Você já deve estar de saco cheio da pandemia do coronavírus, e quem não está, não é? Mas foi pensando nela e no quão inusitado seria explorar o assunto pandemia na ficção que alguém no Japão teve uma ideia de criar um mangá situado em um mundo diferente no qual… o padrão é viver a vida de máscara até dentro de casa (como faço porque convivo diariamente com várias pessoas do grupo de risco e seguro morreu de…).

Enfim, New Normal (“O Novo Normal”, frase que você deve ter ouvido muito no noticiário nos últimos meses) é um mangá de Akito Aihara (Bimajyo no Ayano-san) que conta a história de Hata e Natsuki em um mundo diferente após ter passado por uma pandemia.

Na história andar de máscara é o normal e existem várias outras consequências da pandemia. Natsuki, que tem interesse em como era o mundo pré-pandêmico, acaba sendo vista sem máscara por Hata, o que faz os dois se aproximarem e compartilharem um interesse em comum.

New Normal explora o contraste entre como era o mundo antes da pandemia (“O Velho Normal”) e como seria um mundo pós-pandemia no qual “O Novo Normal” é o normal do dia a dia.

Não fica claro se ainda há uma pandeia em curso, se apenas uma desencadeou tantas mudanças na sociedade ou se na verdade há uma nova (como se as pandemias se sucedessem).

Mas isso não é exatamente importante e, apesar de haver um certo vazio no plano de fundo na narrativa, talvez seja melhor assim justamente para passar a ideia de normalidade que acomete esse novo mundo.

Nele o normal é usar máscara e, como tudo que é proibido, ver a boca de uma outra pessoa passa a ser uma espécie de fetiche para muitos.

Portanto, não acho assim tão absurdo imaginar que jovens que nasceram já nesse cenário (fica claro que a geração dos pais deles pegou um mundo sem pandemia, mas a deles não) tenham reações tão efusivas ao ver uma mera boca.

O que me incomodou é que não sei se a passagem de algumas poucas décadas (se isso) seria o suficiente para proporcionar um contraste tão grande. Sem mais informações fica um pouco difícil comprar a ideia se pensar a fundo.

O mangá não se encarrega de contextualizar melhor o que aconteceu em decorrência da pandemia, o que tanto mudou para sempre ser obrigatório usar máscaras no rosto fora de casa e ser normal usar dentro.

Se por um lado isso é melhor para passar uma ideia maior de normalidade, por outro pode fazer esse contraste acentuado parecer forçado. Eu acho que o conceito não foi pensando em toda sua complexidade e profundidade, ao menos não nos dois primeiros capítulos que li para escrever este artigo, mas também não é como se a execução tivesse sido péssima.

Por exemplo, a máscara é o maior símbolo da mudança provocada pela pandemia, mas não é a única; os jovens se comunicam usando relógios, atividades escolares são feitas remotamente com mais frequência, a higiene é algo encarado com muito mais seriedade, o hábito de fazer atividades ao ar livre se perdeu, o de se alimentar na frente de outras pessoas também e filmes com bocas a amostra não são mais o padrão, etc.

Resumindo, o autor faz um trabalho até que bacaninha de detalhar as mudanças que ocorreram no mundo mesmo que a amostra ainda seja pequena, apenas dois capítulos.

Gostei dessa sensibilidade e de como esses detalhes foram distribuídos e expostos com naturalidade ao longo da narrativa nesse início, só o que me fez questionar mesmo foi o tempo, e não por não acreditar que não faça sentido uma nova geração surgir com outros valores, mas porque a contextualização do que realmente ocorreu após a pandemia tornaria mais crível mudanças tão drásticas.

Por exemplo, o quão profundos foram os estragos que a pandemia causou para que a produção artística e cultural fosse mudada afim de “normalizar” esse novo estado das coisas?

De toda forma, entre mortos e feridos a verdade é que o mangá é bem simples e acaba atraindo o interesse do leitor mais pelo contraste entre a sociedade do novo normal e a sociedade do velho normal que exatamente pelos personagens e a interação entre eles.

Natsuki é vista sem máscara, tem seu espaço pessoal violado, mas ela sabe que o colega não fez por mal e ela mesma demonstra interesse em como era o mundo ao ver filmes do passado que a mãe guarda e perguntar aos pais sobre como era ele, então acaba que isso catapulta o evento imprevisto no bebedouro.

Ao mesmo tempo, Hata parece um garoto bem normal que sente atração pela ideia de ver o que há debaixo da máscara, mas não tem tanto interesse quanto sua companheira de segredo.

A garota acaba o abordando sobre o ocorrido e a partir dali, de uma troca de desinibições, que eles desenvolvem uma relação mais íntima para os padrões da época.

Eu só gostaria que eles fossem mais interessantes (seria pedir demais?) e que as interações entre eles não fossem tão banais, mas também acho que não teria muito para onde correr em um mundo com valores diferentes.

Se já há uma diferença cultura na intimidade que as pessoas têm umas com as outras no Japão em contraste, por exemplo, com como é no Brasil, isso deve ser potencializado pelas restrições que todos são obrigados a seguir.

Isso não deve significar que pessoas não namorem, não transem sem ser casadas e não ocorram “transgressões” maiores (não mostradas, mas deve haver, é o esperado).

Mas é claro que houve uma reinvenção profunda na maneira de se relacionar com o próximo, mesmo na relação romântica/sexual, como é indicado que será a relação dos dois.

Tem uma cena que me pareceu ter duplo sentido (a da Natsuki falando que está molhada após se desequilibrar ao ter visto o rosto do Hata), mas tem cenas bem claras quanto a isso, como a dela no banheiro e a dele após ver o rosto da menina pela segunda vez.

Não é difícil imaginar que os dois acabem namorando e descubram o que é essa intimidade em tempos de pandemia juntos, o que torna o mangá interessante pelas pequenas transgressões que eles devem cometer.

Mas, claro, isso só passa a ser interessante se o seu trauma com a pandemia não for maior do que sua curiosidade pelo assunto. É até por isso que acho delicado abordar esse tema em mangá em tão pouco tempo, afinal, nós não estamos acostumados com pandemias, né?

Por fim, New Normal é um mangá simples que só vale a pena ler pelo pano de fundo porque não há nada demais na história e o traço e bonito, mas não se destaca ao ponto de motivar a leitura por si só.

Há acertos e (aparentes) erros na construção de mundo que podem ser cruciais para o sucesso da obra porque, repito, os personagens e a interação entre eles não apresentou nada demais, ainda que eu simpatize com a ideia de uma garota curiosa e um garoto que vai na onda (ambos lindos, padrão).

Em todo caso, espero que nunca precisemos adotar esse novo normal, mas acho interessante ver como ele seria sob um ponto de vista mais leve, o de adolescentes passionais, tudo o que adolescentes sempre são.

Até a próxima!

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