Kenja no Mago é uma light novel de autoria de Tsuyoshi Yoshioka com arte de Seiji Kikuchi que ainda está em lançamento, já tem adaptação em mangá e ganha seu anime na temporada de abril de 2019.

O que esperar de mais um isekai advindo de light novel? Clichês por todos os lados e uma trama sem a capacidade de passar a sensação de perigo real? Não exatamente. Entre erros, mas principalmente acertos, a história daquele que reencarna e se torna neto de um grande mago mostra um brilho que, se não é mágico, prova que um isekai contemporâneo pode ser bom sim. Leia meu artigo e confirme.

Em sua vida passada, Shin Walford era um humano em um mundo sem magia, o nosso mundo. Mas a pessoa que ele era antes perde a vida em circunstâncias que não ficam tão claras. Isso realmente não importa, não com a nova vida que ele ganha, reencarnando no corpo de um bebê, enquanto mantém a consciência e as lembranças de sua vida passada.

Por sinal, o bebê é bem sortudo, afinal, é salvo da trágica cena do acidente que ceifara a vida dos pais, e por um mago poderoso, admirado como herói em um país vizinho e detentor do desejo de tornar esse bebê seu neto. Ensinando-o tudo o que sabe.

Shin ganha esse nome e vira neto de Merlin, aquele que não só o ensina a usar magia, como também pede a seus amigos que o ajudem a treinar em outros quesitos – principalmente em combate físico e na criação de artefatos mágicos.

Não vou me alongar ao comentar os primeiros capítulos, mas afirmo que gostei deles terem tido um ritmo mais lento, e terem mostrado a vida do menino antes de atingir a maioridade.

Detalhes como as maneiras criativas de usar magia, a experiência em matar demônios, o isolamento da vida em sociedade e o progresso de Shin em todos os tipos de treinos que praticava; foram satisfatórios em criar a base para o que o personagem demonstra ser no decorrer das páginas do livro.

Outro detalhe muito importante e que ajuda a tornar a trama consistente – mesmo quando não tão interessante – é o fato do grande poder do protagonista ter sido algo muito bem construído.

Primeiro, qualquer pessoa pode usar magia nesse mundo, mas é necessário que um mago tenha uma imagem mental bem formada para tanto. Segundo, a imaginação do indivíduo é o divisor de águas no que tece a desenvolver o potencial de um mago. Terceiro, todo o treinamento dele ao longo de cerca de 15 anos teria que dar algum fruto, né?

Diferente do que ocorre na maioria dos isekais, sua “ força” não aparece do nada ou carece de um dispositivo tecnológico de seu mundo para isso. Ele a constrói, desenvolve seu potencial como alguém que veio da época em que a força da imaginação de qualquer pessoa poderia ser enorme e esse talento aliado ao esforço moldam o jovem em um mago poderoso.

É clichê no isekai contemporâneo o protagonista ser overpower, mas isso deixa de ser problema caso o motivo dele ser assim tenha explicação. Não à toa ele foi criado e treinado por um mago poderoso, né? É uma boa justificativa o contexto dado a criação dele, mas é claro que haveria um, “porém”, né?

Shin desconhece o senso comum desse mundo e apesar de que seria possível tentar seguir um senso comum obtido em sua vida passada, as sensíveis diferenças vão aparecendo aos poucos e o pretexto para o garoto ir para a cidade e lá estudar na melhor escola de magia não é tão ruim. Ele é tão jovem quanto poderoso, e já que se tornara adulto a altura dos 15, adquirir tal sensatez se fazia necessário.

É conveniente como a trama se desenvolve, mas esse é dos menores problemas que se pode ver em um isekai. Além de que, seu avô – e a avó que ganha e leva a tiracolo para sua nova vida – são heróis lendários, então não é estranho que esperem mais dele nem que ele possa corresponder todas essas expectativas. Isso vendo todo o preparo, e experiência, ainda que não com gente, que acumulou até então.

Aliás, outro detalhe que me agrada é que a surpresa diante de seus efeitos não é exacerbada, ela existe e isso seria comum mesmo, mas chega a hora em que dá para saber mais ou menos o que esperar. Acho que isso ficou bem equilibrado. No geral, o esqueleto da obra é muito bem montado e só tenho mesmo a reclamar um pouco, mas elogiar também, sobre o que tece aos personagens.

