Sayonara Watashi no Cramer: First Touch – Para o futebol feminino, com amor
Sayonara Watashi no Cramer: First Touch é um filme prequel do anime em lançamento na temporada primaveril de 2021. Na história seguimos a Onda antes dela chegar ao Warabi Seinan e jogar com a Soshizaki e a Suo. Para quem acompanha o anime de Cramer (no dia de lançamento deste artigo também saiu o décimo primeiro episódio) sabe que o flashback do nono episódio compreende justamente o conteúdo do longa.
Não lembro se tem uma cena igual a primeira do filme de Cramer no longa “Ela é o Cara”, estrelado pela divertida Amanda Bynes, mas é impossível não traçar um mínimo paralelo entre os dois, afinal, ambas as heroínas tomam os lugares de seus irmãos para poderem jogar nos times masculinos de suas respectivas escolas. Mas no anime a Onda faz isso como último recurso, não logo no início da trama.
Se veio do anime sabe quem é a Onda, se não imagino que ao menos tenha assistido ao filme para estar aqui, então vou poupar apresentações e ir direto ao ponto. A qualidade da animação desse filme é melhor que a do anime e imagino que isso não seja por acaso, mas, por exemplo, o CG usado em demasia na partida derradeira não pareceu aperto no orçamento para manter a animação 2D de qualidade de antes?
No fim, acabou que ficou visualmente bem mais agradável que a série para TV independentemente de ser convencional ou não, e é isso o que importa. Quanto a história, o enredo desenvolvido não é muito criativo e meio que já havia sido indicado no flashback do episódio nove porque enquanto há uma cena em que a Onda aparece no banco sem sequer ser reserva lá, em outra fica claro que aprontou para cima do irmão.
Se unirmos isso a pouca experiência da Onda em partidas oficiais no ginasial era de se esperar que houvessem obstáculos para a sua titularidade mesmo com ela sendo a jogadora mais habilidosa do time. Ao mesmo tempo em que demonizo sim o técnico por não dar uma chance a garota temendo pela sua fragilidade, por outro lado, também o entendo, afinal, seria traumatizante se ela acabasse a carreira em idade tão tenra.
Contudo, por que ele não tentou treiná-la para se adaptar ao jogo físico mais forte dos garotos a fim de evitar as lesões? Faltou inteligência ao técnico, ainda mais pelo tanto de qualidade que ela acrescentava ao jogo do time e a possibilidade de usar jogadoras, não só jogadores, nessa faixa de escolaridade. Tudo bem que ela sempre se machucou quando jogou em partidas oficiais, mas não haviam saídas para isso?
Talvez seja por isso que tanto o técnico do Fuji Daiichi, quanto o Soneca do Warabi estejam treinando estudantes ao invés de adultas, é porque não são técnicos capazes de coisas mais complexas que isso. Até a Sacchan conseguiu ajudar a Onda a sofisticar sua rotina de treinamentos e com isso pelo menos dar a amiga a esperança de pleitear uma vaga entre os titulares, enquanto o técnico nada fez além de temer por ela.
Enfim, o amiguinho da nossa heroína que vai embora e reaparece aleatoriamente na frente dela alguns anos depois é o grande “antagonista” do filme, mas na verdade nem é isso, é só que a ideia de opor essas duas figuras era boa demais para não ser aproveitada, além do que a carga da relação deles trás a construção da heroína. Ela era a chefe do Namek e perdeu esse posto quando ele cresceu e a “superou” como jogador.
O ponto é que essa superação diz respeito a capacidade de competir no mesmo nível físico, a barreira imposta para a heroína por seu técnico devido ao que aconteceu em seu primeiro jogo no ginasial. A reação do Namek pode ter sido bem infantil, como se estivesse cuspindo no prato em que comeu, mas se pensarmos bem, só o fato dele chamá-la de chefe indicava isso, que a influência da Onda nele poderia ser subvertida.
