Esse episódio foi bem legal e se quero convencer você preciso fazer isso eu mesmo. Essa é a mensagem simples e direta do punk, o “Do It Yourself” que rompeu os limites da música e consolidou uma forma de pensar e agir, principalmente se expressar artisticamente, que evoca uma atitude, palavra tão repetida no rock, que poucas bandas tiveram como o Sex Pistols. Deus salve a Rainha é o c*ralho, quero ver é a anarquia no Reino Unido!

Sabe por que esse episódio foi foda? Porque mexeu com uma ideia interessante de maneira foda. O punk inglês (antes dele já existia punk nos Estados Unidos) foi um movimento que não eclodiu do palco para a sociedade, mas sim da sociedade para os palcos e assim de volta para ela. Os Sex Pistols, banda homenageada da vez, foi a síntese do sentimento que contaminava a juventude dos anos 70 na Inglaterra, uma juventude sem futuro.

Não à toa, o primeiro nome de uma das canções mais clássicas e contestadoras da banda foi No Future (Sem Futuro), mas para chocar ainda mais foi batizada de God Save the Queen (Deus Salve a Rainha) e isso foi ótimo, porque não havia forma melhor de antagonizar as autoridades e o conservadorismo da época senão com mensagens diretas, sem rodeios, música crua, sem preciosismos, e muita atitude, afinal, o lema era a anarquia.

Sei que isso tudo não deu em nada, ou só ficou parecendo que não, porque o punk é até hoje, e na verdade sempre será, considerado um dos movimentos mais importantes da arte, não só do rock.

Não por acaso Listeners homenageou os Pistols em uma espécie de lado B (o outro lado de um disco de vinil) do anime, já que a Nir (Nirvana) voltou com tudo e “brincou” de paradoxo temporal ao fazer amizade com o Sid Vicious e o John Lydon.

Okay, as versões do anime para esses ícones da música. Ritchie é o sobrenome de Sid Vicious (baixa do Sex Pistols e talvez o integrante mais conhecido do grupo) e Lyde é o alter ego de Johnny Rotten, o nome artístico de John Lydon, o vocalista.

Eles são certamente os mais populares da banda e foram homenageados com uma retratação bacana (ainda que talvez nem se aproxime tanto da realidade) da amizade que tinham e de seus desejos.

Reaproveitar a Nir nesse episódio foi uma jogada de mestre porque o grunge (movimentado capitaneado pelo Nirvana, a banda de Kurt Cobain) bebeu demais na fonte do punk. Então sim, a ideia da personagem decidir o que vai fazer da vida após se “encontrar” com o punk foi bem geniosa.

Foi criada uma ponte uma ponte entre movimentos separados por cerca de uma década, mas que dialogam quase que harmonicamente entre si. É claro que essa harmonia só faz sentido se você conhecer o mínimo de ambos os movimentos e compreender a força dessa simbologia.

Tentando ser o mais objetivo possível o episódio não foi tão melhor ou tão pior que seus predecessores, mas também não dá para negar que deixar os protagonistas de lado, dar mais espaço para a Nir e dar vazão a essa ira jovem de inconformismo fez bem a trama, até deu um gostinho de novidade a ela.

Se pensarmos bem, foi mais outro caso de pessoas “tocadas” pelo Jimi, mas dessa vez mais próximo do caso da Nir, evocando a inspiração que a figura do Jimi consegue provocar nas pessoas.

A ideia de “subverter” isso ao colocar a Mu para dar o golpe final (a representação da mão de ferro do autoritarismo, e sendo erguida pelo que parecia ser uma Mu marionete) chega a ser cruel, mas condiz com a ideia de que não há futuro algum.

Inclusive, o Lyde e o Ritchie morrerem de forma trágica (felizmente nem deu tempo de me pegar aos personagens) que muito me lembrou a ascensão e o fim dos próprios Pistols, uma banda de carreira curtíssima, mas com uma mensagem marcante e legado inconfundível.

Apesar disso, você pode considerar o desfecho dos dois personagens (que morreram como heróis) uma contradição a isso, afinal, eles não queriam salvar o país coisa alguma.

Na verdade, duvido que tenham salvo mesmo, me parece provável que os humanos sejam mais nocivos que os próprios Earless, que se estes agem com violência é em retaliação as ações humanas.

Sendo assim, o inimigo não são eles, os inimigos são, pelo menos, os humanos que fizeram lavagem cerebral na Mu, se aproveitando de sua identidade desencontrada. Não à toa, o The Who (Quem) será a banda homenageada no “lado A” desse arco.

Essa ideia de dividir o foco para explorar diferentes pontos da histórias que, creio eu, ocorreram simultaneamente (o encontro da Nir com os punks e o encontro dos heróis com o vilão que veremos próximo episódio) foi o tipo de sacada que inevitavelmente me conquistaria.

Por quê? Porque reforçou o que já venho observando de episódios atrás, conceitualmente a história está se encontrando, amadurecendo, o problema é que na prática isso é…

Isso é legal, mas não muda o fato de que tudo está muito atrelado as referências, as homenagens. Se você não conhecer as “bandeiras” musicais que as bandas homenageadas levantam e o mínimo de suas músicas não deve se “comover” com o que o anime está tentando fazer.

Inclusive, acho que dava para ser melhor justamente porque tratam de tantas bandas com legados profundos, discografias e biografias das mais relevantes e variadas.

Se prender a esses legados de maneira tão superficial, usando e abusando de referências visuais e orais e só isso, sem se desprender um pouco a fim de elaborar uma história complexa e envolvente independentemente deles é o erro.

