Utsuro no Hako to Zero no Maria (Light novel) – Rejecting Classroom – Primeiras impressões
O que você faria se uma existência lhe oferecesse uma caixa capaz de garantir qualquer desejo? Se a sua resposta fosse, “Eu aceito”, você estaria pronto para enfrentar as consequências advindas disso?
Esse é um questionamento de Utsuro no Hako to Zero no Maria, também conhecida como HakoMari, light novel de Eiji Mikage ilustrada por Tetsuo, lançada de 2009 a 2015, e só agora próxima do fim do lançamento nos Estados Unidos pela editora Yen Press com o título The Empty Box and Zeroth Maria.
O que esperar dessa série de sete livros que tem nota elevada no Myanimelist apesar de não ter tido qualquer adaptação até hoje? Venha comigo e você saberá qual é o segredo dessa Caixa de Pandora!
A história acompanha Kazuki Hoshino, um colegial comum que tem seu grupo de amigos, uma garota pela qual está apaixonado e um apreço sem igual pela vida cotidiana. Até aí não há nada demais a se notar sobre ele, mas eis que um evento bastante estranho acontece em sua classe. Aya Otonashi – a mais recente aluna transferida – o desafia na frente de toda a sala, e dizendo coisas que não fazem o menor sentido, ao menos não até Kazuki se lembrar de um nome, “Maria”, e do que há por trás dele.
Sim, Aya Otonashi e Kazuki Hoshino estão no meio de um misterioso evento sobrenatural deflagrado pelo uso de uma caixa que concede desejos. Aya o chama de “Rejecting Classroom” – sala de aula da rejeição –, pois o portador da caixa está entre os alunos e é ele que está rejeitando que o tempo siga seu curso natural, fazendo com que volte a manhã de 2 de março após acontecer um atropelamento.
Em um primeiro momento Aya suspeita de Hoshino, pois ele é o único que demonstra reter algumas memórias das muitas repetições pelas quais ela passou, mas, ao declarar-lhe guerra e ainda contar a ele que também é uma portadora e seu objetivo é roubar a caixa geradora da Rejecting Classroom, é que ela confirma que ele não é o portador, formando uma aliança com o colega a fim de encontrar o verdadeiro. Mas para isso os dois terão que encarar dezenas de milhares de repetições excruciantes.
Eis aqui o primeiro grande acerto da obra, a maioria das repetições é contada de maneira linear, mas há repetições embaralhadas entre elas que dão detalhes relevantes para construir o quebra-cabeças, o que está por trás de toda a trama – ainda que também seja um artificio para tornar um pouco mais complexo algo que é mais simples. O ritmo envolvente da narrativa se deve muito a essas repetições.
Em cada uma algo novo é acrescentado a trama geral, e a única que passa por elas, além do portador da caixa em uso, e retém todas as memórias é Aya Otonashi. Sua personalidade assertiva – ainda que a gama de fragilidades que ela tem vá sendo esmiuçada aos poucos – a torna interessante como uma heroína que não chega a ser uma anti-heroína, mas não é apenas um estereótipo. Ela é autêntica; ao mesmo tempo que é forte, é fraca, ao mesmo tempo em que acerta, também falha miseravelmente.
Aya é mais interessante como personagem do que Hoshino, que ao longo de toda a história é tratado como alguém que reage de maneira imprevisível a atividade das caixas, mas não demonstra a força e a inteligência da companheira; sendo um personagem bem mais plano, mas nem por isso mal escrito.
A dinâmica do livro em grande parte se resume aos dois tentando encontrar o portador, enquanto se questionam sobre a natureza do desejo dele, assim como o que ainda os mantêm sãos após milhares de repetições. A situação é ainda pior para a Aya porque ela nunca esquece de qualquer repetição, o Hoshino já lembra de tudo no decorrer da repetição seguinte, e só em uma parte delas, então não há nele o mesmo “declínio de sanidade” que se esperaria de alguém preso a uma repetição excessiva.
