bem contundente.

Quantas Miyashitas será que não existem por aí?

Introduz-se o background a ser esmiuçado no segundo episódio, mas em nenhum momento prejudicam o tom de mistério. Nada fica claro, e esse estado de confusão é o mais interessante a esse tipo de trama. Além do mais, não apresentam a linha do tempo de modo linear; tanto para tornar mais prazerosa a colagem dos recortes, quanto para aguçar a curiosidade de quem está consumindo o anime. Não é comum do ser humano se conformar em não saber “porque”. É claro que isso só acontece dadas as devidas proporções, quando se trata de áreas de seu interesse.

Eu poderia tentar traçar um paralelo entre a personalidade do Takeda e a do Saotome, mas, no final, acho que não faria sentido, até por cada um ser desenvolvido em um episódio a parte. Prefiro elogiar o modo como exploraram esse caso inicial – Boogiepop é uma série, isso dá a entender que Echoes & Mantícora serão apenas o primeiro de muitos problemas a serem trabalhados no anime –, porque o ponto de vista foi essencial aqui.

“Você apaziguava o tédio da minha vidinha medíocre.”

A história é primeiro apresentada sob o ponto de vista do garoto, e foca na entidade misteriosa autointitulada Boogiepop, mas a trama é maior que ela e ela rola mesmo sem sua interferência direta.

Eu esperava que Boogiepop resolvesse tudo pulando de prédios como a abertura fez parecer possível, ou usando sua “telecinese” como fez para conter os policiais. Mas não, Boogiepop acaba apenas sendo apresentado e não age para valer. Uma quebra de expectativa muito bem-vinda, pois suscitou um exercício de reflexão tanto para o Takeda, quanto para o telespectador.

Quais são os erros dos quais o mundo está repleto? Boogiepop é um deles? Isso significa que um erro é a única coisa que pode anular outro? A missão de Boogiepop até me parece clara, porém, qual será o caminho através do qual ela se perpetuará? O que estão querendo dizer nas entrelinhas do anime?

E até mesmo esses erros só são considerados erros sob alguns pontos de vista…

Enfim, sobre o segundo episódio, a primeira coisa que fica clara é que o Saotome é um psicopata que se disfarça bem na multidão, do tipo com o qual muitos de nós já devem ter tido contato alguma vez em nossas vidas, mas sem perceber nada de errado na pessoa. Esse tipo de pessoa deve ser difícil de lidar mesmo se você é um aliado, afinal, o que a Mantícora está sendo senão manipulada por ele?

Eu nem fico surpreso com isso, pois é bastante comum na ficção que o humano use o monstro para agir em prol de seus desejos egoístas, sendo mais monstruoso do que a própria criatura amoral – ou cuja moral é diversa a do humano. E acho que isso torna o Saotome bem mais interessante que o Takeda.

Oi Kira, é você?

A grande trama que teve foco nesse episódio diz respeito diretamente ao Echoes, à Mantícora e a todo o caso “cabuloso” no qual o nome de Boogiepop foi envolvido erroneamente. Aliás, adorei como não tiveram pudor em retratar o ambiente escolar e nem a apatia da sociedade na primeira cena, pois é por aí que a trama tende a se desenvolver.

Se a sociedade não tivesse problemas, não faria sentido a aparição de Boogiepop, não é? E tudo foi feito de maneira a passar uma sensação de verossimilhança adequada mesmo para uma história que já se encontra no campo da fantasia, porque assim fica mais fácil diferenciar o que é verídico e o que não é.

Suema não é uma moça a ser subestimada.

Ainda que tenham tentado brincar com a imaginação do público no primeiro episódio, o segundo já expõe a literalidade da situação. Confesso que possuo sentimentos mistos quanto a esse ponto, pois se o anime todo se trata de uma metáfora sobre como o mundo está cheio de bugs que precisam ser reparados, não seria interessante apenas brincar com o lúdico e não envolver o sobrenatural em algo que, no final das contas, diz respeito ao mundo real?

No fim, até vem com uma história de aliens e, sinceramente, ainda não sei o que pensar sobre isso. O que eu sei é que as personagens que protagonizaram o episódio foram interessantes de ver em ação.

Seria esse o tal laboratório? Ou a consciência alienígena? Ou…

Um paralelo que posso abordar com segurança é entre a Nagi e a Suema, já que me pareceu claro o quanto ambas são influencias pelo pai da Nagi, Seiichi Kirima.

A Suema por ter encontrado nas obras dele o apoio que precisava para lidar com uma experiência traumática, a Nagi por ter sofrido a morte do pai; ou por ter tido problemas relacionadas à obra e à vida dele. Seja o Seiichi pai ou o Seiichi autor, a verdade é que uma deixou de ser normal por algo que o envolve, a outra, não esquece o passado e ficar lendo livros do autor só confirma a fixação da garota pelo assunto.

