Kakushigoto de “segredo do pai” ou Kakushigoto de “desenhar para viver”? Qualquer que seja a explicação, é com esse jogo de palavras que o mangá de Kouji Kumeta (autor do muito bem falado, mas que ainda não conferi, Sayonara Zetsubou-sensei) ganha anime produzido pelo estúdio Ajia-do.

E, cá entre nós, que produção do c*ralho; animação de primeira, excelente trilha sonora e um elenco de vozes afiado. Kakushigoto teve uma estreia muito segura e se candidatou a ser um dos melhores animes da temporada logo de cara. Vamos comentar um pouco qual é o segredo desse anime?

Na história acompanhamos Kakushi Goto, pai de Hime Goto (que, se você não sabe, significa segredo em japonês), e mangaká de uma série de sucesso cheia de piadas sujas, conteúdo que considera inadequado para sua filha e por isso esconde a sete chaves esse segredo dela. A série explorada o dia a dia de trabalho do pai enquanto tentar manter segredo da filha e acompanha seu crescimento ainda na infância, ao menos nesse começo.

Mas, como o trecho inicial aponta (e de uma forma tão dramática que por um momento questionei a prometida comédia da obra, ledo engano…), aos 18 anos Hime consegue a chave do local onde o pai guarda seus trabalhos e deve assim ter contato com esse lado desconhecido dele.

Não acho que o anime vai chegar até tal ponto, ao menos não em uma unica temporada, mas só esse recurso (de mostrar o futuro) me leva a pensar em algumas coisas sobre a obra. Primeiro, Kakushi morreu ou apenas deu a chave para a filha? Segundo, ele conseguiu esconder esse segredo até a maioridade da garota?

Não há como afirmar ou negar as suposições levantadas, no máximo fica implícito que mesmo que a garota descubra que há um segredo antes da maioridade, ela só terá acesso a ela ao atingi-la. Sendo assim, a tendência certamente é de muito mais esquetes e, creio eu, ainda mais criativas do que foram as dessa início.

O autor do mangá é muito elogiado e a equipe de produção do anime fez um trabalho de arte nessa estreia, tanto que Kakushigoto não me marcou só pelos jogos de palavras (que foram criativos, mas às vezes até animes ruins fazem bom uso das particularidades da língua japonesa), mas principalmente por seu ritmo leve com uma certa dose de agito e sua comédia inocente com muita interação de personagens bem diversificados.

O pai, Kakushi, se preocupa muito com a criação da filha e transmite esse sentimento de maneira muitas vezes exagerada, o que por si só já rende uma dose boa de comédia (se, é claro, os devaneios de um pai divertirem você), mas ainda seria pouco para carregar os episódios e é aí que entram seus assistentes, cada um com designs distintos entre si, assim como me pareceram suas personalidades.

Destaco as duas assistentes mulheres: Ami Kakei, que faz o estilo pessimista, mas na verdade só é sincera, realista, sem muitas papas na língua; e Rasuna Sumita, que parece o completo oposto de Ami, não que ela diga algo apenas por agradar, mas certamente é mais afável que a colega.

Foi bem legal ver como a apresentação desses personagens, principalmente das moças, deu um norte para o Kakushi dentro da preocupação abordada nesse primeiro episódio, naturalmente levando a situação para um desfecho cômico. Essa, aliás, deve ser a tônica do anime, um emaranhado de mal-entendidos e situações absurdas que colocarão em risco o segredo.

Felizmente, para esse tipo de narrativa o sistema de esquetes funciona bem, pois explora o máximo que as situações podem e devem dar; primeiro apresentando o problema, depois buscando soluções e no fim a resolução vem e ela não ajuda, ao menos não objetivamente (não acerta as coisas prontamente), mas proporciona divertimento com muita criatividade, e explorando a inocência infantil da Hime.

Eu sei que “explorar a inocência” não soa bem, mas isso isoladamente, sem contexto. No contexto da comédia familiar ela é o ponto chave para que ao menos nessa primeira fase da história (com a Hime menorzinha) o Kakushi ainda consiga esconder coisas da filha, até porque ele acha que isso é o melhor para ela (e não discordo completamente dele não), mas não só por isso, também porque sente vergonha.

Não vergonha pela natureza de seu trabalho, que é bastante honesto e ajuda a botar comida não só na mesa dele, mas também de seus assistentes e de quem trabalha para a editora (tenho certeza que ele deve sentir orgulho por ser um artista), mas pelo conteúdo E por se tratar de uma criança eu entendo a preocupação dele, ainda que a ache exagerada.

Além disso, se a memória não me trai, a espoa dele faleceu (apesar de não ter ficado tão claro é o que dá-se a entender), ele é pai solteiro e tem um ofício atípico (além de escritores/ilustradores serem conhecidos por suas excentricidades e, ainda assim, ele ser até que bem normal), então é compreensível que tenha mais dificuldades de lidar com esse tipo de situação de maneira racional.

