Por que o Theo ficou tão desconfortável com o que falou mesmo tendo a razão? Pela maneira como ele se comunicou, e se tem um sinal de caráter em uma pessoa é a preocupação que ela tem com a forma como transmite algo, com as palavras que usa, a altura de sua voz e os sentimentos que deixa transparecer através dela. Theo foi ríspido demais com a Lena, isso é verdade, mas o desabafo não foi maldoso e sim sincero, diria até que necessário, afinal, sem choque de realidade como mudar, como sair da acomodação em que ela se encontrava, não é mesmo?

E pelo que vimos nesse episódio a Lena buscou sair de sua acomodação hipócrita, mas não sem antes refletir sobre suas ações e ideias, a dissonância que havia entre elas, na verdade. Ela precisava ouvir opiniões de pessoas próximas também, para compreender melhor o peso das palavras do Theo e se incomodar o suficiente para tomar uma atitude, que a longo prazo pode só chafurdar na hipocrisia, mas também pode expandir os horizontes da garota e aproximá-la de seus ideais infantis. Veremos onde a Lena vai chegar, é hora de Eighty-Six no Anime21!

Antes de voltar a Lena, primeiro quero falar do Theo e de como as verdades que ele cuspiu entre os ouvidos da heroína foram boas para fazer o personagem dar o salto, se tornando um coadjuvante mais interessante. Nesse episódio vimos a sua tristeza pela morte da amiga e conhecemos mais sobre seu passado, a figura mais velha que ele admirava, que era um Alba, e como talvez seja por esse contato com alguém que fez mais do que estava ao alcance que ele via com maus olhos as tentativas de aproximação da Lena, que tentava construir uma camaradagem ilusória.

Não que o Theo espere que a Lena vá ao campo de batalha para lutar ao lado dos Eighty Six, tenho certeza de que a essa altura da guerra isso já se tornou inviável, mas ele esperava algo mais verdadeiro e equilibrado dela, como é saber o nome e a história daqueles com os quais trabalha, mas sem ter a camaradagem que é realmente impossível de ter. Os Albas fizeram coisas horríveis com os Eighty Six e a Lena trabalha para esse sistema, quer ela possa mudar essa realidade ou não, quer ela tenha apoio para isso ou não, ela se encontra na margem oposta dessa situação.

Aliás, os Eighty Six estão à margem, são marginalizados e é daí para baixo, não dá para esperar que caminhem lado a lado com os Alba, seus algozes, mas isso também não quer dizer que a Lena não possa ajudá-los a saírem vivos de suas batalhas e que eles não possam respeitá-la. O desconforto do Theo pela maneira como se dirigiu a ela transmite isso, a ideia de que por mais que não fosse só ele que estivesse incomodado com a aproximação da Operadora, não havia o clamor para estragar a relação, até por uma questão lógica, afinal, ela pode ajudá-los.

Acompanhando um pouco o drama do rapaz as garotas e outros colegas proveram um certo reconforto ao seu momento de luto pela Kaie e assim deram mais cores as interações dos integrantes do esquadrão Spearhead, que geralmente são descontraídas, mas dessa vez lidaram com nuances mais tristes do que é a vida para aqueles jovens. Do outro lado, a Lena ficou aturdida antes de conseguir fazer alguma coisa, mas foi justamente ao encarar a maneira como as coisas são dentro das muralhas (virou Ataque dos Titãs agora?) que ela encontrou uma resposta.

E para entender porque pessoas aparentemente bem bacanas, como sua amiga cientista e o chefe e amigo de seu pai, não são idealistas como ela, apenas seguem o fluxo, precisávamos das cenas em que eles aparecem e conversam com a heroína, expondo seus pontos de vista sobre as ações dela. que parecem mais esforços infrutíferos aos seus olhos muito também olhando para onde esses esforços são direcionados. Não dá para negar que parte disso vem da ideia de que o indivíduo é incapaz de mudar o coletivo, mas negar isso também é afastar o ideal da realidade.

Em algum nível foi o que o pai dela fez ao levar a filha para ver o campo de batalha e com isso não só arriscar a vida da criança, mas acabar com a própria. Não só a Lena era nova demais para entender a complexidade de tudo que envolvia aquela guerra naquele momento, como isso a levou a conjecturas equivocadas sobre seu próprio papel em um país assim. Não que ela não tenha entendido melhor com a idade, mas ainda que tenha bebido no exemplo do irmão do protagonista, seu idealismo não se ajustou a realidade pela ideia romântica que aquela experiência trouxe.

A intenção do pai dela era a melhor possível ao levar a filha para presenciar a realidade daquela guerra, mas assim como a garota, ele cometeu o erro de não entender a utilidade de seus esforços e não só isso, a capacidade que eles teriam de mudar concretamente o mundo. Não que esteja escrevendo aqui que a Lena não deveria fazer nada se não vai adiantar mesmo, mais ou menos como pensam aqueles próximos a ela, mas que ela precisava tentar equilibrar as coisas isso era visível, pois a igualdade que promovia era bem mais da boca para fora que qualquer outra coisa.

Sendo assim, perguntar os nomes deles pode não parecer um ato de resistência a esse mundo injusto que ela foi ensinada a banalizar, mas na verdade é sim, pois com isso nega o modus operandi dos Albas ao tratar os Eighty Six verdadeiramente como iguais, ou ao menos o mais próximo disso possível dadas as circunstâncias. Quando ela liga o Para-RAID e se comunica com o Shin essa é uma coisa que ele pontua, que todos sabem que ela não pode mudar o mundo sozinha, mas na boa, não precisa, não para demonstrar que se importa de verdade com os Eighty Six.

