Vikings. O povo bárbaro do velho continente. Mas será que há apenas isso a se falar sobre eles? Tem toda uma cultura interessante a ser explorada e a ficção do anime Vinland Saga se propõe a fazê-lo a melhor maneira, expondo a realidade, com tudo que há de bom e de ruim, desse povo através de um guerreiro; que é como Vikings são conhecidos mundo afora, como guerreiros; que é mais que apenas um desejo quase que primitivo pela guerra. É guerra que você quer? É Vinland Saga que você vai ter!

Quando o objetivo é construir um personagem desde a base, expondo todos os seus dramas, que vão ser o combustível as suas aspirações, é uma boa ideia começar a história no ponto em que tudo inicia – o ponto de virada.

Não é exatamente o que Vinland faz em sua estreia, mas, como lançaram os três primeiros episódios no streaming oficial do anime, o Amazon Prime, é possível ter o vislumbre quase; só não é certeza, pois, infelizmente, a essa altura ainda não saiu o quarto episódio; certo do que será a trama quando o protagonista crescer. Thors é apenas o meio. É Thorfinn que irá ao final da jornada.

Thorfinn se envergonha por algo que não deveria.

Infelizmente, me falta conhecimento prévio e a salvadora internet a disposição para pesquisar mais a cultura dos Vikings e poder me debruçar sobre detalhes acerca das terras em que esses povos viviam, as guerras em que eles lutavam e maiores características de seus costumes e aspirações.

Mas, algo se faz claro já no primeiro episódio, Vinland Saga não tem esse nome à toa, será a jornada de Thorfinn e o rumo é a Vinland, uma espécie de Terra Prometida para os Vikings. Contudo, há mais do que isso, e isso se deve a seu pai, Thors, um ex-guerreiro Viking que desertou pelo choque de valores entre ele e o que aqueles que lutavam ao seu lado defendiam.

Thors já não é mais um guerreiro de espírito, pois a guerra nada mais significa para ele que a barbárie. Thors compreende o valor de uma vida humana.

E é justamente por ter esse entendimento que ajuda o escravo sofrendo de hipotermia que sua filha, a beldade da pequena vila em que moram, encontra na porta de casa. Para um povo que não tinha a resistência feroz a subjugar outro ser humano tido como mais fraco, Thors abominava tal ato e assim foi capaz de trocar uma quantia considerável das ovelhas que criava para dar sustento a família.

Mas não se engane, não se tratava de um simples ato de bondade, mas algo mais profundo, pois Thors se via naquele escravo, quinze anos antes ele que tentou fugir das correntes que o prendiam a barbárie.

A pior escravidão é a da infelicidade.

E é aí que Thorfinn entra de vez na história, pois ele presencia parte da situação, e não tenho dúvidas de que é um evento do qual nunca se esquecerá em sua vida! Nesse ponto da história ele ainda é um garoto de 6 anos, mas no dia em que for capaz de compreender as ações de Thors perceberá porque ele libertou o escravo que morreu pouco depois. Mas morrera livre, não mais escravo da infelicidade.

Thorfinn ainda é muito jovem para entender que a guerra não é a saída, mas o fim do caminho e nem deve aprender isso diretamente com o próprio pai, pois falta a ele capacidade de comunicação para a empreitada, e isso é de entender, afinal, Thors viveu a maior parte de sua vida matando no campo de batalha.

Para que Thorfinn passe a enxergar o mundo como ele será necessária a experiência vivida e não apenas o dito em casa. É difícil romper barreiras culturais, talvez a mudança de mentalidade seja mais difícil de ocorrer que a sobrevivência a própria guerra, até porque é só sobrevivendo a ela que o menino deve quebrar o ciclo de violência. E se não quebrá-lo, ao menos compreenderá sua podridão!

Uma aurora tão bela, uma vida tão dura.

Repito, é difícil demais fazer isso quando envolve a criação, o costume, a própria identidade do povo, não à toa quando Floki, antigo companheiro de guerra de Thors, chega a vila e traz consigo os ares de uma guerra; e uma guerra que nada tinha a ver com eles até aquele momento, e, na verdade, ele não teve nada a ver com eles em momento algum; os homens aptos regozijam de alegria por ter a chance de lutar.

Aliás, todos ficam felizes, como se a guerra fosse o objetivo da vida desse povo e na verdade ele é. Só Thors que entende a gravidade da situação que reage com consternação, desgosto, só ele já passou por aquilo e sabe que não há nada de bonito, e muito menos nada de valoroso, em matar seu semelhante. Que não é direito de ninguém tratar a vida dos outros tão levianamente.

Por que comemorar a guerra?

Mas isso não é algo fácil de transmitir e no final a vila continua em polvorosa por conta da guerra. Inclusive, isso dá a Thorfinn a desculpa perfeita para dar vasão a sua inquietude de criança, seu desejo de ser guerreiro como o pai, de desbravar os mares e provar que seus descendentes não fugiram. Mal sabe ele que se não tivessem fugido, seu pai também, ele provavelmente nunca conheceria a paz a qual não dá valor.

