Koguma é uma colegial que não tem família, amigos ou hobbies. Difícil imaginar alguém assim, né? Mas não nesse anime, pois Koguma encontra algo para chamar de seu, que é o prazer em pilotar sua Super Cub, um modelo clássico de lambreta da Honda que tem mais de 60 anos e muita história para contar.

Sendo assim, por que não criar um anime slice of lide belíssimo para homenagear esse modelo de tamanho sucesso? E não só ele, mas o prazer de andar de moto como um todo, muito bem representado na mudança de ânimo que ele trás a vida da heroína. Aperte os cintos, opa, se segure na garupa, pois a diversão vai começar.

Nem sou assim tão fã de slice of life, mas quando vi o trailer desse anime fiquei embasbacado com o tamanho relaxamento que ele me trouxe. Super Cub pode ter um pano comercial por trás, mas isso não desqualifica o trabalho de arte de ótima qualidade feito nessa produção para lá de simples, mas incrivelmente charmosa do estúdio Kai (Uma Musume: Pretty Derby 2).

Antes de qualquer contextualização ou diálogo temos um início de apreciação visual e auditiva que expressa logo de cara alguns dos valores da produção. O trecho inicial é belíssimo pela conjunção de elementos dispostos em cena sem carecer de texto. Os animes têm ficado muito falados ultimamente, você não acha? Super Cub consegue mostrar que às vezes o pouco é mais que o suficiente.

Porque, pensa aqui comigo, narrativamente falando se a ideia é expressar a vida plana, sem nada de interessante rolando, da protagonista, essa introdução “vazia” acaba sendo perfeita para isso. Além disso, a ida dela a escola de bicicleta, assim como a volta, e o interesse que demonstra na motoca de um colega vem para mostrar que ela não está tão conformada assim como esse marasmo.

E é normal que não esteja, ela já é incrível por aguentar não ter nada por um tempo. Não sei quando ela perdeu os pais e nem a criação que teve (imagino que ela tenha dinheiro da família e/ou receba apoio financeiro do governo), mas, apesar de ser uma pessoa simples, Koguma é jovem e precisa de algo diferente que lhe ocupe a mente, que a divirta.

Ir atrás de comprar uma lambreta foi esse salto dela rumo ao desconhecido, a uma nova experiência que muito a interessava, e isso sem desviar tanto de sua rotina, de seu lugar já determinado no mundo. Acho que esse é mesmo o grande barato do slice of life, a capacidade de fazer o público sentir deleite em coisas do cotidiano para as quais geralmente não damos bola.

Isso sob um novo ponto de vista, o ponto de vista de alguém que experimenta algo pela primeira vez e consegue obter satisfação com isso, ficando mais fácil olhar para essas pequenezas da vida e perceber o quão significativas elas podem ser. Claro, em se tratando de ficção isso só ocorre se o trabalho de produção ajudar, e no caso desse anime posso dizer que tudo deu muito certo.

Repito, a ideia de criar uma animação com uma garota fofa (apesar de ser simplória a Koguma até consegue ser fofinha) para vender um produto sem nem disfarçar não é lá muito artística em teoria, mas com esse anime o que podemos ver na prática é que é possível sim conciliar o melhor dos dois mundos, até pela riqueza de detalhes com os quais a situação se desenvolve e o prazer que o sucesso da empreitada gera.

Para conseguir pilotar a colegial precisa primeiro passar na prova, tirar a carteira, arrumar capacete e luvas e, com certeza o mais importante de tudo, aprender a dominar a lambreta, um modelo antigo que já levou algumas pessoas para a vala mais cedo. Chega a ser “engraçada” essa circunstância que permite a garota a aquisição da moto, e a verdade é que ela tem todo o seu charme.

Dada a caracterização da protagonista e a própria ideia por trás de sua vontade de pilotar, faria mesmo mais sentido se houvesse alguma dificuldade e se sua scooper tivesse algo de especial atrelada a ela. O mais legal é que ela não se afoba com a informação de que pessoas morreram pilotando a Super Cub, mostrando que ela pode ser “sem graça”, mas é corajosa.

