Zombieland Saga – E se você tivesse uma segunda chance?
Bom dia!
Eu não sei você, mas eu adoro zumbis. E adoro animes, tanto que coloquei no ar esse Anime21. Adoro animes e adoro zumbis, portanto não poderia deixar de adorar animes com zumbis.
Sério, não tem um que eu já tenha assistido que eu não goste. E à propósito, escrevi um artigo só sobre animes e zumbis, se quiser complementar a leitura.
Zumbis podem ser assustadores, representando algum tipo de medo que temos (normalmente irracional), ou podem ser engraçados, representando o absurdo de algumas condições da vida. No caso de Zombieland Saga as zumbis representam as duas coisas.
Os medos e inseguranças de quando elas estavam vivas, e que as acompanha no além-túmulo, e o absurdo dessas inseguranças em primeiro lugar. Livres do fardo da vida, e consequentemente do absurdo que arrastavam, elas podem agora se livrar do medo.
Zombieland Saga é também um anime mais ou menos sobre idols. Esse gênero já não me agrada muito, mas ele é competente em reunir um grande elenco de garotas e explorar suas personalidades, inseguranças, e dar a elas uma motivação para prosperar, se tornando pessoas melhores e de sucesso.
Idols e zumbis, uma combinação improvável mas que deu certo. Da outra vez que o mesmo estúdio Mappa tentou criar um anime original sobre idols saiu Idol Jihen, que francamente foi um desastre.
Zumbis melhoram tudo.
A premissa básica de Zombieland, como eu já disse, é a segunda chance. Mas o anime é uma comédia escrachada, em boa medida graças à grande atuação do dublador do Koutarou, o produtor e zumbificador das garotas: Mamoru Miyano.
Isso e a sua ideia fixa de “salvar Saga”, sem nunca explicar o que quer dizer exatamente, faz com que o anime engane um pouco no começo, e nos primeiros episódios ficamos pensando quando é que virá a grande reviravolta, quando é que elas vão começar a salvar as coisas.
No fim das contas, eram elas que estavam sendo salvas.
Isso se torna perceptível quando começam os arcos das personagens. As primeiras a passar por isso são as ex-idols, Junko e Ai.
Junko foi uma grande idol em seu tempo, entre o final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, quando as idols eram bastante diferentes do que são hoje e carreiras solo eram coisa muito mais normal, em contraste com os quase universais grupos de idol que existem agora.
Ai foi uma idol contemporânea, tendo dado duro com seu grupo, que permanece na ativa mesmo depois de sua morte, mas ela morreu exatamente quando elas chegaram ao estrelato.
Como ex-idols em um grupo de candidatas à idols, elas são necessárias. Mas por que iriam querer ajudar? Não à toa elas tentaram fugir. Após o fracasso da fuga, meio que se deixaram levar e passaram a participar de forma resignada. Os problemas viriam logo em seguida.
Junko enfrenta uma grave crise geracional. Ser idol na época dela era bem diferente de ser idol hoje, e ela considera que o que suas companheiras fazem é inerentemente inferior. Isso ofende Ai, por óbvio.
No fim, Junko precisa aprender que o tempo passa, as coisas mudam, ela continua sendo importante sendo ela mesma, não precisa apenas aceitar tudo o que é novo, mas não deve rejeitar também.
Já Ai, como morreu assim que seu grupo chegou no topo, tem problemas de motivação. Quero dizer, por que ela deveria se esforçar tudo aquilo de novo, se da primeira vez não adiantou nada? Ela tem algumas crises ao longo do anime com as demais personagens por causa disso, mas acaba se relembrando que na verdade tudo o que ela fez “adiantou” sim, e muito, o caminho foi tão importante quanto o destino, e por isso vale a pena caminhar de novo.
Além das duas idols, há uma terceira personagem que já foi famosa: Lily. Ela era uma atriz, no caso, e não uma idol.
Seu arco de personagem é provavelmente o mais emotivo da série toda. O problema que Lily enfrentou durante toda a sua curta vida foi de identidade.
Nascida em um corpo masculino, desde sempre Lily se vestia e se comportava como garota. Um caso clássico de transexualidade. Seu pai, um cara grande e de aparência intimidadora, nunca sequer questionou a filha, e até apoiava, embora provavelmente nunca a tenha entendido completamente.
Seu pai era viciado em televisão e por isso Lily quis se tornar uma atriz. Ela passou a gostar de televisão graças ao pai, e queria fazê-lo feliz na TV. A fofura da garota e a dedicação de seu pai, um gigante gentil, que abandonou tudo para se tornar seu empresário, compensaram, e ela logo se tornou uma celebridade mirim.
