Bom dia!

Egao no Daika, ou “o preço dos sorrisos”, em uma tradução literal, é um anime de guerra e mecha produzido como parte das comemorações dos 55 anos do estúdio Tatsunoko, um dos mais tradicionais estúdios de animação japoneses.

É a história da Princesa Yuki Soleil, cujo sorriso seus súditos do Reino de Harlant juraram proteger, e de Stella Shining, uma soldado do Império de Grandiga, que está sempre sorrindo para se proteger.

 

Isso que foi disparado não são sorrisos, se é que me entende...

 

Em um outro mundo, muito distante do nosso, Grandiga declarou guerra à Harlant, depois de anos de tensão. Após uma primeira batalha exitosa, procede à invasão da nação vizinha. É uma batalha por recursos: Grandiga quer roubar os novos chrars de Harlant, que em Egao no Daika são poderosos geradores de energia que alimentam tudo nesse mundo, de fazendas a armas de guerra.

Harlant tem a tecnologia mais avançada, enquanto Grandiga tem números avassaladores.

Para um anime comemorativo esperava-se um trabalho técnico mais apurado, mas a animação de Egao no Daiko infelizmente deixa a desejar. Não é um anime constantemente mal animado, mas há um número de sequências toscas, que mal parecem ter saído do rascunho, bem maior do que seria aceitável.

E o que é bem animado não é exatamente brilhante também. Em nenhum momento Egao no Daika irá encher os olhos do espectador – não pelo espetáculo visual, pelo menos. Por outras razões ligadas ao enredo isso é bem possível.

Por outro lado, se em movimento o anime não impressiona, o character design pelo menos é competente. Egao no Daika possui uma pletora de personagens visualmente únicos, e isso é notável quando eles estão o tempo todo uniformizados, vestindo as mesmas roupas e fardas. Sobra bem pouco para trabalhar, não é? Basicamente, a cabeça, a altura e a volumetria dos personagens.

 

 

Talvez alguns designs possam ser considerados exagerados, como o Break Boyer e seu “afro roxo” só no topo da cabeça, ou a Leila Etoile com seu penteado impecável durante o anime inteiro, inclusive as duas mechas cacheadas gigantes penduradas de cada lado do rosto. Eu não me importo, gostei mesmo dos dois – ou quem sabe seja mais preciso escrever que gostei especialmente dos dois.

Sendo um anime de ficção científica, mecha, com uma história que se passa em outro planeta, é de grande relevância o design dos robôs e demais veículos, bem como a arquitetura alienígena de Egao no Daika. De novo, pontos positivos para o anime.

Os robôs não são muito notáveis, mas não atrapalham. Os veículos, por sua vez, são fascinantes, tanto o design pomposo dos veículos de Harlant quanto o mais austero dos de Grandiga – diferenças que, de resto, estão em linha com os papéis e a caracterização de cada um deles.

 

 

O mesmo se pode dizer da arquitetura. As cidades de Harlant, que aparecem muito mais no anime, são claras, bem ornadas, com formas mais orgânicas e com edifícios apontando alto para o céu, enquanto o pouco que se vê de Grandiga mostra cidades mais normais, com uma arquitetura mais simples, menos grandiosa, mais quadrada. Mais uma vez, em linha com a caracterização de cada um dos Estados.

Ao invés de retratar um dos lados como o vilão e o outro como o mocinho, Egao no Daika retrata uma moralidade muito mais cinzenta. É verdade que Grandiga invadiu, sendo portanto o agressor inconteste dessa guerra, mas ao mesmo tempo fica claro que o Império estava esgotando as suas opções.

Com uma enorme população para sustentar e sem meios para tanto, a agitação social se acumulava em Grandiga e rebeliões internas tiveram que ser suprimidas antes do começo da campanha contra Harlant.

Enquanto Grandiga avança sobre o território de Harlant, não se nota nenhuma tentação assassina de seus soldados. É claro que, principalmente no começo da guerra, eles são recebidos por cidadãos de Harlant dispostos a confrontá-los e têm que lidar com isso, mas não há bombardeio ou saque de cidades, não há ataques deliberados contra populações civis.

Não quero sugerir que estejam empreendendo uma “guerra do bem”, porque isso não existe, mas para uma guerra tanto Harlant quanto Grandiga, o Estado agressor, se comportam dentro de limites toleráveis.

Ajuda a melhorar a impressão de Grandiga que um dos núcleos de personagens que o anime acompanha seja uma unidade especial de combate sua. O outro núcleo de personagens do anime é o alto comando de Harlant, com a princesa Yuki no centro.

Egao no Daika mostra, assim, tanto o ponto de vista dos governantes e do generalato, quanto o dos soldados no fronte de batalha. E tanto o de Harlant quanto o de Grandiga. Os arcos de episódios alternam entre esses dois núcleos e em algumas circunstâncias vemos a mesma coisa acontecer duas vezes, uma de cada ponto de vista.

