Kieli é uma light novel de autoria de Yukako Kabei e arte de Shunsuke Taue que foi lançada de 2003 a 2006 pela editora Dengeki Bunko e de 2009 a 2013 pela editora Yen Press nos Estados Unidos. A obra possui 9 volumes.

Uma curiosidade é que a adaptação em mangá tem o traço de Shiori Teshirogi, que é conhecida no país por ser a autora de Lost Canvas – spin-off da franquia Cavaleiros do Zodíaco.

Kieli não tem nada a ver com esse velho battle shonen, a série alia a aventura ao mistério em um universo que se vale do sci-fi enquanto flerta com a fantasia. Uma obra peculiar que comentarei mais a seguir!

A primeira característica interessante dessa obra é sua protagonista introvertida e pouco carismática que conquista o leitor ao longo da leitura apesar de sua personalidade não mudar tanto assim; o que pega é o aprofundamento dado a personagem, a escrita de Kabei faz o leitor ir o suficiente dentro da mente da garota para entender como ela pensa, o que a aflige, quais são as suas fraquezas, e os seus pontos fortes.

Kieli não é uma personagem alegre, sorridente – a sua história de vida não a permitiria ser assim –, mas ela também não é ranzinza nem revoltada. Sua natureza questionadora, até cética, é aliada à sua dificuldade no que se refere as relações interpessoais e seu estranho dom: ela é capaz de enxergar espíritos.

Além disso, a “Terra” a qual ela habita é um planeta colonizado por terráqueos, os quais mal lembram do berço da civilização e na atualidade são “controlados” pela Igreja como nunca, e me corrija se eu estiver errado, antes na história da humanidade. Há elementos de sci-fi abordados por toda parte ao longo da narrativa, mas não são tão explorados, são mais usados por conveniência, fazendo com que tudo pareça mais fantástico que científico.

O “dom” da protagonista corrobora com isso. Outro detalhe interessante e relevante diz respeito ao co-protagonista, Harvey, porque ele é um Undying, uma arma humana criada para a guerra findada 80 anos antes e que carrega como núcleo a fonte de energia mais sofisticada e poderosa criada pela civilização que não pode mais ser produzida.

A escassez de recursos foi o maior impacto gerado pela guerra e em meio a um mundo pobre Kieli, a garota capaz de ver fantasmas que perdeu a única parente e não tem um único amigo vivo, parte em uma viagem com Harvey, imortal que deixou de ser um demônio de guerra há muito, que estava em seu caminho para ajudar Corporal, espirito de um soldado que possuiu um rádio, a descansar em paz.

No começo há uma situação envolvendo esses três personagens, a qual já deixa bem claro como é a personalidade de Kieli e um de seus maiores temores: a solidão. Ela é estudante e recebe uma ajuda financeira do governo por não ter mais qualquer família e a garota não é tão devota quanto se podia esperar.

Pelo contrário, pois ela questiona não exatamente a existência de Deus, mas sua influência, o seu apreço, como uma entidade, pela raça humana. Aliás, esse seu modo de pensar contribui para a sua solidão, pois ela sempre se sentiu deslocada em relação as outras pessoas e acabava envolvida com os espíritos que a pediam ajuda. A garota tem mais contato com os mortos do que com os vivos.

Mas isso só até conhecer Harvey e usar a desculpa de um trabalho para partir com ele e Corporal na viagem que mudaria para sempre a sua vida, assim como “agravaria” o que pensava de ruim sobre a Igreja. Mas esse não é uma história de espiritualidade, não exatamente, e sim de duas pessoas cujas personalidades e circunstâncias as afastam da sociedade, mas que podem ser quem são caso juntas.

Harvey mantém a aparência de quem lutou na guerra, mas na verdade vivera por muitos anos como alguém a margem da sociedade que por mais que fizesse amigos e compartilhasse experiências com outras pessoas, não fincava raízes até por saber que a sua imortalidade não o permitiria levar a vida como uma pessoa normal.

Por ser alguém no limitar entre o mundo dos vivos e dos mortos também podia ver espíritos, então sua conexão com a Kieli foi praticamente instantânea, mesmo tendo certa demora até que os dois se tornassem algo próximo ao que se poderia chamar de “amigos”.

Harvey é um homem ácido que parece desinteressado por tudo e por todos, mas que foi cativado justamente pelo fato de que Kieli é em si uma garota normal, mas que enxerga o mundo de modo diferente, não se abalando com a existência de espíritos ou imortais, pelo contrário, se aproximando mais deles por essência do que de qualquer pessoa normal.

