O episódio 4 de Happy Sugar Life não é tão impactante quanto os anteriores, mas apresenta novidades, reforça identidades e acrescenta elementos ao mistério. Mais de Shio é exposto, contando aí sua noção de autopreservação. E em relação a Satou, seu lado assassino atua para o(a) espectador(a). Um episódio que completa satisfatoriamente a tensão suscitada pelo “passeio noturno” de Shio e ao mesmo tempo indica que mais pesadelos estão por vir, sejam provocados por fantasmas do passado, sejam incitados por monstros do presente.

O episódio começa do ponto em que se encerra o terceiro, com Mitsuboshi levando uma surra de dois delinquentes e Shio em pânico, atormentada por suas lembranças – ver sangue funciona como um gatilho para revirar memórias soterradas. Esse evento faz com que a figura sem rosto que acompanha a criança receba um semblante: é a mãe de Shio. Porém, depois da violência presenciada pela menina, a alucinação até então afável se transforma. De uma espécie de guia passa a vulto de acusação. Talvez Shio se culpe por algo que tenha acontecido a sua mãe, daí tenha bloqueado a lembrança, que vem com força, em forma de autocensura que projeta na reprimenda que leva da mãe. Ou a sua mãe pode mesmo integrar a fauna de abusadores de Happy Sugar Life. Esta segunda consideração entra em choque com a memória de Asahi, de quando entrega Shio para mãe, libertando-o do inferno em que viviam com um homem que provavelmente é o pai deles.

Shio e mais um mistério: será a sua mãe mais um adulto pertencente ao grupo de abusadores?

O incidente no parque enseja a manifestação da Satou homicida. Com os delinquentes cercando Shio, ela não pensa duas vezes em atraí-los e se livrar dos obstáculos. A forma como age revela sua frieza e o quanto a classificação entre amargo e doce faz com que trate com extremo desprezo quem destila amargura no mundo. O saldo não é tão positivo para a garota, pois Mitsuboshi testemunha o momento em que ela leva Shio da praça.

A mente criminosa de Satou em ação: mais dois despachados para o inferno.

Mitsuboshi pode ser um problema para Satou, já que sua obsessão por Shio é demasiadamente sombria. O rapaz mantém cópias do cartaz feito por Asahi sobre o desaparecimento de Shio como peças decorativos em seu quarto. Isso realmente o torna mais assustador, uma ameaça constante à criança. Agora que ele sabe que Shio está com Satou e que a menina tem uma família, suas ações podem ser catalisadoras de algumas mudanças, ou pelo menos de um embate entre duas manifestações distintas de um mesmo transtorno.

Kitaumekawa é um dos seres mais desprezíveis a desfilar por Happy Sugar Life.

Além de Taiyo, Kitaumekawa-sensei é outra ameaça a feliz vida açucarada de Satou. A curiosidade dele e seu interesse doentio pela garota fazem com que desconfie dos motivos da tia de Satou não atender telefonemas e não ter ainda ido à escola. Isso o faz imaginar algo suspeito a respeito dos sacos de lixo que queima para a jovem no segundo episódio. Kitaumekawa é um pervertido, com fantasias de dominador e dominado. E Satou desperta ambos nele. Um tipo asqueroso e perigoso que se excita ainda mais com o pensamento de que Satou assassinou a própria tia. A questão é saber se a garota controlará completamente o predador sexual (como Satou é instável, tornam-se imprevisíveis suas ações em um “jogo” terrível como esse, lidando com um criminoso vaidoso).

Mitsuboshi já é um dos monstros a ser temido. A sua obsessão por Shio é assustadora.

E sobre a tia de Satou, tudo indica que era também abusada, já que em uma recordação a vemos com curativos cobrindo graves machucados. Mas a cena em si, ao mesmo tempo que aponta as agressões que sofria, sugere que ela não percebia que estava em um relacionamento violento, pois afirma para a criança que há várias formas de amor. Talvez seja a ponta do iceberg de comportamentos brutais e manipulação emocional de um ciclo de agressão e de submissão que abate a família de Satou.

Em casa, de volta ao seu castelo, Satou receia que algo tenha mudado, não que desconfie da criança, mas a interroga para saber se conversou com alguém durante sua via-crúcis noturna, ao que Shio responde com um não, mentindo sobre ter encontrado Mitsuboshi. A sua fuga forçada disparou um alarme em sua cabeça. Pode-se notar seu carinho por Satou, mas mentir deliberadamente indica que ela suspeita que algo esteja errado. Por isso, como as lembranças dolorosas não a abandonam e não a abandonarão, tornar segredo o fato de conhecer Mitsuboshi e ocultar seus pensamentos de Satou são atitudes lógicas para quem está perdida e atormentada por coisas que não consegue compreender. E por guardar para si esses sentimentos – também as alucinações e o desenho que faz no armário de uma mulher sendo assassinada, provavelmente a sua mãe –, Shio talvez tenha a impressão de que sua vida segura com Satou esconda uma verdade desagradável, seja fruto de um acontecimento trágico. Se Shio sofre da síndrome de Estocolmo e começa a despertar, então é plausível que ela opte pela dissimulação.

A farsa de uma feliz vida açucarada: momentos felizes encobrem uma tragédia.

Já Satou vive tão preocupada em como manter sua feliz vida açucarada que não percebe as pequenas alterações em Shio. Muito menos os perigos que a cercam, com os seres danosos brotando por todos os lados. A mais recente, uma colega de trabalho que tem uma fascinação mórbida por ela.

Uma cena perturbadora é quando Satou enclausura Shio no apartamento. O significado do ato não combina com a felicidade em seu rosto. As trancas e mais trancas que Satou coloca em sua porta são mais para impedir que Shio deixe a casa que alguém entre nela. Shio vive como prisioneira. O que leva a pergunta sobre o quanto Satou se importa com a criança. Shio é um meio de salvação, de uma inocência a se preservar – no que a mentira causaria um curto-circuito com efeitos devastadores. Será que ela é mais a representação de um sentimento de pureza que alguém real, com seus desejos, pensamentos e medos?

A imagem aterrorizante que Shio esconde no armário: será o assassinato de sua mãe, presenciado por ela?

Happy Sugar Life continua com seu jogo entre luz artificial (a cena de Satou trancando Shio afirma/lembra que ela não é uma anti-heroína) e sombras, com novos monstros sempre à espreita e duelos à vista. Não tem como não temer pelo futuro de Shio, sendo que seu passado foi horrível e seu presente é repleto de incertezas. Com a série se mantendo equilibrada – arte, desenvolvimento das personagens, música e som –, é aguardar pelas revelações e choques que estão por vir.

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