No.6 é uma leitura tão prazerosa para mim que acabou sendo a primeira obra a ter seu segundo volume coberto aqui no blog.

Ainda não decidi quais outras séries terão esse privilégio, mas uma coisa é certa, nem que precise comprar os volumes americanos garanto que a história de Shion e Nezumi será coberta até o fim por mim.

Fique a vontade para conferir meu artigo sobre o primeiro volume caso ainda não tenha lido e vamos desmascarar essa utopia juntos!

Uma das coisas mais legais sobre a série que percebi lendo esse segundo livro é que ela não precisa de um clímax convencional para prender o leitor. Na verdade, Asano Atsuko trabalha muito bem com a progressão de acontecimentos interessantes, mas não necessariamente pungentes.

É uma autora que sabe bem o que quer dizer, que não precisa de artifícios de forma para envolver o público. Não à toa tanto o primeiro quanto o segundo volumes acabam sem um clímax propriamente dito, mas deixando o leitor insaciável por mais.

A série pode se chamar No.6, mas é principalmente fora da cidade que a narrativa desse segundo ato se desenrola.

“Vida e Morte” explora o dia a dia de Shion em sua nova vida ao lado de Nezumi em uma cidade esquecida pela utopia, desprezada por ela e, diferente do primeiro ato, o que dá o tom da história não é o encontro e reencontro dos protagonistas, mas a convivência entre eles.

Shion tem que lidar não só com a nova aparência, mas com o dia a dia em uma realidade completamente nova para ele, enquanto Nezumi se encontra em seu “habitat natural”, mas é a companhia ao seu lado que o inquieta.

A dinâmica da interação entre Shion e Nezumi é um dos pontos altos desse livro, algo que pôde ser visto no primeiro, mas se desenvolve no segundo. E é uma relação complexa muito bem construída pela autora.

Shion é curioso e insiste em conhecer Nezumi melhor, mas o rato tenta escapar dessa intimidade de todas as formas possíveis. Ele tem medo dos caminhos perigosos para os quais essa relação pode o levar, afinal, Nezumi quer destruir Number Six, enquanto Shion busca a coexistência.

No primeiro volume o ódio que gera o sentimento de vingança em Nezumi fica claro e esse sentimento é atenuado nesse segundo, mas, diferente do que eu esperava isso não é esmiuçado e ao invés de gerar insatisfação pela falta de respostas me causou o efeito contrário.

Por quê? Porque se isso é algo tão difícil de revelar para o personagem deve ser uma história das boas! O comportamento de Nezumi dá a entender isso, que se abrir para ele é muito difícil e esse segundo ato é um estágio de transição até isso, de conquista da intimidade e confiança do personagem.

Só devemos conhecer melhor seu passado quando ele mesmo o revelar e para isso Shion vai precisar entrar ainda mais na mente e no coração dele, o que o leitor pode perceber que já está acontecendo devido ao atrito, e um atrito complexo, que se dá entre os dois.

Shion se sente atraído, fascinado, por Nezumi e poderia dizer o mesmo sobre Nezumi, mas ele não expressa isso do mesmo jeito. Na verdade, é sua rispidez e seu cinismo que indiretamente denunciam isso, pelo menos se pensarmos que são as formas que ele encontrou para externar sua preocupação com o garoto.

A inocência e bondade natural de Shion o irritam ao mesmo tempo em que o atraem, mas não a ponto de tornar Nezumi um salvador unilateral, e sim alguém que preza pela independência do “amigo”.

Nezumi é assim porque tenta impor seus valores para cima de Shion, os quais ele construiu devido à vida sofrida que levava.

É um tanto contraditório ele ser assim devido a sua personalidade e isso é o que mais me fascina no personagem, o quanto ele é complexo, o quanto suas qualidades não mascaram seus defeitos. É possível existir com ambos, pessoas reais são assim, né.

O elemento shonen ai se faz presente com a forma que Shion demonstra seu interesse por Nezumi, mas como a relação deles progride se aproxima mais da amizade que do romance. Na verdade, torna qualquer possibilidade de envolvimento romântico bastante justificável se eles se aproximarem ainda mais.

A autora sabe criar personagens palpáveis que desenvolvem relações sem apelo fetichista, e também sem precisar se prender a desconstruções claras de gênero. O que faz sentido visto que os moradores do local em que eles vivem têm mais com o que se preocupar; como a fome, a sede e o frio.

Aliás, o conturbado “passeio” pela cidade no segundo capítulo pode parecer forçado devido ao tanto de confusões nas quais Shion se mete, mas é certeiro em atenuar o abismo social entre a utópica Number Six que aparece no primeiro volume e o Bloco Oeste desse segundo.

O que leva a novos personagens que ao mesmo tempo em que expõem a desigualdade e a indiferença entre a utopia e o mundo exterior, dão indícios de que o passado comporta segredos envolvendo os protagonistas.

Apenas jogar isso e deixar o aprofundamento para depois também é um acerto, pois é mais um aspecto que aguça a curiosidade do leitor, e um que expande o universo apresentado.

Enfim, o quarto capítulo sai do Bloco Oeste e volta para Number Six, mas sob o ponto de vista de Karan, a mãe de Shion, e Safu, a amiga do garoto. Isso se mostra uma escolha acertada visto que a indiferença da cidade com o que se encontra fora dela é pontuada várias vezes ao longo da narrativa.

Sendo assim, para que os caminhos dos garotos e da utopia se cruzem de novo é necessário um elo, e este se encontra em Safu que fora capturada, mas como a situação será tratada termina como uma incógnita, pois Asano sabe a hora certa de parar. De parar e deixar o leitor ávido por mais!

De positivo fica o aprofundamento dado às personagens femininas, necessário para que desempenhem papéis ainda mais importantes na trama. Por outro lado, a expansão de mundo promovida pela caracterização do Bloco Oeste e o aparecimento dos novos personagens corrobora com a máxima de que a cidade utópica não é aquilo que parece.

O único detalhe que me incomodou ao longo da leitura foi à inserção de alguns diálogos expositivos desnecessários. Curti as citações nos inícios dos capítulos, mas certas demonstrações gratuitas de conhecimento técnico não, ainda mais quando a escrita é tão satisfatória ao explorar o emocional dos personagens.

Aqueles que vivem no Bloco Oeste são as vítimas da utopia, desprezadas até o momento em que se tornem uma pedra no sapato para a perfeição sufocante e segregante de Number Six. Nezumi é inimigo disso e Shion não, o que alguma hora colocará os dois em lados opostos? Veremos com o prosseguimento dessa história!

#PrayforKyoAni

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