Ascendance of a Bookworm — Honzuki no Gekokujou: Shisho ni Naru Tame ni wa Shudan wo Erandeiraremasen —, que traduzindo fica algo como “A Ascensão de uma Viciada em Livros”; é uma light novel escrita por Miya Kazuki e ilustrada por You Shiina.

A obra tem anime marcado para a temporada de outono de 2019 e é mais um isekai? É mais um isekai. Mas isso é um problema? De forma alguma, pois as facilidades comuns aos protagonistas de isekais contemporâneos são varridas para debaixo do tapete aqui e o que sobra é uma heroína feminina que precisa dar duro para conseguir o que quer.

Na história somos apresentados a Urano, uma estudante viciada em livros que morre como sempre sonhou, sendo soterrada pelo objeto de seu desejo. A garota então acorda sob um teto não familiar e percebe que está no corpo de uma frágil garotinha se esvaindo em febre, Myne, que pereceu e teve sua consciência substituída pela de Urano.

Contudo, nem tudo sai às mil maravilhas e o pedido que ela fez de reencarnar em um mundo cercado por livros não foi atendido, muito pelo contrário, sua família é pobre e o mundo no qual ela acorda tem muitas diferenças para com o Japão do século XXI.

A pior delas? Livros só são acessíveis para os nobres. É então que Myne traça o objetivo de produzir seus próprios livros e assim começa sua aventura.

Bookworm não apresenta uma escrita rebuscada e muito menos se desprende da simplicidade estrutural comum a uma light novel, ou da mania que muitos autores de isekai tem de detalhar partes não muito interessantes, mas algo me parece claro desde as primeiras páginas, a protagonista é inspirada em quem escreve a narrativa.

Talvez em uma escala menor, mas tenho certeza de que Miya ama os livros e, por tabela, a literatura.

Afinal, a história trata de jornada de uma viciada em livros para obter livros para ler, nem que ela mesma precise fazê-los. A narração se dá em primeira pessoa e tirando um capítulo extra e o epílogo, o que o leitor acompanha é a visão que Myne tem do mundo ao seu redor, um mundo de livros praticamente inacessíveis a alguém pobre como ela é.

Em um isekai clichê ela conseguiria livros em um passe de mágica, mas não é bem assim, pois além de sua condição financeira, a sua condição física ruim também a atrapalha em seu objetivo.

No epílogo se levanta a possibilidade de isso ser revertido em algo positivo no futuro, mas devo me ater apenas ao primeiro volume da extensa série, de web novel para light novel entrando na casa dos dois dígitos de volumes.

Em que o caminho tortuoso de Myne para pelo menos produzir material no qual possa escrever em cima, seja argila ou madeira, gratifica a menor das conquistas resultantes de seus esforços. E não só dos dela, afinal, ninguém vive sozinho, né.

Primeiro, é Tuuli, a irmã mais velha que ajuda Myne nas pequenas tarefas do dia a dia e em suas empreitadas mirabolantes para conseguir o que precisa, depois é Lutz, o amigo da vizinhança de mesma idade que é forte e gentil.

No meio disso tudo, Myne conta com a ajuda, e um pouco do contrário, dos pais, de Otto, um empregado de seu pai que a ensina a ler e escrever em troca de ajuda com papelada e matemática, e de quem mais aparecer em seu caminho, pois não demora para Myne entender que sozinha ela e bem limitada no que pode fazer de trabalho braçal, mas em compensação sua experiência na vida passada a permite compensar um pouco essa desvantagem.

Não o suficiente para que tudo dê certo como ela gostaria, é verdade, mas, repito, esse é um grande trunfo da obra, sua construção lenta e gradual mostrando todas as adversidades bastante lógicas que acometem uma garota fisicamente incapaz em um entorno praticamente desconhecido e nada favorável as suas ambições.

Falta a heroína senso comum para entender melhor seu mundo, mas diferente do que ocorre em Kenja no Mago, a garota aprende vivendo as experiências e sabe dosar bem suas atitudes de acordo com a pessoa que ela foi e, na verdade, continua sendo; sua experiência como Myne a acrescenta muitas coisas também.

