Porco, o guardião da barragem da colina, é um anime em formato de ONA composto de 10 episódios com uma média de cinco minutos cada. O nosso protagonista é um jovem Porco, designado, indiretamente, como a pessoa mais importante para o vilarejo onde habita.

Sua função é simples: manter o moinho de vento girando para afastar a nuvem tóxica que se espalha por toda a fronteira além da colina. Essa tarefa da qual é responsável é uma herança familiar, sendo o seu pai, um porco adulto, um pesquisador e aventureiro, o qual, em face a situação com a qual se depara, habilmente constrói o moinho, a defesa que protege a todos e a tudo da nuvem sombria que avança, ou avançaria, caso não fosse contida.

 

 

O Pai Porco cruza a fronteira e adentra a nuvem, protegido por uma máscara e por uma adequada vestimenta, deixando aos cuidados de seu jovem filho a tarefa de vigiar e proteger o local. Os habitantes desconhecem a importância de sua função, mas convivem com ele normalmente, aplacando a solidão do jovem.

A pequena Raposa, curiosa, busca fazer amizade com o jovem sentinela, e outros inúmeros animais das redondezas interagem, no decorrer dos 50 minutos de animação, com o porquinho tenaz. Cada episódio nos conta um pouco mais sobre o protagonista, sobre os seus amigos e vizinhos, ou mesmo sobre a semente, que posteriormente se transforma em uma bela árvore, que o guardião cultiva e cuida.

 

 

É uma animação recheada de fantasia, despretensiosa e bem-humorada. Não pretendo esmiuçar os eventos episódicos que ela apresenta, pois acho pertinente que procurem o anime e apreciem por si mesmos. Ainda mais por ser uma animação desprovida de falas, o que facilita o acesso. Enfim, utilizo o anime como gancho para refletir sobre o que significa uma missão de vida.

O Porco, tanto o pai quanto o filho, são os responsáveis por proteger e assegurar a vida de todos aqueles que ali se encontram. Quando pensamos em profissões, pensamos em ações que contribuem para uma estabilidade, ou mesmo para um progresso, individual e social, dos membros que compõem a sociedade. Cada um funciona como um bloco, que juntos, erguem uma espécie de parede, sendo esta aquilo que molda a realidade e a constrói segundo a imagem e semelhança daqueles que trabalham sob ela e junto dela.

 

 

Um policial luta contra infratores dos mais diversos tipos. Os infratores, em sua diversidade, ornamentam e esculpem as fronteiras a eles estipuladas. Sem que haja infratores, policiais não seriam necessários, e sem que haja fronteiras, como fome ou carências e necessidades, não existiriam pessoas que moldariam a realidade para as satisfazer.

O Porco que protege a barragem é uma função forjada perante o avanço dos infratores incorpóreos, ou podemos só chamar de nuvem sombria mesmo, e ele só pode exercer essa função, adquirir essa identidade e todas as consequências que com ela advém, devido ao seu antagonista exercer a sua liberdade.

 

 

Sem ter algo a proteger, ele não seria um protetor, e sem ter algo contra o que lutar, igualmente, ele não seria um lutador. Agora pensem no que vocês protegem e contra o que lutam, pensem no quanto podem lutar e proteger exatamente e obrigatoriamente, devido a existir algo que desejam proteger e contra o qual podem lutar.

O interessante nessa animação é que mesmo que a nuvem sombria seja o antagonista, ela não é boa nem má, não é ruim de modo algum, é apenas uma circunstância que traz consigo consequências adversas.

Quando o jovem guardião combate a sua presença, ele a combate com respeito, dignidade e consideração. A coexistência não é uma opção, mas de modo algum é expressado rancor, ódio, arrogância, prepotência ou sentimentos negativos. Mesmo quando acuados pela nuvem, o que podem fazer e estabelecer um espaço e linha para que ambos possam existir em seus devidos lugares, sem nunca desejar a inexistência do outro, mesmo que não possam existir conjuntamente.

 

 

O Pai Porco parte em uma jornada para entender o que existe no território habitado pela nuvem sombria, e o seu filho deve manter a nuvem afastada. Se a nuvem e o vilarejo poderão ou não um dia coabitar o mesmo espaço, é uma incógnita, mas isso não implica de modo algum que o corajoso Pai Porco não possa estudar e tentar compreender a diferença que ali se encontra, aceitando-a.

Agora imaginem vocês, otakus, sendo protetores ante o topo da colina, protegendo aquilo que cultuam como qualidade, certo, adequado e pertinente, aquilo que deve ser louvado. E imaginem a nuvem sombria como algo estranho, diverso, obscuro e inaceitável. Qual é a postura que cada um tem em relação a esse ser que ameaça o reino da pureza, que abala a sua fé de que existe qualidade, sol e luz que dignifica a sua vida? Essas coisas que protegemos existiriam sem que existisse o oponente contra o qual a protegemos, o oponente que corromperia a sacralidade daquilo que louvamos? Como tratamos aquilo que, direta e indiretamente, eleva e materializa o que nos oferece a nossa profissão, a nossa função? Se não tivéssemos nada a proteger, nada seríamos, nenhuma identidade se estabeleceria. E se não tivéssemos nada contra o que combater, nada do que protegemos poderia ser protegido.

 

 

No fim das contas cada um deve medir o quanto é digno e humano ao exercer a sua função, e o quanto é capaz de entender a si mesmo, entender aquilo que protege, o porquê protege, e entender, acima de tudo, o seu oponente. O jovem Porco assim o faz.

 

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