86 (Eighty-Six) é originalmente uma light novel escrita por Asato Asato e ilustrada por Shirabii da qual eu gosto muito, e até por isso já escrevi um artigo sobre o primeiro volume que você pode ler aqui. A adaptação é do estúdio A-1 Pictures e tem segundo cour para daqui uns meses.

 

“Na história acompanhamos Vladilena Mirizé, uma militar da República de San Magnolia, país que está em constante guerra com um Império vizinho e se orgulha por não apresentar baixas em suas frentes de batalha, mas a verdade é que as mortes só não são computadas e aqueles que lutam são Eighty-Six, os moradores segregados do distrito 86, que protegem os moradores dos outros 85 distritos. É nesse cenário de horror que Lena é designada para um esquadrão de elite, chamado Spearhead, sobre o qual pairam rumores perturbadores.”

 

Desde os primeiros instantes dessa estreia fica evidente no rosto da heroína o descontentamento com seu entorno, e não seria para menos, afinal, como alguém idealista que é, não deve ser fácil trabalhar em um exército acostumado a tratar quem não têm “sangue puro” como meros objetos. Asato Asato não faltou as aulas de história.

Será que era assim que um não nazista se sentia ao trabalhar no exército de Hitler? Aliás, ser contrário aos ideais de uma instituição e mesmo assim trabalhar para ela não é algo questionável? Ela pode até querer mudar o exército por dentro, mas não parece estar tendo progresso algum, não é mesmo? Nem a amiga dela compra a ideia.

Sendo assim, não consigo sentir pena da Lena, mas também não a condeno por ser uma Operadora, só queria frisar que é um pouco hipócrita sim ser contra a forma que o exército age se você trabalha para manter a roda girando. Não lembro se tive essa percepção lendo a light novel, mas é algo que me veio a mente ao ver o belo anime do competente estúdio A-1 Pictures.

Aliás, apesar dos combates terem sido mais pontuais, dispostos aqui e ali mais para passar uma ideia de tensão, posso dizer que achei o CG decente e que espero coisas boas dele quando for mais exigido. Voltando a heroína, ela é idealista e todo idealista tromba com a hipocrisia em algum momento mesmo.

No final, acaba que isso não é um defeito do anime, pelo contrario, diria que começar 86 pelo lado da heroína, o lado que está por cima da carne seca, faz sentido, afinal, dá ao público um vislumbre do que são as estruturas daquele mundo e aguça a curiosidade por descobrir como ele acabou daquele jeito e o que sairá dali.

Talvez mais pelo segundo tópico, afinal, a guerra não está prevista para acabar em dois anos? Se isso acontecer mesmo, o que será feito com aqueles que tiveram seus direitos humanos jogados no lixo? Não tem ninguém para pressionar San Magnolia por uma abordagem diferente com suas minorias? Não existe ONU nesse mundo?

Não que seja necessário expandir para além da dinâmica militar entre ela e o esquadrão que vai comandar, mas essas perguntas são interessantes e ter um segundo cour já programado me dá esperanças de que a história será contada para além do conteúdo do excelente primeiro volume da light novel, o qual conclui a primeira fase da história.

Enfim, voltando a Lena, dá para entender que ela é como é por influência do pai e que é pioneira no meio em que atua da maneira que atua, a piada é receber um esquadrão de elite e considerar um prêmio quando na verdade só está cobrindo um buraco porque nenhum outro dos seus colegas escrotos têm culhões para comandá-lo.

No fim das contas ela não está sendo premiada coisa nenhuma, talvez até tenha tido o misterioso esquadrão Spearhead designado a ela para que desista de uma vez por todas de ser uma Operadora, ainda mais uma incomum, que não trata os combatentes como porcos imundos, quando na verdade é o contrário…

Não tinha me dado conta disso com a novel, mas 86 também é muito bacana por apresentar uma heroína forte e que pode até se envolver em um romance com o herói (o misterioso e mal-encarado, apesar de ser bonitão, Shin), mas claramente é muito mais que um mero par romântico de alguém.

Além dela tem sua amiga, que também é respaldada por uma figura masculina, mas, assim como a Lena, não depende do pai. Além disso, se a sociedade é machista como indica e elas são o ponto fora da curva, é compreensível que suas mães não tenha feito o mesmo movimento e que, portanto, se espelhem nos pais.

A amiga até não fala que procura noivo mesmo sem demonstrar muito interesse? Trecho em que, aliás, revelam que existe comida artificial, a qual nos dá uma ideia de que mesmo os “arianos” de 86 não têm todas as maravilhas do mundo porque o preço da paz interna enquanto a guerra ocorre nas fronteiras teria que ser pago. Algum preço, né.

A história se passa em uma Europa de algumas décadas no futuro com tecnologia mais avançada e a ideia de guerra remota (ainda que isso seja uma mentira pelo lado da República), então me surpreende um pouco que socialmente tenham é regredido. Ou melhor, nem me surpreende não, afinal, aqui no Brasil nós vivemos a nossa própria distopia.

Pelo menos ainda não mandamos pessoas para campos de concentração para cumprir trabalho forçado, mas não vou me espantar se acontecer um dia, e mesmo que o café da manhã tenha transmitido uma ideia de leveza sobre a vida que esses jovens levam, a gente vê depois, em um contraste maravilhoso, que eles tentam aproveitar esses momentos porque a morte os avizinha.

Além dessa realidade cruel, me chamou muita atenção também o verdadeiro ritual do Undertaker (Nome: Shin), pois ele não só dá o golpe de misericórdia para aplacar o sofrimento de seu companheiro, como recolhe um pedaço de seu drone de batalha e nele crava o nome da vida que foi tirada pela guerra. Shin não tem expressões, mas claramente se importa.

Mal posso esperar para conhecer (no anime) mais do personagem, assim como para ver a interação da Operadora simpática com seus subordinados ácidos, como, aliás, já era em seu esquadrão anterior. Não é porque são obrigados a sacrificar suas vidas pelos outros que os Eighty-Six vão abaixar a cabeça sem demonstrar o mínimo de desdém, né?

E é assim que a trama do promissor 86 se apresenta a nós, com um mundo fodido em que a guerra revela tudo que a de mais podre na natureza humana, mas também pode revelar gentileza mesmo em meio as maiores desgraças. Há outros detalhes dessa estreia que eu poderia comentar, mas acho que por ora é o suficiente. Veja 86, uma das estreias mais sólidas dessa temporada de primavera.

Até a próxima!

P.S.: O título do artigo é referência a uma música da banda Muse lançada em seu sétimo álbum de estúdio, Drones. Olha aí as coincidências. O álbum é conceitual e tem toda uma abordagem de guerra e distopia que creio combinar com o anime.

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