Aliás, no primeiro episódio o Takeda lê um dos livros dele, e todos os outros me parecem ser bem sensíveis a Boogiepop enquanto a personalidade alternativa que é. O pai da Nagi tem alguma relação com Boogiepop. Teria sido ele o “portador” anterior, ou alguém que interagiu com Boogiepop no passado? Não sei, só tenho certeza de que a filha dele não tem um destaque considerável na abertura por acaso. Há muito a se tirar daí!

A Kamikishiro é a última personagem que considero digna de nota dessa estreia e eu não poderia ter ficado mais confuso sobre o fim que ela teve. Boogiepop critica as pessoas por não serem civilizadas, mas quando elas o são, o que ganham com isso, a morte prematura?

A garota saiu de seu caminho e ajudou um desconhecido por bondade, mas morreu por isso. Isso significa que fazer o que Boogiepop diz, no final das contas, pode ser uma má escolha? Se assim o for, o quanto é contraditório criticar a sociedade que não sai de seu caminho para ajudar o próximo?

E por incrível que pareça, isso é muito bom, pois abre espaço para uma autocrítica ao que o personagem principal prega. Seria tolice pensar que apenas fazer boas ações garantirá o sorriso de todos no fim do dia. Não é assim na vida real, e a ficção que se preocupa em criticar a vida real tem que levar isso em consideração em uma trama.

Do que vi desse anime acho que há sim espaço para ir mais a fundo na crítica a sociedade, mas também na crítica a essa crítica. É bonitinho falar de civilidade sem tentar compreender todo o contexto social e histórico que levou a maior parte da sociedade a adaptar esse conceito ao que lhe é mais favorável.

Nem acho que o anime irá tão a fundo, nem que ele precise ir, mas quero acreditar que a Kamikishiro não morreu em vão, que sua morte irá suscitar outra reflexão, outra crítica – uma nova possibilidade. Para isso Boogiepop e Nagi serão imprescindíveis. Não sei se o Takeda terá algum papel relevante de verdade na trama, ele basicamente só serviu para nos apresentar a personalidade Boogiepop, e nem acho que precise.

Deve restar apenas um ou dois episódios até o final desse arco e espero continuar acompanhando uma trama bem amarrada que responde questionamentos, enquanto gera outros. É isso que um bom mistério faz, e torço para que esse continue aguçando minha curiosidade até o fim. Sobre o título; os outros sorriem sim, claro, mas será por inocência ou por ignorância? Fica a questão.

Na ignorância não sei, mas eu acredito na inocência desse sorriso.

  1. Vou ser sincero e dizer que não gostei, mal consegui terminar o 2° episódio, muito chuuni pro meu gosto. Os eventos parecem ser cronologicamente fora de ordem e eu detesto isso. Dá a impressão que querem fazer a história ser mais complexa do que realmente é, e a cara de bunda dos personagens também não ajuda. Foi chato do início ao fim, dropado.

  2. Que pena que você não gostou, mas super entendo, a forma confusa como contam a história não agrada a muitos. Eu acho que faz sentido dentro da proposta e que como execução de uma ideia foi um anime bastante interessante e que aguça a curiosidade de quem “comprou” o que estavam tentando “vender”. Se você conseguiu terminar o segundo episódio indico que dê mais uma chance e veja o terceiro, a famosa regra dos três episódios, para ver se desperta seu interesse, mas se não for o caso dropar parece mesmo a melhor opção.

  3. Numa primeira fase eu partilhava a opinião do Diego, foi um castigo para terminar o primeiro episódio, mas quando o episódio me interessou de verdade vi os dois episódios seguidos.
    Li que o anime se seguir o antigo vai ser muito confuso, isso não me incomoda, desde que perceba minimamente a trama.
    No primeiro episódio gostei bastante dos momentos da Boogiepop, a questão da dupla personalidade me interessou bastante.
    Já o segundo episódio foi bastante bom, fiquei muito intrigado entre a relação do Echoes com a sua cópia mal feita a Manticore (a manticore me faz lembrar aqueles projectos que deram mal nos filmes de Sci-fi).
    Agora é esperar para ver como vão ser os próximos episódios-
    Excelente artigo de primeiras impressões Boogiepop Wa Warawanai Kakeru17.

  4. Fico Feliz que ele tenha aguçado a sua curiosidade. Boogiepop é mesmo uma incógnita, e, ainda que fique mais complexo do que está, acho que valerá a pena ver o anime pelo que ele pode possibilitar como reflexão. Se não me engano terá 18 episódios então será uma boa jornada para entendermos o que é Boogiepop.

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