Violet Evergarden – Uma carta de esperança
Bom dia!
A capacidade de comunicação sofisticada é o que nos torna humanos. Permitiu que houvesse civilização, tecnologia, progresso, animes, e esse blog. Mas não foi capaz de impedir que houvesse desconfiança, guerra, e morte. Às vezes, inclusive, essas e outras mazelas derivam da dificuldade de entender, da incapacidade de comunicar.
Um mundo que acabou de sair de uma guerra devastadora é um mundo cheio de pessoas com emoções à flor da pele, com necessidade de comunicar essas emoções desesperadamente.
Mas depois de tal calamidade, nem todo mundo se lembra ainda de como fazer isso. Outros nunca aprenderam. E ainda os há aqueles que perderam a quem gostariam de comunicar seus sentimentos.
Esse é mundo de Violet Evergarden.
A protagonista, que empresta seu nome ao anime, nunca aprendeu a se comunicar. Ainda criança foi alistada por um dos exércitos beligerantes e lá aprendeu tudo sobre matar e obedecer. Na última batalha em que participou, uma decisiva para o resultado da guerra, perdeu seus dois braços, substituídos por sofisticadas próteses metálicas.
Com alguns ajustes, poderiam ser braços ainda melhores que os braços de uma pessoa normal, e com o treinamento de Violet eles com certeza eram muito úteis. Ou seriam, se ela ainda estivesse em guerra. Como braços normais, eram só cópias escuras e geladas de braços reais.
Não foram só os braços que Violet perdeu, porém. Ela perdeu também Gilbert, major do exército a quem ela obedecia diretamente e por quem tinha grande estima. Ele estava apaixonado por ela, mas não se atreveu a dizer isso durante a guerra. Não se atreveu, exceto, claro, ao final daquela fatídica batalha.
“Eu te amo”
Violet, que só aprendeu a obedecer ordens e a fazer o que lhe era ordenada. Violet, que só sabia falar de forma clara, objetiva e sintética, de acordo com a necessidade militar. Violet quis saber o significado de “eu te amo”.
Porque Violet nunca soube expressar seus sentimentos. Sentimentos são desnecessários no campo de batalha, um fardo. Mas aquelas palavras ressoaram fundo em seu coração, que ao contrário de seus braços não se tornou metal gelado mesmo após a perda do Major Gilbert. O que ele quis dizer?
Nesse mundo, existem mulheres que trabalham escrevendo cartas para outras pessoas. Elas não só transcrevem o que seus clientes ditam, mas sim traduzem o que vai em seus corações, o que eles realmente querem comunicar, de forma que a pessoa que irá receber a carta seja capaz de entender.
Essas mulheres precisam ter uma profunda compreensão sobre os sentimentos alheios, e muita empatia também. Elas são chamadas de “bonecas” porque … bom, isso não é importante. De verdade, é uma explicação complicada que a obra dá só para chamar a Violet de boneca. Porque ela parece com uma boneca (é jovem e bonita) e se comporta como uma (não expressa sentimentos). Entende? É, é só por isso.
Violet quis se tornar uma boneca para entender o significado de “eu te amo”.
Violet Evergarden é um anime episódico, com a Violet atendendo a diferentes clientes, com diferentes histórias de vida, enquanto ela aos poucos aprende mais sobre sentimentos. Mas tem um detalhe incômodo que ronda a história da Violet: o corpo de Gilbert nunca foi encontrado.
E aí de tempos em tempos surge aquela sugestão de que ele possa estar vivo. Durante a exibição original do anime houve quem jurasse que estava, sim. Será que leram a light novel na qual o anime se baseia? Bom, ainda que seja o caso, a light novel é a light novel, o anime é o anime, ainda que contem “a mesma” história. Na light novel eu não sei, mas no anime Gilbert nunca volta dos mortos, e eu prefiro assim.
O problema é que assistimos a Violet aprender sobre sentimentos, sobre seus próprios sentimentos, e depois vemos como ela lida com a súbita realização de que nunca mais irá reencontrar o primeiro amor de sua vida. Isso é uma história pungente, que sozinha já é capaz de derrubar qualquer um em lágrimas. Mas e se no final de tudo aparece o Gilbert? Não parece que no final das contas ficou tudo muito barato?
Essas sugestões de que talvez ele pudesse estar vivo me perturbaram quando assisti o anime e acabei sendo injusto com ele, no final das contas. Porque isso me incomodava eu tive má vontade e quando o arco final se revelou um arco de ação foi o fim do mundo para mim.
Hoje eu entendo diferente. Acho sim que um arco de ação, aquele arco de ação em particular, não combina com o resto. É quase como se o anime tivesse mudado de gênero. Por outro lado, descontado esse problema de foco, isso é parte do que a Violet é: uma guerreira. Quem morreu foi o Gilbert, não ela, então se ela precisar em algum momento agir como guerreira, que aja.
Ela evoluiu bastante nesse aspecto de todo modo: no começo do anime ela reagiria de forma violenta com qualquer um ao menor sinal de ameaça, o que causou problemas para ela e para pessoas ao seu redor. No final do anime ela usou isso quando teve que usar.
No começo do anime ela era uma guerreira em primeiro lugar, Violet em segundo. Ao final, ela era Violet, que poderia ser uma guerreira se necessário fosse. Se isso não é evolução, o que mais poderia ser? Aproveito essa resenha para fazer um mea culpa a esse respeito, portanto.
De volta ao rumo. O primeiro problema da Violet quando decidiu se tornar uma boneca que escreve cartas para os outros foi conseguir compreendê-los. Ela veio de uma formação militar, nunca aprendeu nada fora disso. Ela sequer consegue entender sentimentos direito.
Devagar, com a ajuda de várias pessoas ao seu redor, inclusive seus clientes, Violet consegue aprender o que são sentimentos. Aprende como eles se manifestam. Aprende a sentir e a expressar seus próprios sentimentos.
Ninguém pode fazer nada sozinho, afinal de contas. Deixada sozinha, Violet teria definhado e morrido, se não se suicidasse. Isso é verdade para muita gente nesse anime. Ela quis desistir mais de uma vez, ela não soube o que fazer muitas vezes, mas sempre houve alguém por ela. E, quando ela pôde, foi ela quem esteve lá pelos outros.
A paz acabou de retornar e o cotidiano começa a se ajustar. O comércio funciona, cidades e infraestrutura são reconstruídas, as pessoas podem sair de casa e cuidar de suas vidas normalmente.
Mas muitas delas ainda vivem em um transe. Eles querem seguir em frente, querem falar, sentir, se comunicar, só se esqueceram de como se faz isso. Ou não sabem como fazer isso porque nunca sentiram de forma tão intensa.
Irmãos que perderam os pais na guerra. Uma mãe doente. Um pai que perdeu sua filha. A Violet está longe de ser a única que sofreu nesse mundo. Centenas, milhares de pessoas ainda esperam, todos os dias, seus filhos, pais, namorados, esposos, retornaram dos frontes de batalha. Será que ainda estão vivos? Por que estão demorando tanto, se a guerra já acabou?
A morte é sempre estúpida, sem sentido. A guerra apenas nos lembra a todos disso ao transformar a morte em uma indústria. Mas os que ficam precisam continuar vivendo. São eles que darão algum significado para as faces, vozes, vidas e sentimentos dos que morrem.
Após uma tragédia, nós que ficamos precisamos reaprender a viver. Precisamos expressar nossos sentimentos e comunicar a quem queira saber que ainda somos humanos e queremos continuar vivendo. Por mais difícil que isso às vezes possa ser.
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