Longe de tornar a experiência algo picotada, essa alternância expõe o quanto os dois lados têm em comum, e quão absurda é a guerra em primeiro lugar. Ao espectador só resta assistir atônito Harlant e Grandiga tentando obter uma vantagem decisiva capaz de encerrar a guerra, enquanto lamenta que estejam apontando suas armas um para o outro em primeiro lugar.

E a tensão é constante, haja visto que Egao no Daika não tem pudor para matar personagens. A maioria dos personagens nomeados importantes dos dois núcleos terá morrido ao final da série. Uma morte particularmente chocante ocorre logo no segundo episódio.

 

Essa foi só uma das vezes que Yuki sofreu no anime

 

Já adiantei vários parágrafos acima qual é o mote inicial do anime: uma guerra entre Grandiga e Harlant pela posse de chrars de última geração que o reino da princesa Yuki acaba de desenvolver. Embora Harlant possua tecnologia superior, desde a primeira batalha Grandiga demonstrou que a quantidade é ela própria uma qualidade, e Harlant, para crescente desespero de Yuki, pouco pode fazer senão atrasar o avanço inimigo enquanto recuam e perdem estado após estado para Grandiga.

O desespero da princesa, porém, não é por perder a guerra. Ela tem apenas 12 anos e foi criada protegida do mundo – sequer sabia da guerra até o final do segundo episódio. Como resultado, é uma criança super idealista, e lamenta do fundo do coração que seu povo esteja sofrendo por causa da guerra, bem como soldados estejam morrendo, tanto de Harlant quanto de Grandiga.

Com efeito, ela tenta negociar a rendição quando a batalha chega à capital, mas é traída pela sua corte, que depois dela já ter aceito se entregar, recua mais uma vez e força a princesa a fugir. Como resultado, ela fica com a imagem de governante covarde que fugiu para se proteger, enquanto abandona o próprio povo. Grandiga faz uso disso em campanhas de propaganda de guerra.

Tudo isso está de acordo com a mensagem de que guerra é um inferno.

Há, contudo, uma segunda mensagem no anime, da qual talvez essa seja apenas subordinada: a guerra começou pelo controle de meios de produção de energia, os chrars. Ocorre que no passado, quando a princesa ainda era um bebê, Grandiga e Harlant tentaram desenvolver esses mesmos chrars juntos. Foi um ataque terrorista contra a inauguração do primeiro novo chrar que abortou a aproximação entre as duas nações.

 

Ataque terrorista contra a ativação dos novos chrars

 

Nesse evento morreram diversas pessoas, inclusive os pais de Yuki, rei e rainha de Harlant, bem como parentes de outros tantos personagens. Stella era um pouco mais velha mas também estava lá, sua mãe era uma das cientistas trabalhando no projeto, e depois do atentado acabaram separadas. Stella foi criada por uma família adotiva que quando teve a sua própria filha, diante das crescentes dificuldades enfrentadas pelo povo de Grandiga, começou a tratá-la como um estorvo, até que a menina fugiu de casa. Vagou por algum tempo, até que se alistou no exército apenas para ter o que comer.

Mas por que ocorreu o atentado, em primeiro lugar, e quem foram seus perpetradores? Os terroristas eram enviados do Império de Verde (note o nome), e afirmavam que os chrars iriam destruir o meio-ambiente do planeta, tornando-o eventualmente inabitável.

Uma fonte de energia que exaure os recursos do planeta e o torna inabitável, conforme as palavras dos cientistas de Verde. Egao no Daika é uma história ambientalista. Mas nunca é explícita sobre isso, e de fato essa trama do enredo só começa a se desenvolver no meio do anime, tendo consequência apenas no final. A mensagem não passa por cima da história em momento algum, mas é inegável que ela está lá.

 

Os girassóis, representando a natureza ameaçada pelos chrars

 

O que se sobressai em Egao no Daika, porém, são seus personagens. Não apenas a compassiva princesa Yuki e a pragmática Stella, com seu coração trancado, mas todo o elenco principal que acompanha cada uma delas.

São personagens com histórias e motivações próprias, e que portanto agem como agem não por mera conveniência do enredo, mas porque é assim mesmo que se espera que aquelas pessoas ajam naquelas circunstâncias.

Eles erram e acertam. Às vezes eles erram e dá vontade de dar um murro na cara deles, mas só resta lamentar porque não se podia esperar que agissem de outra forma. Às vezes eles sofrem e dá vontade de abraçá-los, de tão humanos que eles soam, a ponto de despertarem empatia no espectador.

O anime termina com as personagens rindo. Sorrindo. Mas, como o nome do anime sugere, o custo daqueles sorrisos foi alto. É um final feliz, sim, mas que desperta um sentimento agridoce.

 

 

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