Shoujo Kageki Revue Starlight – O significado das estrelas
Bom dia!
Starlight é um anime musical e teatral dirigido por Tomohiro Furukawa, que já trabalhou com Kunihiko Ikuhara (Utena) em Mawaru Penguindrum e Yuri Kuma Arashi, e é considerado uma espécie de discípulo dele.
E isso fica rapidamente visível no cotidiano fantástico de Shoujo Kageki Revue Starlight, no qual alunas de teatro participam de duelos subterrâneos para definir a atriz principal da peça que está se aproximando, a Top Star, assistidas por uma girafa falante que lhes explica tudo o que precisam saber sobre esses duelos.
O anime é um musical. Os duelos no palco, criativos e cantados, são definitivamente cativantes. Alguns são bobos e engraçados, outros são sofridos, e outros ainda são algo entre o solene e o trovejante.
Todas as garotas da Academia Seisho um dia já foram crianças cheias de sonhos, e foram esses sonhos que as levaram até lá. Se destacar na multidão. Seguir os passos dos pais. Seus desejos eram muito diferentes, mas todos convergiram para o mesmo lugar: o teatro.
Karen e Hikari, as protagonistas, só queriam estrelar juntas uma peça que assistiram quando crianças.
O sonho de Karen se prova um sonho impossível: as peças tem uma e apenas uma atriz principal. Ela nunca poderia ocupar essa posição junto com Hikari. Hikari percebe isso antes, e enquanto Karen continua mirando o impossível ela toma uma decisão diferente, e muito mais trágica.
A grande questão é que a Karen está certa: não está escrito em pedra que é impossível uma peça ter duas Top Stars. Mas é assim que o sistema funciona. É assim que sempre funcionou, é isso o que as pessoas dentro e fora do teatro esperam. Os artistas esperam brilhar sozinhos, ou passar a vida tentando, enquanto os espectadores esperam ver uma única estrela principal.
É assim com muitas coisas na vida. Elas não precisavam ser assim, mas são, apenas porque “sempre” foram assim. É assim que morrem muitos sonhos infantis.
Há nove garotas e elas são divididas naturalmente em duplas. As duplas não são formações necessariamente fixas, mas representam vínculos e relações afetivas entre as candidatas a atrizes. Além disso, é absolutamente necessário que hajam duplas nas peças encenadas.
A Academia Seisho não representa um teatro genérico, mas um teatro bastante específico: o Takarazuka, famoso teatro japonês em que mulheres interpretam todos os papeis, inclusive os masculinos.
No Takarazuka, as atrizes se dividem em otokoyaku (que fazem os papéis masculinos) e musumeyaku (que fazem os papeis femininos). Apenas otokoyakus podem ser a Top Star no Takarazuka. E para ser uma otokoyaku é preciso ter uma série de características masculinas, incluindo altura. Atrizes baixas só podem ser musumeyakus. Por uma questão de natureza, além do controle delas, independente de qualquer esforço, atrizes baixas estão condenadas a nunca serem a Top Star porque nunca poderão ser otokoyakus.
Em Starlight os papeis de otokoyaku e musumeyaku não estão definidos, e na peça que elas vão realizar todos os personagens são mulheres de todo modo. Não obstante, é notável como algumas garotas possuem mais características masculinas enquanto outras são mais femininas. Algumas transitam de um lado para o outro, sendo o caso mais notável disso a própria protagonista, Karen.
Consistentemente, as garotas de Starlight que se apresentam ou se impõe de forma mais masculina são retratadas como melhores atrizes, concorrentes mais próximas de conquistar o posto de Top Star. Exceto em um caso: a dupla Kaoruko e Futaba.
Amigas de infância, Kaoruko vem de uma família rica e tradicional, e desde criança aprendeu artes tradicionais japonesas, sendo assim uma artista nata. Futaba era sua amiga “normal”, a pessoa que suportava toda a manha da mimada Kaoruko. Antes de qualquer coisa, ela era fascinada pela amiga quando ela dançava, e por isso estava sempre por perto e acabava deixando-a abusar dela, embora sempre ameaçasse largá-la.
As duas possuem uma relação profunda e se acostumaram a ser insinceras uma com a outra. Futaba ameaça sem ter a menor intenção de deixar a amiga para trás, e Kaoruko se diverte forçando a amiga ao limite e fazendo chantagens emocionais.
Futaba é a mais masculina das duas, mas é nanica. Kaoruko é uma das garotas mais femininas do elenco inteiro, e é uma das melhores atrizes também, e certamente só não é melhor porque só faz questão do aplauso da Futaba, mas esse descaso com os ensaios a está deixando cada vez mais para trás.
Os duelos ao mesmo tempo não têm nada a ver e têm tudo a ver com os relacionamentos entre as garotas. Não têm nada a ver porque é todas contra todas para decidir a melhor, mas têm tudo a ver porque os duelos que assistimos (vários acontecem simultaneamente, mas não os vemos) são os que têm significado para o desenvolvimento pessoal das garotas envolvidas.