Enfim, Floki chantageia Thors e a infração a lei militar para um povo conhecido por sua inflexibilidade se torna estranha aos olhos do público, como se houvesse intenção ainda mais escusa que o exposto, o que se torna claro no terceiro episódio, o da partida para um caminho que só me parece sem volta, afinal, por mais que Thors seja um guerreiro sem igual, um antigo herói de guerra, não vai sobreviver tendo que proteger aqueles ao seu redor.

Quando a guerra muda as pessoas.

Sejamos honestos, não faria sentido se isso acontecesse já que o melhor ponto de virada possível para a história é a morte do pai e o despertar de um desejo de vingança no filho. Aliás, a abertura dá a entender que será o caso e só mais uma observação, a banda que toca a música também fez músicas para o anime Banana Fish. Obra que versa sobre a violência e a podridão urbana, mas, mesmo com séculos de distância, por que me parece tão próxima a Vinland? Por causa da natureza humana.

Passam-se séculos e os povos podem ser demasiadamente diferentes uns dos outros, mas suas falhas, seus objetivos, sua ignorância, não muda. E no fim tudo acaba sendo decidido por meio da guerra. Seja a guerra por poder, por território, por dinheiro ou simples orgulho, que sabemos não ter nada de simples. Só um último adendo, se o encerramento cantado pela AIMER não agradou você, fico surpreso, pois, a música é muito bonita e a produção da abertura ficou ótima!

E eu pergunto a você, será para melhor?

Voltando à trama, o assassinato em troca de ouro e o desejo de vingança do protagonista é armado e tem uma cena muito simples, mas digna demais de nota, pois é o tipo de coisa que realmente leva as pessoas a mudarem, a se impelirem a pensar fora da caixinha, a família.

Não sei qual é a sensação de ser pai, mas conheço pessoas da minha idade que sabem e, acredite, alguma coisa nelas mudou, elas podem nem perceber e pode não ser nos aspectos mais interessantes para a vida da pessoa naquele momento, mas essa mudança ocorre.

E por que? Por causa de algo que os japonese adoram citar em suas obras de ficção e faz sentido ser explorado nessa mesmo que a história Vinland nada tenha a ver com o Japão: a responsabilidade. O momento em que Thors começou a mudar foi quando sua esposa o fez assumir a responsabilidade e dar nome a filha deles.

Perceba como ele pega a criança sem ter o mínimo de cuidado, como se ela fosse mais um objeto; um estorvo, uma falha; que uma parte dele. E nem o julgo por isso. Quantas culturas ao longo da história não são essencialmente machistas?

Deve, eu espero que tenha, ter havido alguma, mas com certeza isso passa longe de ser comum, então sim, eu entendo a reação dele, o digno de nota mesmo é o que veio depois e o fez desertar para criar sua filha e seu filho que veio depois.

A consciência que ele foi tomando sobre o erro que é a guerra inicia a partir do momento em que ele passa a dar valor a vida. A vida de sua filha, uma mulher, a qual tem o mesmo valor que a vida de seu filho homem, e tem o mesmo valor que a vida do suposto inimigo a ser morto na guerra.

Mas como Thors bem aponta para o jovem Thorfinn, não existem inimigos, isso, essa ideia de que se deve matar para sobreviver, é algo que os mais fortes impregnam na cabeça dos mais fracos a fim de usá-los e as pessoa se deixam guiar por isso. Como se deixam guiar pela religião, pelo nacionalismo, pela conquista do que não é seu, etc.

Thors viveu na pele o ciclo de violência, ele o provocou incontáveis vezes. É por sua experiência que sabe que a guerra não traz nada de bom, ao menos não nada de duradouro. Que a vida humana, a liberdade, o amor, e a paz são as coisas que se deve proteger.

Ele rompeu o ciclo, saiu da caixinha e por isso já é um personagem fascinante, e eu mal espero a hora de presenciar seu filho, Thorfinn, viver sua própria jornada e, espero eu, encontrar o mesmo entendimento.

Um pequeno ato, uma grande mudança de mentalidade.

O verdadeiro herói não é aquele que mata, mas o que salva vidas e mesmo assim resolve o conflito, evitando perdas dos dois lados. Thors nunca foi um herói de verdade quinze anos antes, mas Thors é um herói no momento em que tenta ao máximo não envolver os outros em seus problemas e valoriza mesmo a vida de seu suposto “inimigo”.

É esse o exemplo que ele deixará para o filho pequeno e deve demorar um pouco para o garoto entende-lo, mas não tenho dúvida de que encontrar a Vinland só será possível quando Thorfinn quebrar o ciclo da violência, e fazer jus ao legado do pai.

Tirando o CG mais ou menos e o fato de terem sido apenas três episódios, Vinland dá ao público a certeza de que tem forças para fazer jus ao hype criado em torno do anime. Eu não irei comentá-lo semanalmente, mas, tenho certeza de que o anime ficará em mãos capazes de extrair o melhor que ele tem a oferecer, ao menos do ponto de vista da crítica.

Lembrando que o mangá está em lançamento e sai aqui no Brasil pela editora Panini. É difícil encontrar os primeiros volumes, mas se o anime fizer sucesso – tem tudo para isso –, quem sabe não rola uma reimpressão, né? Sonhar é de graça, assim como mudar de mentalidade, expandir seus horizontes, também.

Até uma próxima!

Thors, o herói desertor. O estopim para a trama de Vinland Saga.

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