Bom dia!

Junk Dog é seu nome no ringue. Seu nome real, se é que ele tem um, nunca ficamos sabendo. Ele luta um esporte violento, o megalo box, que é igual ao boxe mas usando exoesqueletos nos braços para aumentar a potência dos golpes. Como se o boxe já não fosse violento o bastante.

Ele não escolheu lutar. Mas ele é bom nisso, então foi convencido a tentar – e ele gostou de se ver bom em alguma coisa. Mas se ele não tem nem um nome, nem o direito de escolher o que fazer, e se só pode viver da violência, é adequado que ele tenha também violentamente negado seu direito a gostar do que faz.

É uma sociedade desigual. Os podres de ricos, que detém o poder, ou aqueles que tem no mínimo o suficiente para compartilhar com eles os mesmos espaços, vivem na cidade. Os podres de pobres, que não detém nada, às vezes nem mesmo um nome, vivem à margem.

São explorados por quem tem o poder de oferecer a eles qualquer coisa, já que, apesar do abismo que os separa, todos são humanos, e antes disso todos são animais, e precisam de coisas para viver.

Acenam a Junk Dog com a possibilidade de fazer o que gosta, apenas para forçá-lo a entregar todas as lutas, porque antes da necessidade de realização pessoal ele tem as necessidades de comer e de viver.

É assim que começa Megalo Box.

 

Junk Dog entrega a luta

 

Megalo Box foi produzido como parte das comemorações dos 50 anos do lançamento de Ashita no Joe, clássico mangá de boxe, e possui vários temas em comum com esse ao mesmo tempo em que é uma obra completa e independente.

Coisas como a pobreza, desigualdade social, um protagonista irritável, e a morte, vêm desde Ashita no Joe. Com elas, porém, Megalo Box conta a sua própria história, mais compacta e mais sombria, ainda que mesmo em sua independência ele possua inúmeros paralelos propositais com o clássico.

Se estiver nesse momento preocupado que talvez seja necessário ter conhecimento do mangá de 20 volumes de 1968 ou talvez de sua adaptação para anime, não se preocupe: até quem sequer sabe da existência de Ashita no Joe pode aproveitar Megalo Box em sua plenitude.

Retomando, os não-cidadãos são tratados como animais – não à toa o protagonista é chamado de cão vira-lata mesmo depois de obter seu nome. Até seu nome no ringue subterrâneo alude a isso.

Um cão só pode aquilo que os humanos permitem. Um cão que tenha dono só pode aquilo que seu dono permite. Junk Dog tem um “dono”: Fujimaki, o homem que está por trás das armações de suas lutas, que é credor de uma impagável quantia devida por Nanbu, o treinador do protagonista e quem o descobriu um dia brigando na rua.

Os dois só têm dinheiro porque trabalham para Fujimaki. Trabalhar para Fujimaki não significa entrar no ringue e lutar, e sim entrar no ringue e perder. Perder do jeito que Fujimaki quer, quando Fujimaki quer. O protagonista encontrou seu chamado na vida, mas é impedido de persegui-lo. Ele não ficaria apenas sem dinheiro, mas sem a própria vida, se tentasse.

Não que ele se importe com a própria vida. Talvez tentando provar para si mesmo que ainda é humano, ele descarrega todo seu sofrimento de forma auto-destrutiva. Monta em sua moto e sai correndo para qualquer lugar. Nada o impede – nem um precipício. Arriscar a vida é sua forma de se sentir vivo.

Mas ele não pode arriscar assim a vida de Nanbu, ainda que os dois briguem, ainda que ele odeie o treinador por fazer o jogo do Fujimaki e obrigá-lo a perder.

Até que um dia ele tem um encontro fatídico: atrevendo-se a acelerar sua moto pelas ruas da cidade, ele entra em uma auto-estrada ainda em construção e sofre um acidente ao quase atropelar Yukiko Shirato, que por acaso é a razão da rodovia estar em construção em primeiro lugar.

Yukiko é dona e presidente da Shirato, companhia que herdou do avô e que é a principal desenvolvedora e fabricante dos exoesqueletos utilizados na prática do megalo box. Da boca pra fora, é para provar a superioridade de seus equipamentos que ela está construindo um enorme ginásio (e essa auto-estrada para acessá-lo) onde será realizado um torneio para decidir o melhor lutador de megalo box do mundo. Na verdade, ela quer vender a tecnologia de seus exoesqueletos para os militares e o torneio será fachada para uma demonstração de seu produto em ação. É assim que o poder costuma funcionar.

 

Encontro fatídico entre Junk Dog e Yuri

 

Ao lado de Yukiko está seu lutador, Yuri. Ele já era um lutador incrível, certamente um dos melhores do mundo, quando foi o escolhido para esse projeto, ainda quando o avô de Yukiko estava vivo. O equipamento topo de linha da Shirato foi desenvolvido especialmente para ele (e para vender para os militares), e não é um exoesqueleto, mas um equipamento biônico que é fundido aos braços e ombros do usuário, conectado diretamente aos nervos e músculos. As regras do megalo box permitem isso? Ora, quem pode, manda.

Junk Dog conheceu Yukiko e Yuri. Provocou os dois. Yuri talvez tenha se reconhecido em Junk Dog, e tomou a provocação à Yukiko como ofensa pessoal, da qual foi tirar satisfação no ringue ilegal depois. Junk Dog foi massacrado, mas Yuri reconheceu seu potencial. Revanche, porém? Apenas se o protagonista conseguisse chegar ao seu ringue. Aquele ginásio gigantesco construído pela Shirato para a realização de um torneio oficial que determinaria o campeão mundial.