O problema é que ela ainda era uma menina em corpo masculino, e estava crescendo. Os hormônios começaram a agir e isso deixou a garota insegura sobre sua identidade. Ela queria ser uma criança para sempre para nunca ficar com a voz grossa, ter montes de pelos por todo o corpo, e ficar com um corpo enorme como o de seu pai. Mas o que ela poderia fazer?
Picado pelo mosquito do sucesso, o pai de Lily não enxergou o drama pelo qual a filha passava, e acabou sendo insensível demais com ela no momento em que ela mais precisava de apoio. Você tem que ir trabalhar, ele dizia, todos a estão esperando, ele dizia.
São só alguns pelos, nem vai aparecer na televisão, ele dizia.
Mas apareciam loucamente para a própria Lily, e isso a assustava. No meio de uma crise em que ela se trancou no quarto e o pai surrava a porta pedindo que ela saísse para ir a um trabalho, Lily viu o primeiro pelo facial começar a crescer. Foi demais para a pobre garota, que morreu com um ataque cardíaco fulminante por causa do estresse. Seu pai carregou esse trauma e ela carregou a culpa de ter se separado de seu pai brigada.
Agora zumbi, como idol, ela tem a chance de corrigir as coisas.
Saki se torna a líder do grupo idol, e quando viva era líder de uma gangue de motoqueiras. Ela tem espírito de liderança, que não se negue isso sobre ela.
Ela também tem convicções fortes e lealdade ainda mais forte às suas amigas. O que lhe sobra de coragem e convicção, porém, lhe falta de prudência. Ela acaba morrendo em um desafio de uma gangue adversária.
Saki é good vibes demais para deixar que isso pese na cabeça dela, mas quando vê a filha de sua ex-melhor amiga liderando o que resta de sua gangue de motoqueiras e seguindo os seus passos imprudentes e fatais, Saki entra em ação. Ela não pode corrigir o passado, mas ela ainda pode mudar o futuro.
Antes de comentar sobre a protagonista, porém, cabe notar que duas das garotas não têm arco nenhum: Yuugiri, a ex-cortesã do século 19, e Tae, a única das garotas a manter um comportamento animalesco até o final, sendo incapaz de falar.
Yuugiri assume o papel de irmã mais velha das demais garotas, as apoiando quando a Sakura, a mais empolgada com a ideia de ser uma idol e a que mais ajuda as outras, não pode. Sua sabedoria de uma era mais difícil, em que as pessoas eram obrigadas a amadurecer mais cedo, é útil em diversos momentos ao longo do anime.
Já Tae passa por desenvolvimento contínuo ao longo do anime. No começo ela mal era capaz de entender as outras, quanto menos executar as complexas rotinas de uma idol. No final ela já consegue seguir quase perfeitamente as coreografias, entende o que as outras falam e arrisca uma ou outra palavra de vez em quando, que sai meio rugida de sua boca.
A grande responsável por essa evolução da Tae é Sakura, a única que nunca desistiu de ninguém, nem mesmo da garota com severos problemas cognitivos. Ela esteve lá para a Lily, para a Junko, entrou em choque com a Ai mais de uma vez porque a colega ora queria desistir, ora era irracionalmente rígida com as demais, e treinou Tae pessoalmente.
Quando tudo já estava resolvido, quando todas as garotas estavam bem consigo mesmas, quando o primeiro grande show solo da banda estava marcado, foi a vez de Sakura quase estragar tudo.
Empolgada demais, ela não estava prestando atenção às demais e bom, elas são um grupo, precisam treinar juntas, em sincronia. De algum modo conseguem fazê-la recobrar seus sentidos, mas é aí que a crise de verdade começa.
Sakura era a única que não tinha as memórias de quando viva. Ela morreu no começo do anime, de forma traumática, e quando no final revive o acidente que a matou ela se lembra de tudo. Ela se lembra que ela sempre foi exageradamente empolgada.
Ou melhor, não é exatamente disso que ela se lembra. Sakura se lembra de como tudo sempre deu errado na vida dela na última hora, apesar de todo o esforço que fazia. O que ela não percebeu é que tudo dava errado justamente porque ela exagerava. Recuperar essas memórias reacendeu um antigo trauma e a deixou insegura e apática. Sakura quase desistiu de si mesma.
É aí que chega a vez dela precisar das outras e do Koutarou também, que só interviu ostensivamente em poucos momentos ao longo da história, preferindo na maioria das vezes agir sem que as garotas percebessem. Sakura tem uma segunda chance e ela não pode perder.