Não são mal escritos e muito menos mal aproveitados, mas sabe quando você lê e sente que eles podem “dar” mais, que há espaço para tanto? Isso faria a light novel ser mais longa? Com certeza. Ela não é ineficiente naquilo que se propõe – introduzir o protagonista, o mundo e definir a base da história –, é só que vão surgindo um bom número de novos personagens e eles não são tão “aprofundados”.

O príncipe, o interesse amoroso e a amiga são os que mais têm destaque, mas – ao menos no segundo caso – faltou um pouco de desenvolvimento do que está na cara que vai virar romance. Não recordo uma cena em que os dois ficaram a sós ou que a paquera teve algum avanço, o que é uma pena, pois a Sicily é simpática e minimamente bem desenvolvida.

Pode ter parecido mero detalhe, mas a forma que ela se culpou por achar que estava tomando vantagem do Shin me fez gostar mais dela do que o seu jeito envergonhado e desajeitado. Após admitir sua fragilidade e pedir ajuda ela se questionou e foi capaz de manter sua integridade, não é algo que me passe batido. A Sicily dá a entender que tem muito mais para entregar enquanto personagem, e claro que isso pode ser feito nos próximos livros.

Até dou um desconto porque o volume inicial tem que ao menos trabalhar bem seu protagonista e o autor de Kenja se esforça nisso, conferindo a Shin uma personalidade apreciável. Shin é alguém cujas ações e pensamentos refletem a experiência da vida passa sobreposta a sua vida atual, mas isso sem trazer à tona uma carga dramática ou desiludida sobre a vida. Afinal, muito do que acontece com ele é totalmente novo, mas não é como se ele não tivesse o traquejo de alguém que um dia já foi adulto.

Enfim, Kenja me conquistou foi nos detalhes, mas também, porque todo o plot é bem simples, mas é bem encaixado. A sequência de acontecimentos – apesar de várias vezes parecer muito conveniente – faz a narrativa fluir bem, enquanto são deixadas pontinhas que certamente serão aproveitadas nos volumes seguintes.

Como o plano do vilão, o que provocou a separação de Merlin e Melinda e como eles vão reatar o relacionamento – porque isso deve acontecer, anota aí! –, o desenrolar amoroso da Sicily com o Shin, as situações do dia a dia que vão desenvolvendo a amizade de Shin com os colegas, a suspeita – isso deve ser só eu vendo fumaça onde provavelmente nem tem fogo – ação do príncipe de nunca deixar o local em que o Shin luta, etc.

Aliás, gostei da relação do Merlin e da Melinda e juro que vou ficar na torcida pelos dois, assim como pelo Shin e a Sicily. Essa “suspeita” que tenho do Gus deve ter sido só uma impressão errônea minha, mas o fato é que o vilão aparece no capítulo final e a luta dele com o protagonista se prova muito boa, concluindo um primeiro volume de escrita simples, mas nem por isso ruim ou medíocre.

Detalhes como mostrar os alunos se apresentando ou dar certo contexto a diversas características do reino e da sociedade aprofundando os personagens e o mundo quando oportuno foram outros acertos dignos de nota. Verdade é que o pouco que tenho a reclamar sobre a light novel é que achei que ela poderia mais, mas ainda assim foi satisfatória.

Como o último adendo, o conceito dos demônios me agradou bastante, porque, apesar de ser bem simples, encaixa muito bem com a obra e acredito que não servirá apenas para evidenciar o quanto o Shin é forte. Há com isso uma oportunidade de expansão da trama e acho que ela será aproveitada agora que o Shin tem um inimigo cujo plano ele deve se esforçar para impedir.

Tudo isso com imaginação, inteligência e um constante aprendizado sobre o que é senso comum nesse mundo. O neto do mago é uma light novel divertida, um isekai que sai um pouco da curva, mas não tanto, e, com certeza, indico tendo a consciência limpa de que estou dando uma boa indicação. Até a próxima! Dê asas a sua imaginação!

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