Aliás, eu não consigo dizer que a personagem é sem graça com os sorrisinhos que dá depois que adquire o veículo e a nova gama de expressões e desejos que começam a crescer nela de acordo com as novas experiências que ter uma motoca para pilotar possibilitam. A Koguma é tão plana que é justamente por isso que podemos perceber com mais clareza o que o “fato novo” acrescenta a sua vida.

Mas claro, isso só fica tão evidente pelo trabalho ajustado da direção, que alia o audiovisual ao significado das coisas de maneira bastante consistente. A coloração vívida que explode na tela quando ela monta na moto pela primeira vez e quando finalmente dá a partida são exemplos marcantes disso, do cuidado em tornar lúdico esses pequenos momentos que na verdade podem ser enormes.

Ainda mais para quem não tinha “nada” antes de ter a Super Cub, mas ganhou novo ânimo após adquirir a possante. Essa capacidade de ilustrar a saída do cotidiano (abandonar a bicicleta e adquirir/pilotar uma motocicleta) enquanto ela é absorvida no próprio cotidiano é uma das qualidades mais legais desse tipo de slice of life e isso foi muito bem feito nessa estreia, pois houve equilíbrio entre o deleite e a narrativa.

Outra característica que valorizo muito em animes assim é a capacidade de contextualizar as coisas naturalmente, através da experiência. Ao mesmo tempo que a Koguma se deixa levar pelo fascínio que ter uma motoca provoca, ela também começa a se alertar sobre os perigos e as dificuldades. Não é apenas a parte boa, apesar de que ter lido o manual de antemão facilitaria muito as coisas para ela…

Mas como qualquer pessoa normal ela não fez isso, só fez quando ficou no aperto. Até nisso o anime foi realista porque super entendo uma motorista iniciante não se tocar que o problema poderia ser de gasolina, ou melhor, que deveria ter perguntando ao simpático vendedor antes sobre esse importantíssimo detalhe. Sorte que a Super Cub tem uma reserva salvadora, né?

O mais legal é que essa situação tão comum foi bem usada na tentativa de explorar mais as características da moto e até mesmo pintar uma imagem positiva dela, afinal, a reserva não deixou a Koguma na mão e a permitiu ir até o posto mais próximo. Não que outros veículos não tenham o mesmo, o importante é que mostraram ao telespectador algumas das características que constroem a “identidade” da moto.

Entre os sorrisos singelos e as adversidades divertidas eu realmente consegui simpatizar com a Super Cub e a proposta de criar na heroína, até então sem interesses específicos, um gosto genuíno por andar de moto. Menos pela moto em um primeiro momento e mais pelo entorno acalentador criado. A cena dela partindo para um passeio noturno ao som de Clair de Lune do Debussy me deixou sorrindo de orelha a orelha.

E olha que nem é minha faixa favorita do Debussy, prefiro Réverie. O caso é que esse apelo visual e auditivo encorpou a experiência de uma maneira bem simpática, mas simples o suficiente para dar a oportunidade de nos próximos episódios mais ser explorado com o ato de pilotar da heroína, até porque fica claro que ela quer percorrer distâncias maiores e, de toda forma, só está nos primeiros dias com a Super Cub.

Enfim, por que essa estreia foi tão boa? Porque correu de forma tranquila, mas nem por isso deixou de ser interessante. Pelo contrário, em sendo um slice of life o elogiável é tornar as coisas do cotidiano atrativas enquanto/se um fato novo é incorporado a elas. O anime consegue isso e faz parecer que não está fazendo tanto esforço, mas a verdade é que mandaram muito bem em todos os detalhes e construções.

Por fim, Super Cub é um anime delicioso para quem curte slice of life e pode conquistar até mesmo aqueles que, como eu, admiram o gênero, mas não acompanham tantos animes dele. A título de curiosidade, deixo aqui um link que conta a história da Super Cub, mas se quiser ver como ela é em ação acompanhe o anime, tenho a impressão de que não vamos nos arrepender.

Até a próxima!

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