A verdade é que isso não ocorre nem com a Aya, mas seu caso é mais delicado devido as circunstâncias dela e até mesmo a sua personalidade. Então foi algo que eu relevei, mas acho que faria mais sentido se o número de repetições caísse pela metade ou até mais; não que exista um limite que determine a hora em que uma pessoa enlouquece sob determinada situação e nível de estresse, mas fica difícil de acreditar que após mais de 27.000 repetições, o que daria bem mais de um século já que os dias de 2 e 3 de março são os que se repetem, qualquer um não tivesse enlouquecido.
Mesmo a Maria sendo a portadora de uma caixa parece absurdo. Pelo menos existe um contraste entre uma mente sã e uma mente em frangalhos de alguém que passou por isso mais a frente; situação que achei mais plausível.
Outro acerto da obra foi a forma como os coadjuvantes foram usados. Muitos plot twists ocorrem e é quando eles se envolvem mais que a trama se expande e as reviravoltas acontecem. Eles obtêm certa relevância mais da metade para o final do livro e também são um pouco aprofundados – pelo menos alguns deles –, o que era de se esperar já que se o evento sobrenatural em vigência gira em torno de Kazuki Hoshino, então, nada mais normal que as pessoas mais próximas a ele sejam crucias na trama.
Contudo, pelo fato da dinâmica do livro ser em sua maioria entre o protagonista e a heroína, eu senti um pouco a falta desses personagens, principalmente na primeira metade. Além disso, quando todos finalmente se reúnem tudo acontece muito rápido e logo o problema é resolvido – assim parece que o melhor modo de resolver a situação sempre foi esse, que faltou inteligência aos protagonistas para pensar nesse método.
Apesar de que isso só ocorre devido a um pré-clímax muito bom no qual certa mudança em uma personagem facilita a junção de um grupo, então não acho isso demorar a ocorrer injustificável, mas o Kazuki e a Maria só chegarem a conclusão que os levou por esse caminho depois de tanto tempo é questionável.
Para dar uma compensada, a revelação de quem é o portador e pelo que ele passou – o que motivou seu desejo pela repetição eterna – foi muito bem executada, tendo a tensão necessária, além de ter sido uma cena intensa e do autor ter usado artifícios a fim de induzir o leitor a apostar em um personagem passível de suspeitas. E não só isso, a exposição dos detalhes que justificavam as ações do portador e estavam o tempo todo distribuídos ao longo do texto também se mostrou algo positivo.
É verdade que esse é um clichê recorrente nesse tipo de trama – tudo estar na cara do leitor e ele só não ter a informação crucial que ligue os pontos até o fim –, mas não ter isso é que seria ruim, pois situações – independentemente do nível de complexidade delas – necessitam de explicações coerentes. HakoMari as dá – pode-se questionar a natureza dos atos, mas não eles em si.
Aliás, essa light novel é um exemplo de escrita interessante, pois, ela é mais enxuta, mais sucinta que um livro comum, mas ao mesmo tempo apresenta diálogos bem incisivos, complexos e que possuem a capacidade de aprofundar uma situação sem precisar se valer de trechos descritivos. Ela é capaz de ser profunda apenas por se focar em seus personagens principais e naquilo que se restringe ao ponto de vista deles.
É assim para a maioria das light novels – narrativas orientadas pelos personagens, não pelo mundo em torno deles –, mas a mão boa do autor dá uma certa compensada sem deixar de dar o dinamismo comum a esse tipo de lançamento. E isso só ajuda a fazer de HakoMari um livro melhor de ser devorado. Isso, é claro, se a trama cativar você e os twists a vista o interessarem.
Ademais, se há algo que esse primeiro volume faz bem é fechar um arco narrativo. Todavia, mesmo não havendo pistas no texto de que a história continuará, o plot dá uma margem absurda para isso. Afinal, Kazuki Hoshino continua sendo um interessante objeto de observação da “existência” que concede caixas e, ainda que a Rejecting Classroom tenha sido interrompida, nada impede que ocorram outros eventos sobrenaturais envolvendo a Maria, o Kazuki e seus amigos próximos.
Eles dançarão na palma da mão de Buda que nem macacos para sempre ou um dia conseguirão se livrar do desespero proporcionado por seus desejos mais egoístas? Leia HakoMari e você saberá. Eu duvido muito que vá se arrepender!