A série Ramen Daisuki Koizumi-san (Ms. Koizumi Loves Ramen Noodles) é um slice of life, com toques de comédia – e shoujo ai –, que fez parte da recém-encerrada temporada de inverno de 2018. Centrando-se na paixão da estudante Koizumi por ramen, o anime a acompanha em suas idas a restaurantes, bares, conveniências etc. em Tóquio (cidade onde reside), Osaka, Nagoya, enfim, todos os lugares que podem proporcionar o seu encontro com o prato tão adorado.

Ramen Daisuki Koizumi-san se tratando de um slice of life de tema específico – com 12 episódios, de aproximadamente 22 minutos, realiza a contento o tour pela diversidade de ingredientes e receitas pelo prato que tem como protagonista o macarrão. Originário da China, o ramen ou làmen passou a ganhar destaque na culinária japonesa a partir da segunda metade do século XX (depois da Segunda Grande Guerra, por ser uma comida barata e de preparo rápido). E esse feito é bem explorado pelo roteiro de Tatsuya Takahashi (de Eromanga-sensei [2017]) – adaptando o mangá de Naru Narumi. Cada episódio traz uma descrição da composição dos ramens saboreados por Koizumi e acompanhante da vez, além da sensação de degustá-lo – aroma, gosto e visual do prato.

Para Koizumi, nada se compara ao prazer de um bom ramen.

Se a direção de Kenji Setou (de Gakusen Toshi Asterisk [2105]) é eficiente na apresentação dos pratos – despertando-nos o desejo de experimentar cada uma das variações de ramen que Koizumi e colegas consomem sem “arrependimentos” –, aproveitando a qualidade da animação que nos dá a perceber a mistura, texturas e cores, não demonstra a mesma competência na interação entre as garotas e na comédia que as situações poderiam proporcionar. Um dos problemas é que essas situações vão se repetindo sem constituir num real desenvolvimento das personagens, como a busca de Yuu Oosawa pela atenção (e amor) de Koizume, o que, para uma série de 22 minutos, facilmente conduz o espectador ao desinteresse e à monotonia. Em relação a esse desequilíbrio entre apreciação de ramen e vida cotidiana, a falta de sociabilidade de Koizume não colabora muito para fugir das armadilhas da premissa (que tem seu charme) menina loira, bela e misteriosa que tem amor por ramen e acaba suscitando espanto e fascínio naqueles que a conhecem.

Não que a frieza e modo distante de Koizume sejam um problema em si. Ela é antissocial e prefere degustar sozinha a iguaria pela qual é apaixonada. Duas características que podem fazer parte da personalidade de uma protagonista ou coadjuvante e isso servir de base para o desenvolvimento de um drama e mesmo estudo de personagem. No entanto, temos Koizume, que dedica a sua vida à apreciação do ramen e não deseja dividir esse momento com ninguém. Comer não é um ritual de partilha de um sentimento coletivo, entre amigos ou familiares, como pode ser visto em Tamako Market (2013) e Amaama to Inazuma (2016), por exemplo (aqui, não me refiro a animes de “culinária” que apresentam os bastidores da preparação do alimento como Shokugeki no Souma [2015]). Em princípio, Koizume quer ser mantida em paz, em seu mundo feito de ramen. Mas o fascínio de Yuu pela garota e as circunstâncias desencadeadas pela aproximação entre elas levam também as amigas de Yuu, Misa Nakamura e Jun Takahashi às ocasiões em que experimentam alguma variação do “manjar” em companhia de Koizume. E aos longos dos 12 episódios, a mínima sombra de quem é Koizume, por que possui um conhecimento enciclopédico por ramen e por que opta por estar sempre sozinha, não surge para que o mistério seja mantido e sua personalidade permaneça intacta como nos primeiros episódios. Isto é, com os momentos que Yuu conquistou e os encontros fortuitos com Misa e Jun, o enigma Koizume segue sem sabermos o que o ramen significa além de um momento mágico e de imersão no prazer proporcionado pela comida.

Yuu e Koizume-san: estranha relação.

No que concerne aos animes slice of life da temporada de inverno que trazem um tema específico, mas que conseguem apresentá-lo com riqueza de detalhes – passando por material, locais e comidas que fazem parte ou estão ligados a um tipo de diversão ou esporte – ao mesmo tempo em que trabalham as relações pessoais estabelecidas ou a se estabelecer, Yuru Camp tem um lugar especial ao falar sobre acampar e investir nos afetos que a prática e os encontros podem suscitar. A amizade entre a introspectiva (que curte ir para o campo sozinha) Rin Shima e a cintilante Nadeshiko Kagamihara é conduzida com delicadeza, e todas as ações de Nadeshiko deixam uma impressão em Rin. Logo, Nadeskiko quebra as resistências da pequena “loba solitária”. Elas acampam juntas e até o acampar em grupo passa a ser atraente aos olhos e ao coração de Rin. Infelizmente, em Ramen Daisuki Koizumi-san, as poucas mudanças na personagem-título não chegam a empolgar e parecem insuficientes para a jornada percorrida por Yuu.