E se importar de verdade com eles não é querer entender a dor deles porque isso ela nunca vai ser capaz de fazer, mas não agir como se fosse fácil ficar próximo sendo ela o que é, uma Alba, ainda mais uma que trabalhoa no meio militar e sabe muito bem de todas as atrocidades cometidas contra os Eighty Six. Isso não significa que ela precise deixar de ser atenciosa com eles, mas que, como eles próprios deixam claros, ela nunca será uma camarada em pé de igualdade, afinal, é em cima das pilhas de corpos desses jovens que a sociedade Alba prospera em meio à guerra.

De toda forma, ela decide primeiro contatar o Shin e se desculpar, para só depois ele dar o empurrãozinho final que ela carecia para se retratar com todo mundo. Aliás, no contato entre os dois eu gostei bastante de como através de sua voz o seiyuu do Shin, Shouya Chiba, conseguiu dar o ponto certo do personagem, sem tirar nem pôr ele foi aparentemente frio, mas pelas coisas que falava deixou transparecer se importar muito não só com os companheiros, mas também com a própria Lena, que era tratada por todos como alguém que não aguentaria a pressão.

Só falando um pouco mais do Shin, o número de pessoas que ele leva consigo até o fim que espera, que claramente é a morte, demonstra não só muito da personalidade responsável que ele tem, mas da carga de experiências que não só ele, mas muitos outros Eighty Six tiveram. E isso contando com o fato de ainda ser muito novo, o que denuncia que os Albas não tiveram qualquer pudor em mandar crianças para o campo de batalha, o que até faz sentido já que nenhum Eighty Six mais velho aparece no anime. Por quê? Porque todos já morreram, restando apenas seus filhos.

É bem triste que o ritual do protagonista seja em certo nível um mostra de conformismo com o destino que aguarda todo seu povo (que, aliás, nem é um povo unificado, mas a união das várias minorias étnicas que habitavam a República de San Magnolia), mas ao mesmo tempo é uma forma bem digna de encarar as coisas, até poética. Além disso, com esse jeito de ser dele dá até para entender porque se dá bem com a Lena, afinal, os dois são diligentes com suas responsabilidades, tentam enxergar o todo e não se descolaram da importância da vida humana.

Eu sei que é muito mais fácil para ela que apenas os acompanha do conforto de uma poltrona, mas não é como se fosse fácil presenciar mortes, mesmo que por detrás de uma tela, né. Enfim, ela finalmente pergunta o nome dos Processadores, os anota e reúne coragem para falar diretamente com eles em uma cena que acaba desembocado no encerramento, uma decisão artística bem acerta da direção, que assim encorpa a cena pós-créditos, a tornando mais que um cliffhanger ou uma cena para chocar, dando até a entender que o anime pode ser mais após um “fim”.

Então, o Theo se retrata e abre a fila de apresentações porque não bastava ela saber o nome de cada um, ela também precisava se comunicar com eles e demonstrar que se importava, que estava disposta a topar o desafio de continuar os acompanhando, de lutar ao lado deles não como uma igual, mas como alguém que os respeita e pode ajudar. O Theo é um moleque tão legal que mesmo estando coberto de razão ele se retrata pela forma como falou e também conta um pouco de sua história, que explica a reação dele mesmo tendo conhecido pelo menos um Alba bom.

O Raiden pega o bonde andando e complementa a sinceridade do Theo com muito sarcasmo e desenvoltura em um trecho ótimo que deixa subentendido que nem todo mundo concorda com as críticas a Lena ou acha ruim suas conversas descontraídas noturnas com o esquadrão, mas é claro que muitos se incomodavam, ou melhor, que notavam o problema em suas ações, a superficialidade do respeito que direcionava a eles. Com esse primeiro passo rumo a uma melhora superado, só digo que não poderia ter curtido mais o cliffhanger com o qual o episódio acabou.

Por quê? Porque a Lena já havia citado essa pessoa que a salvou no campo de batalha, como, se não me engano, já havíamos sido informados sobre o irmão do Shin. A questão é, por que a cena final teve aquela roupagem e aqueles flashes rápidos indicando certa tensão na maneira como o protagonista vê o irmão? Ou melhor, que existe uma história entre os dois. Eu sei qual é, mas claro que não vou contar. No máximo posso retornar a cena em que o Shin dá a entender que não é o Coveiro, o Undertaker, só por carregar lembranças de companheiros caídos.

Além disso, mais de uma vez o pessoal do esquadrão falou que a Lena não aguentaria o tranco e vários Processadores passaram pelo Spearhead e saíram mal, um até chegou a se matar, né? É fácil imaginar uma correlação entre as coisas, o nível de estresse ao qual o Undetaker deve levar o Operador e a história nebulosa que parece envolver seu irmão, até pelo história cruzada com a Lena, pois o irmão dele é referência para ambos. Muita coincidência, eu sei, mas levando em conta as personalidades dos dois nem chega a pedir da minha suspensão de descrença.

Por fim, esse episódio foi excelente, pois não deu uma resposta definitiva para algo que não teria como ter mesmo, afinal, não é simples estar na posição da Lena e muito menos na dos garotos e das garotas que ela comanda, então ainda há muito o que tratar sobre essa relação, além, é claro, da perspectiva de morrer estar sempre a espreita, o que mantém a trama em constante proximidade ao drama. Mas se engana quem pensa que é só por aí que esse elemento pode ser acessado, afinal, não tem como não ter caroço nesse angu, né? Vamos ver o que o Shin vai nos revelar.

Até a próxima!

P.S.: De novo, nem acho que a música a qual o título faz referência tenha muito a ver com o anime, mas como encaixa em alguns pontos com o conteúdo desse trecho da história, indico que você ouça mais uma bela canção da minha banda favorita.

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