Mas mesmo com a produção falhando, não acho que Listeners deve se contentar apenas com o público “otaku” de animes e também de música, no caso o rock. Melhor, o público é que não deve se contentar só com o anime.

Fica a dica, desculpe se estiver sendo repetitivo, para que você mergulhe no punk, no rock progressivo, no britpop, no grunge, etc, e abrace as ideias com as quais Listeners trabalha, assim perceberá que dava para terem feito um anime melhor, mas que o anime como está também não é de se jogar fora.

Enfim, voltando a trama antes de me ater as referências, acho que o Lyde e o Ritchie não poderiam ter sido mais punks ao fazerem algo por conta própria.

Teria sido interessante saber que os Players surgem do nada na base da vontade (se não só por ela, também por ela) se isso já não parecesse pouco relevante a essa altura, afinal, não parece que vá interferir no andamento da história.

Na sociedade sempre há aqueles que usam seu lugar de fala (nesse caso se fazem ouvir na base da porrada com robô gigante) e muitos destes são artistas, músicos, os quais os Players encarnam na obra. Há até algo cômico aí…

Sid Vicious era baixista dos Pistols e era muito ruim, tanto que pouco gravou com a banda. Isso se devia a ser um fã bem jovem quando entrou nela, sem qualquer experiência com o baixo. E o que Ritchie foi senão motivador? Até nisso, em sua “inutilidade”, a produção pensou.

Aliás, não só nisso, a garota que ele paquera é referência a Nancy Spungen, namorada de Sid com a qual ele tinha um relacionamento conturbado. Ela, inclusive, morreu e SId foi acusado por sua morte, sendo inocentado depois.

Não estou querendo dizer que Sid Vicious não teve sua importância para a banda e o movimento punk como um todo, mas que ela não se deu da maneira que você espera de um músico e isso também faz parte do punk, essa cultura de que o imprescindível é a atitude, a qualificação técnica vem depois.

É ótimo ter os dois, mas sem o primeiro não se faz punk, um movimento que, diferente do grunge, reflete menos sobre o interior e contesta mais o exterior, a sociedade. O grunge reflete sobre ambos por ser um movimento posterior ao punk e, de certa forma, mais “sofisticado”.

Até por isso a Nir ainda deve se fazer importante na história, primeiro para confrontar a Mu e o Echo, depois para ajudá-los, afinal, eles também são vítimas, a Mu claramente estava sendo controlada quando atacou.

Outro ponto interessante é que o Who é uma das bandas mais representativas dos anos 60 e o punk é um movimento que surgiu justamente devido ao inconformismo acumulado após essa época. É como se o golpe desferido pela Mu representasse a geração sessentista acomodada tentando calar a geração setentista revoltada.

Tenho certeza que toda essa construção conceitual não se deu por acaso e ela me fez gostar bastante desse episódio, alem de ter a Nir nele e ela ser uma personagem aprazível com potencial ainda a ser explorado, a mais importante do anime depois dos protagonistas e do Jimi.

Ela carregará o legado dos garotos punks, o qual reforçou minha sensação de que a história não é tão simples como eu pensava, que só exterminar Earless não vai resolver os problemas desse mundo distópico.

Convenci você a pensar nesse episódio com mais carinho? Tenho medo que não… Em todo caso, ouça Sex Pistols (ao menos o primeiro e único álbum de estúdio da banda; Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols), se gosta de rock duvido que vá se arrepender.

Se não gosta, o que está fazendo aqui mesmo? Brincadeirinha, onde há rock não deve haver discriminação, ao menos não na teoria, pois na prática a gente vê umas coisas…

Por que isso ocorre? Porque a música é feita por seres humanos, é uma carta de intenções que pode tanto expor o melhor, quanto o pior, das pessoas. Enfim, vamos as referências, porque esse artigo já está maior que a saudade dos fãs.

A banda dispensa apresentações, mas sua música não; Problems, God Save the Queen (que inicialmente se chamava The Future) e Anarchy in the U.k. são todas músicas de seu debut.

A primeira serviu como título para o episódio. A segunda é bastante controversa por seu tom sarcástico e ríspido, tendo sido citada em meio ao ataque da dupla. A terceira foi referenciada quando o Lyde fala que não é adepto do natal por ser o anticristo, o que está na letra da canção.

Se há mais referências diretas ou indiretas a músicas eu não percebi, mas ainda há uma referência que posso citar mesmo que esteja viajando demais…

A Operação Godfather citada pode ser referência ao clássico filme O Poderoso Chefão (The Godfather), mas duvido que seja isso, aposto mais em uma homenagem a Iggy Pop, o vocalista do The Stooges (outra banda sessentista, mas essa um “protótipo” do que viria a ser o punk de Johnny e cia.).

Ele recebeu o apelido de “Godfather of Punk” (algo como “O Paizão do Punk” em tradução livre). Aliás, ouça Iggy e Stooges, baita sonzeira.

A título de curiosidade, uma das músicas do álbum Quadrophenia (clássico conceitual do The Who) se chama The Punk and The Godfather, o que com certeza é de conhecimento da produção do anime e talvez seja esse o real motivo para o uso da palavra.

O fato é que enquanto Nir estava vivendo novas experiências a fim de descobrir seu lugar no mundo, a Mu estava passando por uma crise de identidade a ser vista próximo episódio.

Digo, ao menos é o que espero que role. você não faz referência ao The Who sem fazer uma crítica existencial, assim se perde todo o sentido da piada (que a banda aproveita muito bem em seus inúmeros lançamentos).

Listeners cada vez mais passeia por territórios interessantes enquanto se encaminha para seu final, vamos ver se os ideais do rock progressivo e o inconformismo do punk darão frutos, eu mal posso esperar para saber…

Até a próxima!

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