Esse foi o caso 23, o próximo será o 24, e assim o anime vai se encerrar e terá me dado esperanças vãs de que talvez tivesse uma segunda temporada por causa da numeração cronológica dos casos. Duas temporadas, 24 casos, 24 episódios, faria sentido. Mas se o 24 já é o próximo, e é esse arco sem dúvida conclusivo que estamos assistindo, então nada de segunda temporada. Talvez a numeração tenha sido assim para deixar a possibilidade aberta? E no final não vingou.

Mas não acho isso um problema. Como também não vou achar um problema se ignorarem tudo e ainda assim produzirem uma segunda temporada – vai faltar reunificar o país ainda, certo?

Não que a política seja realmente o foco de Princess Principal. Não é mesmo. Tampouco a espionagem, aliás. Na maioria dos episódios a missão foi secundária, isso quando não foi deixada totalmente em segundo plano, como algo que não era o foco narrativo mas estava meio que acontecendo em paralelo e as garotas estavam envolvidas. Não senhor, o foco de Princess Principal são suas personagens, suas histórias de vida, seu desenvolvimento. Assim, um arco final que coloca as duas personagens principais em conflito não poderia ser uma escolha mais feliz. Tanto melhor que o conflito tenha a ver com a própria natureza da relação que Ange e Charlotte compartilham.

Por que a Zelda tem que ter “cara de má”?

Seja honesto: alguns casos até foram legais, algumas lutas foram divertidas, mas você assistiu Princess Principal até agora de verdade para ver a Dorothy mais velha e por isso mais sensata, mas não necessariamente mais madura. A Chise vez ou outra às voltas com seus choques culturais, com vontade de ser aceita como parte de um grupo no qual ela era uma estrangeira em todos os sentidos, e o qual ela e todas sabiam que não era aquele que recebia sua mais alta lealdade, apesar de tudo. A Beatrice sempre desastrada e chorona mas sempre conseguindo fazer o que lhe confiam apesar de tudo, além de ter um ou dois truques na manga (e na garganta) que só ela tem. E claro, Ange e Charlotte. Charlotte e Ange.

Quero dar um soco na cara da Zelda, essa cara está pedindo um soco!

As duas mais misteriosas personagens do anime, sobre quem muito foi revelado sobre suas infâncias e mesmo assim permaneceram misteriosas até o final. Principalmente a princesa – ou melhor, a vagabunda, a verdadeira Ange. A Ange, a falsa Ange, na verdade sempre foi um livro mais aberto talvez até do que ela própria gostaria de ser, não é? Como atuou como a protagonista na maior parte do anime era quase sempre ela quem tomava a iniciativa e isso a fez bastante impulsiva e pouco previsível, mas no que é mais importante acho que pouco restou para entender sobre ela. A nativa do Planeta dos Lagartos Negros mentia muito mal quando não estava em missão – e se isso era ou não intencional, acho que não vamos descobrir. Talvez fosse e não fosse intencional ao mesmo tempo. Uma forma de ato-falho que acabou se transformando em costume.

Por que ela sorri quando a Ange foge? Qual o problema dela?

A princesa, ou melhor, a verdadeira Ange, essa manteve aquele sorriso tão agradável que chega a ser desagradável de quem está sempre buscando agradar. Entende-se: desde que trocou de lugar com a Princesa Charlotte ela precisa fingir ser quem não é, enganar e, como uma princesa, agradar. O que ela escondeu por baixo de tantos anos de disfarce talvez tenha sido uma surpresa até mesmo para ela própria nesse penúltimo episódio do anime: ela escolheu viver para enganar, e enganando a todos conseguir o que quer. Irônico que a espiã profissional seja a falsa Ange, e não ela. A única que não vivia dizendo sobre como espiões mentem o tempo todo era quem estava de verdade mentindo o tempo todo. Mas me corrijo: ela não escolheu viver assim. Quem “escolheu” essa vida para ela foi a verdadeira Princesa Charlotte.

