Boogiepop wa Warawanai – ep 3 – A perfuração da verdade
Esse primeiro arco de Boogiepop foi um quebra-cabeças distribuído por três conjuntos de peças não lineares, mas, como em qualquer quebra-cabeças, o resultado final foi um desenho. Se ele é belo ou não depende mais do gosto estético do observador que do criador.
Só consigo afirmar com precisão que cada um tem uma forma diferente de perfurar o que considera verdade, é como ponto de vista, algo que diz respeito somente a você, mas nem por isso não se pode compartilhar do gosto estético, e da mesma opinião, com outro alguém, não é mesmo? Boogiepop conhece a verdade? Qual delas?
O episódio começa com a formação de um grupo peculiar e a versão dos acontecimentos tendo foco em personagens diferentes dessa vez. Uma extensão do anterior? Não exatamente, mas semelhante a ele no sentido de ser uma nova leva de acontecimentos que explicam a satisfatória(?) apresentação da verdade sobre o todo.
Tudo teria sido mais fácil de entender se tivessem seguido a linha temporal de maneira linear, não? Mas aqui pergunto, e que graça teria isso? Confundir, às vezes, é muito bom.
Um namorado, uma amiga e um metido. O que podia dar errado na busca pela verdadeira heroína do ocorrido? A resposta é muito óbvia.
O fato é que, antes de mais nada, eu devo me retratar, Boogiepop não ficou apenas parada olhando o circo pegar fogo – ao menos não o tempo todo. A existência agiu quando deveria ter agido, os finais dos outros episódios que foram spoilers borrados do final do arco.
Enfim, lá estão os garotos procurando pela Kirima Nagi e é justamente ela que os paralisa e intervém, sobre isso eu não tenho o que comentar, mas quando eles vão até o depósito de Educação Física algo que deixei passar me veio à mente.
A Kamikishiro foi morta lá depois de ter ido procurar o Echoes, não foi? Então por que ela encontrou a Mantícora e não o Echoes? O Echoes não estava ali naquele exato momento, mas esteve até pouco tempo antes e o que aconteceu foi que a garota deu um baita azar?
Foi o que me pareceu. De todo modo, próximo ao fim da parte A do episódio, as máscaras começam a cair e é agora que o artigo fica interessante – ou eu torço para que fique.
Ver gente morrendo, tentar matar pessoas, ludibriar, manipular, drogar, etc; em um tribunal o Saotome talvez pegasse perpétua? Ou não foi mesmo para tanto? É verdade que a sua motivação era vaidosa, até fútil? Eu não esperava que um psicopata fosse nascer de uma rejeição, de um pisão no calo do seu sapato – mas ele nasceu.
Entretanto, faz sentido sim isso ter ocorrido. Ele não virou um soldadinho do mal porque tomou um fora da garota “especial” que parece sentir prazer em esfregar isso na cara de todos. Ele só se tornou aquilo que sempre teve suscetibilidade a ser – ele despertou o monstro que descansava dentro de si.
Quantas pessoas misturadas – geralmente integradas – à sociedade não estão esperando só a menor das desculpas para soltar suas “personas” subversivas sob os mais diferentes pretextos? E ele mesmo disse que preferia esse resultado a ter sido aceito, porque só assim ele foi capaz de se libertar, ele foi capaz de ser quem realmente queria ser: alguém especial. Não por ela, mas por seu próprio egoísmo.
Antes de me despedir desse interessante personagem que foi pulverizado – e isso eu nem lamento – só gostaria de fazer uma simples analogia sobre o que ele disse depois de ter supostamente matado a Kirima Nagi – aliás, a cena do corte no pescoço dela foi tosquinha, seca, não foi algo legal de se ver.
Se matar for como o álcool – nesse caso, bebida alcoólica –, então na sociedade existem pelo menos quatro tipos de pessoas. Aquelas que querem repetir a dose e não param mais. Aquelas que querem repetir a dose, mas equilibram frequência e moderação. Aquelas que cospem de nojo jurando nunca mais tocar seus lábios naquilo. Aquelas que bebem socialmente.
Qual seu tipo de pessoa? Qual meu tipo de pessoa? Isso a pessoa só consegue saber provando, ou rejeitar sem ao menos sentir o sabor é válido? Quem pode responder isso tudo com certeza? Como impedir o nascimento de um psicopata?
Eu joguei várias perguntas e, me desculpe, mas vou deixar a resposta para você, algo que pode vir só depois de bastante reflexão ou não. Depende de cada um, de suas experiências e seu ponto de vista.
A única coisa certa que posso tirar disso tudo é que no mundo sempre existirão formas de se macular o próprio mundo. Assim como de consertá-lo. Boogiepop é uma vacina? Pequenos atos abnegados, a fidedigna forma do altruísmo, é uma forma de combater as cicatrizes que brotam espontaneamente?
