Vinland Saga – ep 13 a 16 – Ó Fortuna!
Bom dia!
Normalmente não escrevo um artigo só cobrindo tantos episódios ao mesmo tempo, mas estou bastante atrasado e acho que nesse caso vai dar certo. Confie em mim, ok?
A Fortuna do título é a deusa romana da sorte, destino e esperança. Muitas pessoas, provavelmente desde sempre, tratam a sorte ou o destino como algo místico, sobrenatural ou mesmo divino. Muitas obras de ficção também. Mas esse não é o caso de Vinland Saga.
Ninguém apela aos deuses ou ao sobrenatural para mudar, adivinhar ou questionar o destino. Não o fazem os pagãos vikings, tampouco o fazem os cristãos.
Anne, em particular, que foi a personagem mais bem posicionada no enredo para isso, não o fez. Ao invés, em meio ao choque, ela pôde apenas implorar a Deus para que sua família estivesse agora ao Seu lado.
Uma ladra por impulso, não por profissão, é verdade, Anne já vinha há algum tempo duvidando que houvesse para ela própria um lugar no Paraíso. A promessa do Inferno a assustava, mas, além disso, separar-se da família era o que mais doía. Naquele momento, doeu demais.
O Inferno de Anne foi sobreviver à sua família e continuar carregando seu pecado impune, enquanto todos os que lhe eram queridos haviam sido trucidados.
Mas ela não questionou os desígnios divinos. Tampouco lamentou a sorte (ou a falta dela).
Se tivesse sido escrito dois séculos mais cedo, e se a pobre Anne fosse mais supersticiosa, talvez pudesse ter declamado, enquanto olhava incrédula para os céus, O Fortuna:
O Fortuna
velut luna
statu variabilis,
semper crescis
aut decrescis;
vita detestabilis
nunc obdurat
et tunc curat
ludo mentis aciem,
egestatem,
potestatem
dissolvit ut glaciem.
Ó Fortuna
és como a Lua
mutável,
sempre aumentas
e diminuis;
a detestável vida
ora oprime
e ora cura
para brincar com a mente;
a miséria,
o poder,
ela os funde como gelo.
Você já conhece esse poema medieval. A sua versão que faz parte da cantata composta por Carl Off e publicada em 1937 é uma das músicas eruditas mais famosas.
Em Vinland Saga, nesses episódios, a sorte surge como um tema recorrente, mas ela não é algo místico, ela não vem de outro mundo. É apenas um atributo dos homens, como força ou inteligência. E, assim como essas, eventualmente pode acabar também.
Antes que o corpo de Askeladd começasse a sentir o peso da idade, antes que a sua mente começasse a ficar senil, foi a sua sorte que começou a se esgotar.
À rigor, Askeladd não tomou nenhuma decisão errada. Imorais sim, várias, mas não é disso que estou tratando. Askeladd tomou em todos os momentos as decisões mais racionais possíveis para cada obstáculo que se interpôs no caminho de sua tropa.
Ao contrário do que fez noutras ocasiões, Askeladd foi até mais rígido do que de costume. Não quis correr nenhum risco. Não fez nenhuma aposta.
E, mesmo assim, uma coisa deu errado atrás da outra.
Note que, apesar de tudo o que deu errado, sua performance foi notável. Seus homens estavam conseguindo fugir de Askeladd. A ideia de destruir a ponte foi realmente uma boa ideia, apesar dos protestos de seus homens. Provavelmente, se nada mais desse errado, seria suficiente para que prosperassem em seu intento de chegar às forças principais dinamarquesas.
Mas seus homens estão estressados e não querem mais correr riscos. Bom, eles acham que se entregar, com Canuto, para Thorkell, não colocará suas vidas em risco, mas fazer o quê? Sabedoria também é algo que alguns têm mais do que outros. Exaustos, com medo, esses homens estão sob pressão demais para conseguir usar a pouca que têm.
E até isso Askeladd viu e previu. Tanto quanto possível, ele está preparado. Mas será que conseguirá sair dessa?