A relação deles vai sendo desenvolvida aos poucos e há várias sutis passagens que permitem ao leitor ver o quanto Kieli vai cativando nosso rabugento herói e o quanto ela mesma vai se afeiçoando a ele e o Corporal, já que ela era alguém “sozinha” antes de encontrá-los.

O laço que vai se formando entre os dois, na verdade entre os três, é belíssimo e nesse meio tempo as paradas que eles fazem na viagem, seja a pé ou de trem, vão mostrando certas partes do passado de Harvey; desenvolvendo o protagonista sem fugir do objetivo de ajudar o Corporal.

Há até um pequeno drama que liga os dois e, na verdade, a história toda é bem pautada no drama e não era para menos, já que os personagens carregam cicatrizes que vão sendo “aliviadas” com o convívio breve, mas recompensante que têm uns com os outros.

Algo que ajuda bastante a fazer o leitor ver a progressão disso é a escrita fluida e não extremamente detalhista ou descritiva, mas eficiente no que se refere a descrever os sentimentos que transbordam dos personagens nas mais variadas situações. Não só isso, mas também o que de antemão era necessário para que certos momentos de “emoção” tivessem o apelo preterido. Kieli não é uma light novel que usa tempo com detalhes técnicos e acho que não deveria fazer isso mesmo.

Os elementos de sci-fi não precisam ser aprofundados nesse tipo de obra, o que importa é o desenvolvimento das relações entre os personagens principais e o apego ao que há de maior como pano de fundo sem deixar aquilo tomar uma proporção maior que os seus protagonistas e as mudanças que eles sofrem e compartilham; e é exatamente isso que ocorre nessa série.

A Igreja caçar os Undying por motivos escusos e o aparecimento de um desafeto do Harvey, o caso do ex-companheiro que traiu a classe, cujo poder e função só expõem ainda mais a hipocrisia e ambições daqueles que estão no controle, são pontos importantes para ir dando “cara” a esse pano de fundo que deve ser cada vez mais importante nos volumes seguintes até pelo fim desse primeiro livro.

Além disso, a inserção desses elementos pode ter parecido um pouco corrida e sem todo aviso prévio possível, mas a forma sucinta como o problema a ser enfrentando nesse início da série veio a ser abordado me pareceu positiva por dar mais páginas ao que mais importava, tendo mais a função de fortalecer o que até já repeti ao longo do artigo: o laço criado entre eles.

As lágrimas da Kieli com direito a atos de coragem e riscos a serem corridos não foram uma forçação de barra, porque tudo o que motivou tal cenário foi sendo desenvolvido aos poucos, tendo a dor da garota por medo de ficar sozinha papel crucial nisso. Todas as circunstâncias passadas e presentes dos personagens ajudaram a moldar o que eles se tornaram ao longo da narrativa e o final pode parecer um pouco apressado e até sem jeito, mas não deixa de aproveitar bem isso.

Antes disso é possível torcer por eles, porque o “carisma” de cada personagem se mostra de maneira bem particular e que encaixa bem na trama, e depois desafio você, caro(a) leitor(a), que leu a novel a refletir se tudo o que ocorreu em suas pouco mais de 200 páginas não foi o suficiente para cativar menos pela fácil assimilação dos problemas dos estereótipos e mais pela sinceridade com a qual os espinhos eram mostrados em meio as rosas.

Não posso comentar outra coisa sobre essa obra senão que adorei os personagens – mais exatamente os principais –, o mundo – mais exatamente o conflito da Kieli frente ao que para ela era vendido como a vontade de Deus – e a forma como eles foram inseridos nele e foram desenvolvidos não para ele e sim para si mesmos – mas claro, sem esquecer dele –, para amadurecerem ao longo da história, e se tornarem personagens os quais se é possível curtir não pelos estereótipos, mas pelas peculiaridades.

Ademais, só posso garantir que foi um prazer escrever sobre um livro que gostei tanto de ler e que a série deve ter mais artigos aqui no blog em que comentarei os volumes seguintes. Se ainda não tiver lido, indico que o faça tanto pelo que escrevi aqui, quanto pelo que omiti para não dar spoilers dessa história que é uma leitura incrível!

Vale a pena conhecer seus detalhes ao devorar as páginas do livro e dou uma dica, a trama de Kieli me lembrou muito o trabalho de uma das minhas cantoras favoritas, a Birdy. Músicas como People Help the People – okay, essa é um cover –, All About You e Words são tudo o que eu mais gostaria de ouvir em uma adaptação ocidental que, infelizmente, sei que não vai rolar.

O importante é que o primeiro livro é ótimo, e indico que ouça Birdy durante ou após a leitura. Despeço-me já com vontade de correr para ler o volume 2 e escrever sobre ele. Até o próximo artigo!

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