Até mesmo os conselhos que recebe de seus assistentes não são muito úteis nesse aspecto, escurecendo a nuvem de preocupação que paira constantemente sobre sua cabeça e por tabela gera situações cômicas. O mais legal de Kakushigoto é como a comédia consegue ser exagerada, mas não irresponsável, há sempre uma reflexão sendo trabalhada em meio as responsabilidades de um pai que tenta criar bem sua filha.

Okay, um episódio é pouco para afirmar isso, mas a tendência é de que narrativa se equilibre dessa forma, com exageros e tirações de sarro, mas casos que agregam a uma mensagem, passando a sensação ao público de que criar é um processo cercado de erros e acertos, mas nunca deve ser pautado pela omissão. Pais precisam fazer escolhas para criar seus filhos, ainda que pareçam questionáveis para quem vê de fora.

Inclusive, não acho que ele prejudique a garota por mentir (ou melhor. omitir), acho sim que certos assuntos só devem ser abordados quando a criança tiver maturidade. Resumindo, deixa de ser criança, mais até no que se refere ao aspecto psicológico do que pela idade. Ainda não me parece ser o caso da Hime, apesar de eu também achar exagerado se ela só descobrir quando fizer 18 anos.

Eu me pergunto se Kakushigoto seria ainda mais “intenso” se o Kakushi trabalhasse na indústria erótica (ele não desenha hentai de fato, né), já que por fazer um mangá de piadas sujas ele já se preocupa tanto. E se fosse um trabalho ainda mais mal visto socialmente e difícil de explicar acho que Kakushigoto nem existira como é, seria um drama, não uma comédia com seus momentos dramáticos, esses que devem ser mais pontuais, né.

Enfim, adorei a esquete do editor, não só por ter sacado a referência disfarçada a Precure (sou fã da franquia), mas também porque nela esse aspecto da inocência infantil já ficou claro, além de que detalhes como o mangaká desenhar rápido e bem outras coisas e um novo editor querer ganhar créditos com um autor renomado são sacadas que espero na retratação da vida de um mangaká, ainda que a comédia exagere um pouco.

Aliás, a resolução rápida, meio que sem saída, depois que a situação fica se repetindo contrastou bem com a resolução mais absurda, figurada mesmo, da segunda metade. Novamente, se aproveitando da inocência e até mesmo da inventividade infantil. O Kakushi se salvou por pouco, e de uma maneira que ele nem esperava, dando a entender que muitas vezes deve andar na corda bamba.

Mas não foi somente isso que observei ali, afinal, diferente das amiguinhas a Hime encarou a situação toda de forma bem normal. Inclusive, ela tem uma personalidade mais serena, já até parecendo um pouco mais madura que a média para a sua idade (ou ao menos do que um adulto espera de uma criança da sua idade).

E se por um lado isso dá margem para que ela não encane com os questionamentos de outras pessoas sobre o trabalho do pai, ou não os faça ela mesma, por outro me passa a impressão de que é só questão de tempo para ela perceber que isso não é tão normal (o que talvez ocorra ainda na infância), mas mesmo assim, justamente por ter mais “cabeça”, respeite o desejo do pai de esconder algo dela.

É claro que um dia ela vai ter que saber e deve querer saber, mas não é como se não saber na sua idade, e nem não saber por um tempo, seja um problemão. Toda família tem seus segredos e, por incrível que pareça, isso é algo bom. Todos precisam de espaço, de privacidade para ter um lado que um parente seu não conhece, mas pode conhecer um dia, é claro, apesar de que na realidade às vezes um dia desses nunca chega.

E é até por isso que fico pensando na possibilidade do Kakushi ter falecido a altura em que a Hime atinge a maioridade, porque não deve ser fácil se desprender de seus medos por mais que sua criança cresça, afinal, não dizem que os pais sempre veem seus filhos como crianças? Não sei se é sempre o caso, nem se ocorre sempre com um pai, mas tenho certeza que não deve ser simples nem fácil revelar um lado desconhecido assim.

Pelo menos não para quem sempre quer se mostrar o melhor e nesse sentido eu super entendo o pai querer se passar por um executivo e passar perrengue também por isso. Criar não é uma ciência exata, errar e aprender com o erro, com a experiência, com o dia a dia, faz parte do trabalho de todo pai e é isso que Kakushigoto nos ensina com muito bom humor, beleza visual e sonora, criatividade e inteligência narrativa.

Kakushigoto é um anime de família, para ver com a família, para mostrar para alguém da família, para pensar sobre família, para gostar e não deixar isso em segredo. Contudo, se você quiser manter outros segredos da sua família eu vou entender (e espero que eles também entendam se um dia descobrirem). Eu tenho os meus, imagino que meus pais tenham os deles, quem sou eu para julgar, né?

Assista Kakushigoto, você pode até se arrepender por manter um segredo, mas duvido que vá se arrepender por assistir esse anime!

Até a próxima!

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