Dororo – ep 6 – Campos dourados
Bom dia.
Mio e as crianças nunca se limitaram a apenas sobreviver, fugir, se esconder. Eles sofreram o golpe duro da guerra. As crianças em particular, não há uma que tenha ficado inteira. São todas mutiladas e amputadas.
Só seus corpos, porém. Seria fácil, naquelas circunstâncias, ceder ao desespero, e ter também a mente espatifada. Mas acredito que elas e Mio não poderiam ter mais sorte, apesar da calamidade. As crianças encontraram alguém que se importa com elas, uma garota ainda jovem e de coração enorme que nunca poupou esforços para mantê-las vivas e bem, tanto quanto possível.
Mio, por sua vez, encontrou naquelas crianças uma razão para viver. Só assim para conseguir se sujeitar às humilhações da prostituição noite sim, outra também.
E assim, juntas, Mio e as crianças não apenas sobreviveram, como também sonharam. Tudo aquilo seria passageiro, toda a dor e sofrimento não era senão uma condição temporária que seria enfim superada por arrozais amarelos como o ouro. O esforço e o sacrifício valem a pena quando se tem um objetivo.
Exceto se você estiver no Japão do Período Sengoku. Naquela época nada valia a pena. As guerras eram brutais e sobreviver poderia ser ainda mais brutal. E no fim das contas ninguém tinha controle sobre o próprio destino.
A qualquer momento alguém poderia ser vítima de samurais assassinos, guerras devastadoras, ou da impetuosidade da natureza. Os senhores, tornados em senhores da guerra, lutavam por poder e influência abstratas. Sequer havia um prêmio para o vencedor.
Não é à toa que Dororo aprendeu tão cedo sobre o pior da natureza humana. Ele é um órfão. Ele já sabe o que é prostituição, e conhece seu lado mais violento. Por isso ficou tão chocado quando descobriu que era esse o trabalho da Mio. Memórias ruins afloraram. E também o medo.
Mas como alguém que aprendeu cedo que honra não vale nada e que mais vale roubar e viver mais um dia do que morrer de fome, Dororo em momento algum condenou Mio pelo que fazia. Essa era a escolha dela para sobreviver. Para ela e as crianças sobreviverem.
E ele ainda tinha que se preocupar com Hyakkimaru, de todo modo. Ele estava se recuperando, até mesmo criou uma prótese para sua perna perdida – e, claro, meteu uma espada oculta no meio dela.
Biwamaru alertou Dororo de que talvez Hyakkimaru tenha uma espada oculta em sua alma. Quando ele terminar de recuperar as partes de seu corpo, será plenamente humano. Tão humano quanto todos os assassinos e facínoras que Dororo já conheceu.
Alguém quer ver um Hyakkimaru desses em plena forma? Mas não é como se isso estivesse já predeterminado. Como alguém que teve negado muito do que é ser humano, que não pôde interagir com o mundo e com outras pessoas normalmente, Hyakkimaru ainda tem um longo caminho para recuperar não só o seu corpo, mas para construir a sua mente.
Esse é o papel fundamental de Dororo: ajudar Hyakkimaru a seguir o bom caminho.
Muito humano, Hyakkimaru cedeu à fúria quando chegou ao templo em chamas e encontrou apenas os cadáveres das crianças e Mio morrendo de hemorragia.
Já o vimos lutar muitas vezes. É elegante e fatal, um estilo eficiente que desenvolveu com o corpo que tem para combater demônios. Só o vimos combater um ser humano uma vez: Tanosuke, o samurai possuído pela espada demoníaca Nihiru.
Naquela ocasião, Hyakkimaru mirava sempre na espada, até mesmo deixando Tanosuke vivo, o que o outro questionou depois. Convencido de que precisaria matá-lo, o fez. Um só corte, preciso. Mortal.
Bem diferente do Hyakkimaru em fúria fatiando os inimigos enquanto urrava como uma besta selvagem. Foi por isso que Dororo se assustou e, lembrando-se das palavras do velho monge cego, impediu que o amigo continuasse.