Quase sempre assistimos a Karen ou a Hikari duelando, mas também assistimos ao duelo entre Kaoruko e Futaba, no qual as duas colocam para fora tudo o que há em seus corações e renovam seu relacionamento. O duelo só uma delas vence, mas no grande esquema das coisas as duas saíram vitoriosas daquele palco.
Nem todos os casos podem ser resolvidos como o de Kaoruko e Futaba, porém, e Banana é a primeira a perceber isso, ou a primeira a se entristecer com isso.
Ah, sim, tem uma garota chamada Banana. Na verdade ela se chama Daiba Nana, o que não melhora muito porque foneticamente isso significa “Grande Banana”. É bobo, mas da forma como é aceito e abordado pelas personagens não faz o anime se aproximar da comédia pastelão, o que aí sim poderia perturbar o clima, então não tem problema nenhum.
Banana foi a primeira a perceber que o problema não é só que não é possível que todas cheguem ao topo, mas que também nem todas vão sequer chegar a qualquer lugar. Ela era uma garota tímida, um pouco introvertida (eu aposto que é porque as crianças zombavam dela por causa de seu nome), mas ficou realmente feliz quando fez uma peça com todo mundo no primeiro ano e foi acolhida por todas.
Então ela ficou chocada ao descobrir, no começo do segundo ano, que algumas garotas tinham abandonado a escola. Quantas mais irão abandonar? Quantas amigas ela ainda irá perder? Ela acabou de encontrar o seu lugar no mundo e vai acabar solitária de novo?
A solução dela é drástica e implica auto-sacrifício. Ela pode continuar com todas, mas de certa forma continua solitária. Hikari finalmente a derrota e a força a encarar a realidade. De volta ao mundo real, onde nem todo mundo é bom o bastante, ela encontra consolo em Junna, sua parceira e uma das mais esforçadas estudantes. Elas sempre estiveram juntas, mas é como se, cegadas por seus objetivos, não tivessem parado sequer para conversar e saber pelo que a outra está passando.
Maya e Claudine sintetizam a disputa pelo topo: Maya é filha de grandes atores, Claudine sempre foi super talentosa desde criança. As duas querem ser a Top Star e competem pela posição desde o início.
É claro que nasce, também, uma relação de admiração e camaradagem entre as duas. Mas com os duelos em andamento, a disputa se torna dramática e cruel.
Maya é a otokoyaku perfeita. Ela é insuperável. Isso começa a custar emocionalmente para Claudine. As duas são boas o bastante para olhar para as demais garotas de cima, e para dar conselhos precisos, tanto sobre atuação quanto sobre relacionamento.
Claudine é uma musumeyaku. Como eu já disse, Starlight não segue as convenções do Takarazuka, mas elas estão implícitas quando necessário. Esse é um desses casos em que é necessário. Claudine tenta superar Maya o tempo todo, mas o sistema ao qual se renderam a proíbe de ultrapassá-la, não importa o quanto se esforce.
Mas foi só por isso que elas se aproximaram em primeiro lugar? De novo, foi preciso que Maya e Claudine fossem derrotadas por Karen e Hikari para entenderem o que é verdadeiro entre elas.
Completando as nove garotas, Mahiru. Mahiru era o par de Karen antes de Hikari chegar. Karen e Hikari são amigas de infância e prometeram chegar juntas ao topo, mas Hikari foi estudar na Inglaterra, enquanto Karen ficou no Japão e acabou na Academia Seisho, onde conheceu Mahiru.
Mahiru é uma garota que veio do interior, e fazia sucesso como uma espécie de idol local amadora, por isso veio estudar na Academia Seisho, mas sempre estava com medo de não ser boa o suficiente no meio de todas essas “garotas da cidade” e Karen a salvou, e desde então Karen é o refúgio de Mahiru.
Em um anime só com garotas e que as organiza convenientemente em pares, há muita tensão shoujo-ai no ar, mas se só uma dessas paixões for verdadeira, carnal mesmo, é a da Mahiru por Karen.
Daí a Hikari chega e a vida para Mahiru nunca mais é a mesma. O ciúme a domina aos poucos, até que ela explode. No final, pelo padrão do que venho escrevendo aqui, acredito que você já saiba como Mahiru se liberta disso e percebe que ela é boa e é capaz de se virar bem mesmo sozinha.
Tudo muito bem, tudo muito bom, Kaoruko, Futaba, Banana, Junna, Maya, Claudine e Mahiru já estão resolvidas, mas e Karen e Hikari, as protagonistas? O sonho delas é impossível, afinal de contas.
Hikari é pessimista sobre isso. Karen é a otimista. No arco final, Karen precisa salvar Hikari de um auto-sacrifício ainda pior que o de Banana. Elas não viram todo o sistema de pernas para o ar no final, mas conseguem provar que pelo menos o final de sua própria história elas são capazes de mudar.
Karen e Hikari descobrem o significado das estrelas.