 

Yuri derrota Junk Dog

 

Tudo isso acontece nos primeiros episódios. História longa encurtada: Junk Dog nunca poderia participar de torneios oficiais pois não tem uma identidade oficial.

E bom, Fujimaki não permitiria de todo modo. Ele está lucrando muito com Junk Dog no submundo, afinal.

E mesmo que consiga lutar oficialmente, ele ainda precisaria subir vertiginosamente no ranking em apenas 3 meses para ter chance de ser convocado para o torneio.

E ele ainda corre o risco final de chegar até lá, superadas todas essas dificuldades, cada uma delas uma barreira impossível, e perder para Yuri na revanche. Ele não teve chance na primeira luta, afinal, o que poderá mudar tanto em tão pouco tempo?

 

Joe aposta sua vida lutando contra os melhores do mundo

 

Ele usa a única moeda que tem, a própria vida, para desafiar cada uma dessas barreiras. Apenas a sua vida não é suficiente para tudo, porém, então Nanbu também aposta a própria vida mais de uma vez, no começo por fé em seu pupilo, no fim por penitência.

Diferente de quando arriscava a vida só para se sentir vivo por contraste, agora ele está apostando a sua vida em um objetivo bastante concreto.

É então que Junk Dog tem de escolher seu nome. Se ele sempre foi tão paupérrimo que nunca teve um nome, agora pelo menos ele tem o privilégio de escolher seu próprio nome: Joe.

É claro que esse Joe é uma homenagem explícita à Ashita no Joe, mas não é só isso. A ideia para o nome veio de quando andava pela cidade e viu uma propaganda que tentava vender um produto qualquer como algo que colocaria quem o possuísse acima do “Average Joe”, expressão que pode ser vertida para o português “Zé Ninguém”.

Junk Dog agora é Joe, ele tem um nome, mas se recusa a ser mais do que ele sempre foi só por causa disso. Ele ainda é só mais um Zé que por enquanto é Ninguém, e é no ringue que ele pretende provar que, na verdade, ele é Alguém.

 

Esse é o rosto de quem ainda está vivo

 

A primeira dificuldade de Joe, agora um lutador oficial, ranqueado, é seu exoesqueleto: ele já era muito ruim para começo de conversa, e quebrou. Com uma confusão dos diabos Joe meio que arranja outro, muito melhor, mas o quebra também antes que tenha oportunidade de usá-lo em uma luta.

Então ele decide lutar sem exoesqueleto mesmo. Está mais uma vez arriscando sua vida. Contra todas as expectativas, ele chega na final, contra Yuri. Aquele Yuri que o desafiou. Aquele Yuri que sabe que no fundo é só mais um peão no tabuleiro, ainda que um muito vistoso e adorado pelas massas.

Antes mesmo de entrar no ringue, Yuri já perdeu. Joe, o Zé Ninguém sem nem um exoesqueleto, está em pé de igualdade com ele, que tem a poderosa Shirato por trás bancando o melhor exoesqueleto do mundo e as melhores condições de treinamento que qualquer lutador poderia sonhar em ter.

Joe está vivo.

  1. Um belo soco na cara: assim foi o “Megalo Box” , cuja produção duvidosa se transformou num dos melhores animes de 2018, com defeitos, qual obra não tem?, em uma forma de se fazer animes sem querer apelar para as famigeradas fórmulas prontas que vemos por aí. Basta ver que o estúdio, ao invés de acabar estragando um clássico, decidiram se inspirar e criar uma trama que não deve nos temas que “Ashita no Joe” já tinha estabelecido. Pra mim, foi um dos melhores de 2018. E vale citar a maneira que fizeram a animação, ficando com cara de anime dos anos 90 sem o frescor moderno, como vemos em animes de obras dos anos 80/90 que tem sido feitos.

    A forma que usa o megalobox como pano de fundo e não como ponto central da trama, remete demais às diversas obras do Mitsuri Adachi, que abusava de contar histórias e ter o esporte como apenas um elemento a mais. E funcionou muito bem. Precisa ver ou conhecer “Ashita no Joe” pra ver o anime? Não, porque ele consegue ir sem a necessidade de conhecer sua fonte de inspiração e isso é muito bom. E olha, amei o final da série, soube de muitos que ficaram decepcionados e chateados, pois se fosse notar os títulos dos seus episódios, dava pra ter noção que ia dar ruim, não deu e fiquei surpresa e admirada, isso é enganar bonito o espectador, no bom sentido, é claro!

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá Escritora, tudo certinho?

      Adorei as escolhas artísticas de Megalo Box, e sobre terem preferido uma história original ao invés de um spin-off de Ashita no Joe, bem, se fosse um spin-off eu nem teria assistido porque infelizmente não conheço o original. Contaram uma história nova, cheia de fanservice para quem conhece a antiga, e é uma história excelente.

      E concordo com você sobre o esporte usado como pano de fundo para os dramas dos personagens. É difícil eu gostar de uma história só por causa do esporte. Não que eu não goste de esportes, mas acho que é mais difícil conquistar apenas com as qualidades dramáticas do esporte. É muito difícil replicar o drama de uma partida ou competição real. De todos os que já li, só dois conseguiram, para o meu gosto: Slam Dunk e Initial D. Fora que é um desperdício, não é? Ter todos aqueles personagens e não explorá-los. Acho que 2018 foi um ano bom para animes esportivos desse tipo.

      Obrigado pela visita e pelo comentário! 😊

Comentários