A entediada princesinha Charlotte, tão entediada que pretendia dar cabo da própria vida (ou será que ela queria apenas fugir pelo poço para sabe-se lá onde? bom, não importa tanto assim) ficou maravilhada ao descobrir uma garotinha idêntica a ela. Imediatamente ela fez o que toda princesinha entediada faria em sua posição: vestiu a garota com suas próprias roupas e começou a brincar de trocar de lugar. Até que um dia tragicamente trocaram de lugar de uma vez por todas. Dez anos depois ela volta e diz: acabou a brincadeira, Ange, vamos embora. A vagabunda, que agora virou a princesa, se recusa. Ela sabe o que sofreu quando era criança então ela deve entender o que levou tantas pessoas a se rebelarem. Ao mesmo tempo ela conheceu a realidade do outro lado e sabe também em primeira mão o quão horrível é ser separado de alguém querido.

Uma coisa é verdade sobre essas duas: essa felicidade de estarem juntas

Ela quer usar seu poder para realizar seu sonho de reunificar o país. Que, aliás, não é seu, mas da outra! Há alguma coisa na vida, na identidade da agora princesa que seja realmente dela? Tudo o que ela é, tudo o que ela deseja, até mesmo seu mais profundo desejo, ela recebeu da verdadeira princesa. E como a verdadeira Charlotte responde? Vamos morar em uma casa branca em Casablanca. Foi a gota dágua. Foi um egoísmo a mais do que o limite que ela aceitaria escutar daquela princesinha entediada, que pelo visto disse que queria derrubar os muros apenas da boca pra fora.

Charlotte trata Ange como se ainda fossem crianças, e a amiga vai na onda. Será que a Charlotte acreditou?

Corta para ela chegando na Zelda e todo mundo aceitando que ela é a Ange (a espiã) e tá tudo bem, apesar da fuga e perseguição que acabaram de acontecer. Faz sentido? Ora, não é como se Princess Principal se preocupasse com lógica e verossimilhança para começo de conversa. Porque é um anime voltado para o desenvolvimento de seus personagens, porque as missões frequentemente estão, como já disse, em segundo plano, porque os episódios são sempre casos fechados e porque no geral tudo é muito cool, isso é algo que não dei bola até agora, e aposto que você também não. Quer um exemplo? Um que deve estar mais fresco na memória: o episódio imediatamente anterior.

Ange cansou de fazer tudo o que a Charlotte manda

Eleanor era a segunda melhor espiã da turma em que Ange e Dorothy se formaram (e só as três se formaram daquela turma). De fato, o anime dá a entender que ela era tão boa que na prática fica difícil dizer que ela seja objetivamente pior do que a Ange. E ainda destaca-se como ela tem maior atenção a detalhes. Por tudo o que se sabe, uma espiã tão boa quanto Ange, que estudou junto com Ange, tem a mesma formação que a Ange, na verdade elas são tão parecidas em tudo que em uma missão crítica não precisam sequer se comunicar para dividir em tempo real as funções. Essa Eleanor, essa tão boa Eleanor, essa tão parecida com a Ange Eleanor, entrou em seu quarto e, como a Ange previu, descobriu o sinal deixado propositalmente pela Ange de que ela havia estado ali.

Foco na situação: nada foi encontrado. Ela provavelmente sabe que nada foi encontrado porque não devia haver nada para ser encontrado em primeiro lugar – ela é boa, afinal de contas. E se algo tivesse sido encontrado suponho que a certeza da traição teria levado Ange a emboscar Eleanor em seu próprio quarto – parece razoável, não parece? A distinta ausência da Ange deveria ser um sinal, se nada mais servisse, de que ela nada encontrou. Mesmo assim Eleanor fugiu. A Eleanor quase igual a Ange e tão boa quanto ela fugiu, sabendo muito bem (porque é quase igual e tão boa quanto) que estaria sendo observada e que fugir seria uma confissão de culpa. Tivesse ficado em seu quarto e nada teria acontecido, pela lógica. Mas ela fugiu e o resto é história.

Isso torna Princess Principal ruim? Certamente que não. Olhe a nota que eu dei para aquele episódio (4 de 5 estrelas). Como aquele, garanto que há outros furos em vários outros episódios, mas por todos os motivos que já elenquei sempre dá pra relevar, e em muitas vezes passa até despercebido. Não obstante, é um furo. E quando um episódio importante como esse décimo primeiro, no qual a missão não está em segundo plano, e que não é auto-contido mas continua no próximo episódio, termina em um furo desses, fica bem difícil não se aperceber do enorme elefante no meio da sala.

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