Se qualquer coisa, considere que em uma boa história de ficção nada é por acaso. A sorte de Askeladd acabou imediatamente após descobrirmos sobre seu passado e suas verdadeiras intenções. Não foi imediatamente dentro da história. Eles devem ter marchado por dias ou semanas em Gales ainda. Mas foi imediatamente para nós, espectadores, a quem não foi apresentado tudo o que ocorreu durante esse pé da jornada.
O destino não está escrito, mas as circunstâncias já estão dadas. Existe um número finito de escolhas possíveis que podemos tomar a cada momento e que podem mudar o rumo de nossas vidas.
As circunstâncias dos habitantes daquele vilarejo eram terríveis. O que poderiam ter feito, além de nada, que mudasse seus destinos? Anne sobreviveu por puro acaso.
E sua sobrevivência foi mais uma circunstância contra Askeladd e que estava totalmente além de seu controle. Tenho certeza que seus homens vasculharam os arredores tanto quanto lhes pareceu razoável no meio daquela forte nevasca à procura de quem pudesse ter escapado. Na manhã do dia seguinte seus rastros haviam sido cobertos pela neve.
No artigo anterior eu tratei sobre os motivos para lutar que cada um dos personagens de Vinland Saga tem. Quais seus objetivos, a sua determinação. Em vista das circunstâncias, da sorte, se quiser, o que faz diferença é a determinação de cada um.
Todos estamos, no final das contas, sujeitos ao destino, da forma como eu o defini. Reis e escravos estão sujeitos às circunstâncias que os afetam. Askeladd diria que somos todos escravos das circunstâncias.
Eu questionei, antes, qual seria a determinação de Canuto, ou se ele viria ainda a ter alguma. E não escrevi, mas acreditava que Ragnar queria protegê-lo apenas para obter vantagens políticas, mais ou menos como pretende Askeladd ou como Thorkell considerou enquanto conversava com um de seus homens, lamentando por terem perdido o príncipe.
Mas eu estava errado. Por razões que acredito que não descobriremos, pareceu-me que Ragnar realmente tinha por Canuto o amor de um pai por um filho. E essa era, então, sua razão para lutar, a fonte de sua determinação.
Quero dizer, estou acompanhando Askeladd e torcendo pelo seu sucesso, e o Ragnar em particular sempre foi um personagem irritante. Mas naquele momento fatídico no episódio 15 havíamos acabado de conhecê-lo melhor e entender sua relação com o príncipe. (Mais ou menos como acabamos de descobrir os motivos de Askeladd, aliás…)
E não apenas isso, mas ele foi atraiçoado. Eu já esperava que ele morresse, mas que fosse uma morte honrada, em batalha, não emboscado e perfurado pelas costas. Eu fiquei furioso e desejei profundamente que Ragnar derrubasse alguns com ele.
O problema é que se fizesse isso seria sumariamente executado pelos demais, e isso ele não poderia aceitar. Ele precisava falar com Askeladd. Ragnar precisava pedir para o homem que conspirou contra ele que jurasse proteger Canuto, como ele próprio havia protegido.
Confiou a Askeladd a vida do príncipe e a verdade sobre a corte dinamarquesa. Se Ragnar não ama Canuto como um pai a um filho, não tenho explicação melhor para a grandeza que testemunhei, do tipo que prescinde de espadas, que não conhece inimigos. Do tipo que Thors tentou ensinar a Thorfinn.
E acredito que Canuto também tenha uma motivação: sobreviver no ninho de víboras que é a corte de seu pai. Ele luta para sobreviver, mas a sua luta é do tipo invisível, silenciosa. Por isso ele é tão retraído, porque seu sucesso é não atrair para si nenhuma atenção.
Mas as circunstâncias ao seu redor estão mudando rápido e Canuto provavelmente será obrigado a lutar de outra forma se realmente quiser sobreviver. Acredito que ele não esteja muito longe de realizar isso.