Assim, é notável a carência a respeito da evolução das personagens e de suas relações umas com as outras. As personagens secundárias entram em cena para descobrir algo que não conheciam sobre ramen e que Koizume os explica com segurança. No que concerne às colegas de escola da loirinha misteriosa, Misa é uma garota que quer ser popular e inicialmente não tem simpatia por Koizume. Fora o fato de ficarmos sabendo de sua preferência por comidas apimentadas, nada mais sobre ela nos é revelado a ponto de tornar a personagem mera “escada” de mais uma oportunidade de apresentar um prato de ramen. Já Jun é a representante de classe e aluna aplicada que se preocupa com o futuro, está indecisa e interroga Koizume sobre o que a amante de ramen quer do futuro. É um pequeno avanço, mas pouco aproveitado. E de Yuu, além de sua admiração e perseguição a Koizume (a dedicação e devaneios que tem pela menina podem levar à interpretação de que realmente seja paixão o sentimento que a motiva e move), sabemos que tem um irmão (que participa de pelo menos três episódios com considerável tempo de tela) e que no passado degustou um ramen inesquecível. Porém, essas informações não fazem a história progredir. Frustrando um possível vínculo entre as protagonistas Koizume e Yuu.

Mais um “Não quero” da rainha do gelo. Porém, Yuu não desiste nunca.

E se tratando de passado, nada sobre o de Koizume-san é ao menos vislumbrado. Um amor tão extremo, fiel e incondicional por uma comida em particular tem origem e uma história, que pode ser de fundo familiar ou de algum momento memorável compartilhado com amigas e amigos. E quando interrogada sobre o futuro, Koizume simplesmente não responde, não articula nem uma indicação sobre o que pretende fazer de sua vida. Algo ligado a ramen? Na verdade, sua resposta é que se trata de um segredo. O que mantém tudo na mesma, sem aproximação ou profundidade nos relacionamentos possíveis que não chegam a ganhar corpo. Ramen Daisuki Koizumi-san está preso ao tempo presente, em um cotidiano que abole a necessidade de memórias e de um aceno para um futuro em que as amizades podem permanecer (temas caros ao slice of life).

Talvez, a maior falha da série seja mesmo a de esticar demais as situações que geram as oportunidades de exibição da diversidade a respeito do ramen e, deste modo, também da comédia. Doze capítulos com 22 minutos de duração para repetir o mesmo esquema narrativo não permitem ao anime deslanchar. Um questionamento que pode ser feito é se 7 ou 12 minutos não davam conta do que cada episódio traz dentro do padrão perseguição e/ou encontro casual, pormenorização da variedade e sabor do ramen (e o ato de devorá-lo com prazer) e o retorno à vida hodierna em que Koizume diz não às tentativas de aproximação de Yuu.

“Eu sou obcecada pela menina que é obcecada por ramen.”

E, por falar nelas, Koizume é uma kuudere, que é indiferente aos apelos de Yuu, por mais que não rejeite compartilhar com ela momentos de degustação de seu adorado ramen. Nem mesmo quando Yuu cozinha para sua “musa” depois que ela desmaia de fome na rua. Só percebemos alguma emoção em Koizume quando se delicia com a iguaria tão desejada. E Yuu é quase uma yandere, que segue seu objeto de fascínio loiro por toda Tóquio – e Nagoya também –, tem ciúme de quem recebe a atenção de Koizume – incluindo um episódio que se desespera pensando que o irmão tem algum interesse romântico pela garota – e mantém uma espécie de altar em seu quarto para Koizume-san. Uma frase que pode resumir a série é a dita por Yuu ao se “confessar” para Koizume no metrô em Nagoya, “Eu sou obcecada pela menina que é obcecada por ramen”. Com uma ou outra leve alteração nas expressões e falas de Koizume, basicamente, Ramen Daisuki Koizumi-san é a história de uma menina antissocial que rejeita as tentativas de amizade de uma colega de escola que a admira pela sua beleza e mistério – e que não está disposta a desistir dessa aproximação – e que apresenta duas obsessões em seu cardápio: ramen e o fascínio que temos por alguém que entendemos como uma esfinge.

Apesar disso, ainda há passagens em que o humor funciona, fazendo funcionar a fórmula “meninas fofas fazendo coisas fofas” (Yuu e Jun, principalmente) e uma OP encantadora na voz de Minori Suzuki. Pouco para um entretimento que apresenta até uma boa premissa, mas que se desperdiça na falta de imaginação – abusando de repetições – e na ausência de engajamento nas relações de seus personagens (mesmo que Koizume possa ser classificada como kuudere).

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