Dororo fez o certo. Ao mesmo tempo, pode ter condenado os dois. Ao permitir que um dos samurais de Daigo fugisse com vida, Dororo permitiu que sua existência se faça conhecida. Daigo Kagemitsu vai saber exatamente com o quê está lidando quando a notícia chegar a ele.
Mas essa é uma característica dessa era: desgraçado se fizer, desgraçado se não fizer. Mio se encontrava nesse dilema também. Deveria se arriscar, atendendo os dois campos de soldados para ganhar mais?
Ela achou que valia a pena o risco. Com efeito, faltou bem pouco. Ela conseguiu comprar as sementes de arroz que sonhava antes da guerra irromper. Mas os soldados de Daigo a viram ir ao campo de Sakai. E, como era de se esperar, suspeitaram que ela fosse uma espiã.
Sim, eles são detestáveis por terem matado uma mulher e crianças, não vou diminuir o peso de seus crimes. Mas o que deveriam fazer? Ela poderia mesmo ser uma espiã. Como ter certeza que não era? Ignorar, e arriscar a própria vida e a de suas famílias caso Sakai os derrote e resolva saquear os domínios de Daigo?
Eles são detestáveis. Mas estavam em uma posição em que a única escolha possível era ser detestável. Ou o suicídio, como escolheu Jukai. Tanosuke também não teve escolha nenhuma.
Mio e as crianças morreram. Os soldados que os mataram morreram. Seu líder perdeu um braço. Hyakkimaru fez isso a eles, e ele próprio perdeu um pouco da própria humanidade ali. Ele e Dororo podem ter perdido sua paz relativa, caso Daigo decida caçá-lo ativamente. Daigo também não está ganhando o que esperava, e seu povo começa a perder até mesmo a pouca prosperidade que tiveram nos anos em que Hyakkimaru crescia.
Mas esse é o mundo em que vivem e há pouco que podem fazer a respeito. Mesmo Daigo não é senão apenas um senhor local, com poder limitado. Ele fez a maior e mais cruel aposta de sua vida ao vender um filho seu em troca de prosperidade para que ele pudesse se concentrar em aumentar seu poder, mas isso já está acabando também.
Em um mundo em que existe o sobrenatural, demônios e almas, no qual Buda intervém para salvar uma criança recém-nascida, a existência do além-vida é um dado da natureza.
Quero acreditar que, por toda a bondade que tiveram, pela vida otimista que viveram nesse mundo cão, Mio e suas crianças, não mais mutiladas e reunidas com seus pais, estejam agora descansando em um paraíso de infinitos campos dourados de arroz. Um mundo de paz e fartura.
Ao mesmo tempo, acho importante considerar que, mesmo de uma perspectiva absolutamente materialista, seu templo em ruínas já era uma espécie de paraíso na terra. Um lugar em que, a despeito da guerra, apesar das mortes e chacinas e fomes, uma garota forte, e tão forte quanto bondosa, viveu ao máximo com crianças que de outro modo teriam sido abandonadas à própria sorte para que morressem.
Mio voltava marcada pela violência que sofria todas as noites, tinha receio que a própria alma estivesse suja, mas não se envergonhava do que fazia porque sabia que era o certo, e que era justo.
Em meio ao caos, e à morte, e à destruição, aquele templo abandonado era o campo dourado possível, cultivado pelo esforço e pelos sonhos daquela garota e daquelas crianças, e durou tanto quanto foi possível.
matt kazuma
Esse episódio foi simplesmente fantástico, Dororo é o meu xodó da temporada, confesso que chorei vendo a morte dos órfãos e da Mio. O MC falar Mio enquanto a abraçava foi de doer o coração. Primeira palavra que diz já que antes foram gemidos de dor. A única parte criticável pode ser o fato dele ter recuperado a perna que o demônio tinha arrancado. Agora é o prota colocar os sonhos da Mio em realidade.
Fábio "Mexicano" Godoy
Olá Matt, tudo certinho?
Pois é, o primeiro som que escutou foram lágrimas, a primeira palavra que proferiu foi um lamento (depois de urrar de dor no episódio anterior). Não tá fácil pro Hyakkimaru.
Esse arco foi uma obra prima e o anime está de “ressaca” dele até agora! 😂