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Em artigos anteriores eu falei mais de uma vez sobre a literatura de detetive clássica, e sobre como Game of Laplace poderia ser, de alguma forma, um anime do gênero, seguindo em linhas gerais suas regras e convenções. E quando se fala de regra em literatura de detetive clássica não é só uma metáfora ou força de expressão: ela têm regras mesmo. Embora não exista só um conjunto de regras, algumas regras existem em todos eles. Uma dessas “regras de ouro” foi quebrada nesse episódio. Isso é bom ou ruim? Bom, depende, como não poderia deixar de ser, de você!

Antes de dizer qual regra foi quebrada, contudo, quero te perguntar: você gostou desse episódio? Porque é isso o que importa, e não quero mudar sua percepção. Não estou aqui para isso. Meu objetivo é discutir os animes sobre os quais escrevo e aumentar a nossa percepção sobre eles – nossa, a minha e a sua. Só o fato de eu me dar ao trabalho de escrever me dá oportunidade de pensar mais. As discussões que se seguem com leitores depois me oferecem uma oportunidade ainda melhor de enxergar o que eu ainda não havia enxergado. Para você é o óbvio: eu exponho aqui minhas observações para quem tem interesse em ler um ponto de vista diferente, às vezes mais aprofundado, às vezes não, e pela discussão também. Discutam mais comigo! Senão vou achar que todo mundo concorda com tudo o que eu digo, e embora isso possa parecer bom, na realidade a ideia de um mundo em que todo mundo concorda com você é bem chata e monótona. Por isso eu pergunto: você gostou desse episódio?

Eu confesso que me decepcionei um pouco. Nem tanto por não ter gostado da história em si (eu gostei), mas mais porque eu esperava algo diferente. Como você já deve ter imaginado a essa altura, eu esperava algo mais clássico. E por que esse episódio, ao contrário dos anteriores, não pode de forma alguma ser considerado uma peça de literatura de detetive clássica?

Já toquei nisso noutros artigos e repito para reforçar aqui: a literatura de detetive clássica era um jogo. Um jogo jogado entre escritor e leitor, onde naturalmente o objetivo do leitor era descobrir o criminoso antes do escritor revelá-lo, e o do escritor era escrever uma história que seu leitor não conseguisse descobrir o criminoso por conta própria. Apenas com isso em mente, parece óbvio que há uma vantagem injusta e insuperável a favor do escritor. E se ele puder escrever o que ele quiser, do jeito que ele quiser, há mesmo. Mas se isso é um jogo, e é, ele tem regras que o governam para garantir que seja possível que qualquer um vença (mas não necessariamente que o escritor deixe de estar em vantagem; essa vantagem apenas se torna limitada, controlada). Como eu já disse, não havia apenas um conjunto de regras, mas vários. Porém eles possuíam algumas regras em comum. E uma delas foi quebrada de forma incontestável nesse episódio: o criminoso jamais deve ser um membro das formas policiais ou de investigação.

E então você vai dizer “mas e daí?”. E eu vou responder “sei lá, você tem razão, isso não afeta Game of Laplace”. Quero dizer, o anime se propôs a ser a celebração das obras de um escritor específico (e já bem tardio no gênero), não do gênero em si. Por isso eu fiz tanta questão de perguntar antes se você havia gostado. Eu estava aqui acreditando que a série inteira acompanharia de perto a literatura clássica de detetive, mas isso não aconteceu, então foi inevitável eu me sentir um pouco frustrado. Mas e o episódio? O episódio não foi ruim.

Iguana Negra, a criminosa presa com mais poder que a polícia

Iguana Negra, a criminosa presa com mais poder que a polícia

Lembra do que eu disse sobre o episódio anterior, sobre como ficamos revoltados diante de injustiças? Algumas injustiças nos revoltam mais do que outras (por isso a literatura de detetive clássica costumava ter outra regra – nada menos que um assassinato deve ser objeto da investigação; mas ah, desculpe continuar insistindo nisso, eu não resisto). O passo seguinte da revolta, que eu especulei pudesse ser o destino do Homem Sombra, é tomar a justiça em suas próprias mãos. O vilão do quarto episódio foi o Vinte Faces (que tem uma face só, de caveira, mas quem liga), cujas vítimas eram sempre anunciadas com antecedência e eram sempre bandidos que de alguma forma escaparam da justiça. Com ajuda de uma criminosa presa (algo comum nesse tipo de história) Akechi conseguiu a soltura do vilão do episódio anterior (uma criminosa presa ter esse tipo de poder já não é tão comum), aquele gordo pedófilo assassino de garotinhas. A comoção causada pela soltura de um bandido cujos crimes ainda eram tão recentes forçou o Vinte Faces a agir, e o Akechi o pegou. Era o detetive Kagami, aquele responsável pela conexão entre a polícia e Akechi. Imagino que destino a série terá se Kagami for preso, o Nakamura é esquisito demais para simplesmente ocupar seu lugar, e a série é curta para eu imaginar um novo personagem. Talvez ele não seja preso? Seria mais uma excentricidade. Melhor eu parar de pensar em termos de regras e tentar só me divertir, né?

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