[sc:review nota=3]

Um episódio interessante, com bastante potencial, pouco aproveitado é lógico, afinal estamos falando de Cross Ange, mas quem sabe o final pelo menos não possa ser bom? Ou servir para colocar o anime em um bom rumo? Ange e Hilda se separam, e cada uma vai procurar sua respectiva família. Ange para salvar a sua, Hilda apenas para reencontrar. O anime intercala a história das duas e mostra mais uma vez como esse é um mundo cruel com as normas. Será que em um mundo assim podemos confiar em alguém? Ora, logo no primeiro episódio vimos a princesa até então amada do Império Misurugi passar a ser odiada em um instante e um golpe de estado ser executado com sucesso apenas porque ela é uma norma. Mesmo conhecidos próximos de Ange são vistos olhando com ojeriza para a princesa. Mas pelo menos os vínculos familiares são mais fortes do que isso. Seus pais tentaram protegê-la, bem como a mãe daquela bebê norma tentou proteger sua filha, e como visto nesse episódio, a mãe de Hilda também tentou protegê-la. Então a família é o último refúgio seguro de uma norma. Não é?

De fato, o anime poderia ter explorado um pouco mais o tema do preconceito contra normas. Da forma como está continua me parecendo muito artificial, e não sei, parece que estão confundindo preconceito com ódio puro e simples. Quero dizer, nem todo preconceito se traduz em ódio. Em geral, preconceitos que deságuam em ódio são preconceitos de origem, etnia, religião, aqueles preconceitos em geral que se originam do medo da pessoa que é diferente mas é tão capaz quanto você. Mas há também preconceito por pena, dirigido àqueles vistos como deficientes, pessoas doentes física ou mentalmente, ou de alguma outra forma claramente menos capazes. Nisso se encaixam paralíticos, cegos, os afligidos pelas diversas demências, entre outros. Contra eles não há ódio, mas sim o excesso de pena que leva a subestimar as reais capacidades das pessoas. Sim, um deficiente visual enxerga bem pior (quando enxerga) do que alguém que enxerga perfeitamente (um “vidente”, no jargão dos deficientes visuais), mas acredite ou não, eles são capazes de viver sozinhos, cuidarem de si mesmos e de suas próprias famílias, trabalhar, se locomover sozinhos, entre outras tantas coisas que muita gente acharia incrível. Não é incrível, eles só precisam aprender a fazer de outro jeito o que videntes aprendem a fazer com auxílio da visão, e funciona muito bem para praticamente tudo. Não obstante, por causa do preconceito, eles, bem como outros deficientes ou debilitados em geral, têm menos oportunidades que pessoas perfeitamente saudáveis porque elas são a maioria e não acreditam que eles possam fazer as mesmas coisas que elas. Sim, estou sendo preconceituoso com os preconceitos ao generalizar, mas pela minha visão é mais ou menos assim que funciona.

Está entendendo onde quero chegar? As normas, tecnicamente, não são “o outro”. Tanto que elas nascem de gestações normais de pessoas normais. Elas não são outra raça, elas não têm outra crença, nada disso. Mas ao não conseguirem usar magia, elas se qualificam como uma minoria menos capaz que a grande maioria, que pode usar magia. Apesar disso elas são tratadas como monstros. Por quê? Quando isso começou, e com qual propósito, se houve algum? Eu acredito que haja propósito e tenha a ver com a caça aos dragões e, talvez, a própria origem da magia no mundo. Só que a série está chegando na metade e não tocou no assunto ainda. Até agora as normas continuam parecendo apenas deficientes, mas mesmo assim são tratadas como monstros que não merecem existir, que não podem viver junto das pessoas normais. E é um tipo de reação tão uniforme, algo tão forte e tão enraizado no fundo da mente de todas as pessoas, aparentemente, que me parece que elas sejam doutrinadas a pensar assim.

Mas o anime não se atreve a tocar nesse assunto assim como ele não se atreveu a tocar nas maquinações políticas em Misurugi após a queda da princesa. E essas foram irrelevantes para a história? Muito longe da verdade! E esse episódio é a prova disso. Até o episódio anterior, pelas pistas falsas dadas pelo anime, eu fui levado a acreditar que o Império Misurugi não existia mais, que mesmo o irmão teria sido deposto e estaria em perigo agora. Que nada, ele continua sendo o governante e o país continua pacífico como sempre foi, só não se chama mais Império Misurugi. Imagino que ele próprio tenha escolhido mudar de nome para reforçar sua própria autoridade e o rompimento com o passado “pecaminoso” de sua família. Mas qual o nome novo então? Sei lá. Ninguém fala. Talvez até se chame Misurugi ainda e não tenha havido nenhuma troca de nome, as outras nações apenas não reconhecem mais o governo de Misurugi como legítimo e por consequência o próprio país, mas não fazem nada a respeito disso além de riscar o nome dele nas placas.

Agora, sobre as famílias, o que posso dizer? Não, elas não são o refúgio de ninguém. No artigo sobre o primeiro episódio eu levantei a possibilidade de no futuro a princesa Sylvia se ressentir da irmã por qualquer coisa que viesse a lhe acontecer sob o jugo de seu irmão, e digamos que acertei metade disso. O caso da Hilda é mais claro: passado tempo suficiente, sua mãe foi novamente doutrinada a crer que normas são monstros e apagou a filha da memória. Ela até teve outra filha e deu a ela o mesmo nome: Hilda. Nota à margem: não apareceu o pai de nenhuma das Hildas, bem como não havia aparecido o pai daquele bebê no primeiro episódio. Ange e Tusk são os únicos personagens com pai até agora. Será que mulheres conseguem se reproduzir magicamente sem um homem nesse mundo? Voltando, a Hilda Segunda fica tão apavorada na presença de uma norma que chega a desmaiar, e sua mãe então implora a Hilda Primeira que vá embora. Dirige palavras duras a ela, mas promete não entregá-la, o que claro, foi uma mentira. Hilda é apanhada pela polícia à porradas e presa, embora esteja tão frustrada a essa altura que nem se importe com isso mais.

Com Ange infelizmente é ainda pior. Sua irmã estava com tanto ódio dela que fingiu estar em perigo, a atraiu propositalmente para o castelo e tentou ela própria esfaqueá-la. No final Ange é presa e suponho que seu irmão pretenda condená-la à morte para reforçar ainda mais sua autoridade. Lógico que acredito que a princesa Sylvia tenha sido convencida a participar de pantomima perversa pelo irmão, mas o ódio era dela própria, genuíno. Acredito não ser o caso, mas nessas circunstâncias não dá para descartar nem mesmo a participação de Momoka nessa pequena conspirata: sem ela na ilha nada disso teria sido possível, certo? E a parte que eu errei: Sylvia odeia Ange porque ela é uma norma, só isso, sem nenhuma relação com o fato dela ter ficado para trás. Talvez o irmão não tenha cumprido sua palavra de “reproduzir” a família com a própria irmã ainda, talvez ela esteja sendo bem tratada, vai saber. O fato é que Sylvia odeia Ange porque ela é uma norma, e é porque ela é uma norma e ela a odeia que Sylvia atribui a Ange a culpa por coisas como a morte de sua mãe e o acidente que resultou em sua paralisia. Esse mundo é muito errado, só é uma pena que Cross Ange toque nisso muito superficialmente, porque o tema é bastante interessante quando bem trabalhado. E isso não vai mudar tão cedo. Pela prévia do próximo episódio, Ange já estará de volta em Arzenal. Foi só um episódio para mostrar que normas não têm ninguém em quem possam confiar. E para Sylvia esfaquear Ange e Hilda ser espancada por policiais.

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