Eu não sei. Mas não acho que a proposta da obra seja dar respostas; mas estimular o pensamento, a reflexão, o questionamento, a não acomodação.
Tudo bem, eu me atentei demais ao Saotome e me esqueci da Mantícora, além da própria subtrama do Echoes ser um espião do espaço, mas o que é que isso teve a dizer mesmo? Considero que não muito.
Isso foi usado para testar a humanidade. Testar a índole de seus integrantes. Não consigo me atrever a chamar os dois, Mantícora e Echoes, de simples ferramentas de roteiro, mas foi o que eles foram.
Contudo, isso não é um problema, é funcional para o que a história está tentando dizer, é útil e até proposital. Eu não me importava com o Echoes, eu me importava com o ato digno da Kamikishiro. Eu não me importava com a Mantícora, eu me importava com o psicopata do Saotome e o que de interessante ele trazia à trama.
No fim, Boogiepop usa seus elementos sobrenaturais para discutir problemas reais, pouco ou nada absurdos se pensarmos bem.
Além do psicopata que já se foi, tem a Kirima Nagi com seu complexo de ser especial – o qual, no fim, pode ser tudo uma forma de tentar escapar da própria mediocridade que a sufoca –, tem uma garota que entrou de paraquedas na situação e mostrou ser alguém que age da melhor maneira possível no pior momento possível, tem o garoto mais novo que não parecia tão confiante, mas foi impelido a ir atrás da verdade, a chutar sua zona de conforto, e lutou pelo seu direito de entender porque alguém que ele amava o deixou.
Há pessoas fortes e interessantes nessa trama até onde eu menos esperava, se duvidar a Nagi é a mais fraca e menos interessante de todas elas. Ou seria só a minha impressão?
Por mim, não achei esse episódio tão interessante ou bom quanto os primeiros, mas gostei de como ele acabou. Nem vou me atentar à cena de ação que foi mais fluidez e menos consistência, porque é algo que considero não agregar ou lesar ao anime de modo relevante.
No final, os vilões perderam, a verdade foi escancarada por aquele que parecia o mais covarde e Boogiepop deu um jeitinho com os seus truques mágicos, mas não salvou o dia, ao menos não só, e a humanidade da invasão alienígena.
Quem fez isso foi a própria humanidade, sem querer, de um modo que poderia passar despercebido não fossem os próprios “defeitos” dessa mesma humanidade.
A Kamikishiro foi a portadora de uma mensagem – a qual também posso chamar desejo – que deixou de lado seu próprio eu no debate. Ela salvou o dia, mas não conseguiu salvar a si mesma. Isso lembra uma existência chamada Boogiepop?
A mim lembra, e este foi meu ponto de vista, meu gosto estético sobre essa verdade perfurada. Até!
Ana Pereira
Suas análises sobre o anime são muito boas e bem filosóficas também. Devo dizer que apesar de gostar do anime eu praticamente só consigo pensar: que anime doido! xD. Bom fora esse pensamento o que eu noto nesse anime é que ele quebra um pouco com a visão do protagonista salva o dia. Por vezes, somos pegos pela literatura e a mídia que somente uma pessoa ou um seres dotados de poder podem ser os únicos a salvar a humanidade. Entretanto, a boogiepop quebra esse paradigma, como foi dito no texto, ela agiu quando foi preciso, mas não como peça principal. Logo, ao meu ver ela é quase como uma assistente/ ferramenta para ajudar as pessoas a enxergarem que somente elas podem resolver os problemas da humanidade como também buscar a verdade e não um super-herói, visto que, como enfatizado na cena que o menino (não lembro no nome dele) atirou uma flecha na cabeça da Mantícora. A verdadeira realidade é que nenhum super herói ou protagonista “fodástico” consegue salvar nada se o problema está na própria sociedade no máximo ele só pode ajudar.
Kakeru17
Verdade, a narrativa de Boogiepop nos leva a refletir sobre isso, sobre como detalhes externos e pequenas “ajudas” do ambiente ano nosso redor, se pensarmos que a existência Boogiepop é um agente auxiliador e não finalizador das ações, são importantes, mas não substituem a vontade do ser humano para resolver seus próprios, e reais, problemas. É como se os verdadeiros heróis, na verdade, repousassem no cotidiano, ou melhor, não existem heróis de fato na sociedade contemporânea, apenas pessoas que tem que lidar com seus problemas e os dos outros. Acredito que o anime se manterá nessa pegada e tem tudo para desenvolver mais questionamentos interessantes que usem o sobrenatural apenas como forma de realçar o real. Fico feliz que esteja gostando do anime e agradeço por estar acompanhando meus artigos!