A história é menos cômica que o isekai citado acima e mais voltada para a ideia da jornada, da dificuldade que engrandece o feito realizado. Para Myne, originalmente Urano, livros são tudo e se ela tiver que sofrer contínuos fracassos para obtê-los é certo de que pagará esse preço.

Sua obstinação é só uma das muitas características que a tornam uma personagem tão aprazível, pois não a falta bondade, sem deixar de ter a lucidez suficiente para favorecer a si sempre que possível, discernimento, o qual não a impede de se deixar levar pela empolgação e cometer erros bobos, e muito menos coragem, para levar várias rasteiras da vida e ser capaz de se erguer de novo.

Ela ri, faz careta, chora, saltita de alegria, é forte, é frágil, pensa primeiro em si mesma, mas aprende a prezar por sua família e amigos com a convivência. Inclusive, suas reflexões sobre como se sentir sobre a família que “ganhou” e a situação em que se encontra são todas muito boas.

Não é todo dia que conheço um isekai em que a personagem principal lamenta tanto ter morrido. Isso é muito por causa da falta de livros nesse outro mundo, é verdade, não é como se ela desse grandes demonstrações de saudades não ligadas a isso, mas também há vários outros detalhes que dificultam sua adaptação no cenário em que se encontra e ela põe a caixola para funcionar a fim de lidar com eles.

O que, inclusive, deve ser útil mais à frente na trama. Gosto de como autores de light novel têm o costume de jogar esses elementos para aproveitá-los depois e acho que Miya faz isso muito bem, quebrando o clichê da “genialidade” da protagonista de isekai sem deixar de criar condições para que ela alcance seu objetivo.

Aliás, a Myne não deixa de ser um prodígio a seu modo, a diferença está justamente na quantidade de percalços que ela precisa superar para conquistar algo. Essa construção dá ares mais realistas a narrativa e, ainda que seu físico aquém seja uma grande desvantagem, a possibilidade de ele simbolizar oportunidades futuras compensa um pouco.

Não precisa ser 8 ou 80, dá para construir uma história do gênero isekai em que a protagonista deve conseguir tudo o que quer com dose equivalente de esforço para isso. Ao menos é assim que Bookworm dá a entender que vai ser.

Gostei também da construção de mundo apresentada, ela se assemelha a de Nouryoku, é um mundo onde crianças já precisam assumir muitas responsabilidades, mas vai além, já que as crianças são ainda mais jovens.

Em compensação, tudo fica na esfera do slice of life, Bookworm não dá a entender que será uma série de fantasia com ação. Talvez de livros com fantasia, porque os livros certamente aparecerão.

Esse volume um termina com um acerto que dá a Myne o vislumbre de seu objetivo, mas nada tão concreto aponta para ele, o que denota mais percalços, mais esforço e, principalmente, fatores imprevistos que certamente influenciarão no resultado final de seus esforços, seja para o bem ou para o mal.

E não é assim que é a vida? Até certo ponto você consegue planejar as coisas, mas há momentos em que não depende só de você e isso por vezes vai levar ao fracasso, mas em outras pode levar ao sucesso.

Não compro a ideia de que a Myne desistiria de tudo perto do fim do volume, mas não o fez por causa do amigo; que, aliás, fica parecendo que se tornará um interesse amoroso em um ponto futuro da obra, acho que inconscientemente tanto ela queria muito não desistir, quanto também amadureceu ao passar a se importar tanto com outra pessoa.

Por fim, muito pouco me incomodou na novel e o fato da protagonista ser uma bookaholic certamente pode estar influenciando meu julgamento, mas pelo menos o primeiro volume é muito bom. Dá um frescor a um mercado já tão saturado de isekais com pouco de “novo” a oferecer.

Myne, ex-Urano, passa por um caminho tortuoso sim, mas que de maneira alguma é indigno, e se você quer acompanhar a história de uma moça viciada em livros (quero cada dia me parecer mais com a Myne, confesso) tentando buscar seu lugar ao sol, claro, com um livro na mão, então essa light novel, e por tabela seu anime, é mais do que indicável a você!

Até a próxima!

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