Como era de se esperar e o final deixou bem claro, não era nem uma questão de desrespeito ou aversão para com a Onda, e sim justamente a vontade de impressioná-la, de chegar ao nível dela, que gerou esse duelo programado para a primeira rodada do torneio, uma partida que ganhou contornos muito mais interessantes por envolver esses dois amigos, agora rivais, do que jamais teria em qualquer outro cenário.
E enquanto o jogo se aproximava, a Onda tentava ludibriar o técnico para que a desse a vaga, mas também pensava no amigo e com isso se motivava ainda mais a estar em campo. Para entendermos a profundidade dessa ligação entre os dois os momentos da heroína com seus amigos ainda bem novinhos foram muito bem-vindo, pois além de proverem fofura e divertimento, mostraram como o futebol tornou a Onda a “chefe”.
Afastar bullies chutando uma bola neles foi o tipo de apresentação perfeita para uma maníaca por futebol capaz de envolver um desconhecido em sua paixão e com isso inspirá-lo a se tornar alguém mais forte. O esporte tem essa capacidade de motivar as pessoas a saírem do lugar comum, fazendo com que elas ganhem confiança e se afirmem como pessoais, algo ainda mais importante quando se é criança, concorda?
Sendo assim, super entendo aquela garotinho fraco se apoiar na Onda e seguir seu exemplo, encontrando com isso a sua própria paixão, ainda mais por a Onda ser a garota de forte personalidade que ela é, alguém que centra a atenção dos amigos e se destaca em qualquer time no qual atue. Passadas suas tentativas fracassadas de convencer o treinador ela partiu para a saída lógica, treinar para ter mais chances de convencê-lo.
E é aí que vemos como ela é talentosa, mas também pode ser esforçada, e é até por isso que me incomodou tanto a acomodação do técnico com essa situação porque por mais que eu entenda que o mais importante era a segurança e o futuro de sua aluna, será mesmo que nada não poderia ao menos ser tentado afim de unir o útil ao agradável, deixá-la feliz e aproveitar seu talento em um time que claramente precisava dele?
Em algum momento algum diz, acho que é a Sacchan, que os melhores jogadores devem estar em campo, mas não foi nada disso que vimos nesse filme, o que faz os amigos da heroína se preocuparem com ela, prevendo sua decepção quando não pudesse mais “alcançar” os garotos. Aliás, como os amigos dela são legais, né? Se tem uma coisa que sinto falta em Cramer é da contextualização desse grupinho que a Onda tem.
Até mostram como ela conheceu a Sacchan e o Namek, mas os outros dois continuam meio escanteados. Infelizmente, talvez os amigos da Onda sejam as únicas figura masculinas do anime que consigo dizer que gosto porque, apesar de entender os técnicos (seja o do Fuji ou do Warabi), não consigo concordar tanto assim com suas atitudes, principalmente pelo quão tóxicas podem ser as alunas sob suas responsabilidades.
E nem digo isso como se eles as fizessem mal de propósito, mas é inegável que fizeram, tanto ao podar as asas de uma craque de bola, quando ao negligenciar um time que podia até ser ruim, mas tinha pessoas apaixonadas o suficiente para merecer mais. Infelizmente, acho sim que Cramer, seja o anime ou o filme, deixam a desejar na construção (e até mesmo no uso) dessas figuras masculinas até interessantes, mas…
Não vou insistir no assunto porque pelo menos no filme não há uma técnica para ter seus holofotes roubados por um técnico que é “perdoado” mesmo tendo sido um imprestável na maior parte do tempo. Um personagem masculino que poderia ser problemático, mas acaba sendo melhor contextualizado é o Namek, afinal, sua relação de dependência com a Onda era diferente do que ela tinha com seus outros amigos.
A forma como ele fala e meio que se exibe para ela deixa claro que mesmo inconscientemente tudo que ele quer é impressioná-la porque ela foi a pessoa que a indicou esse caminho, ela foi a pessoa que o formou como jogador. Olhar para a Onda como alguém capaz de inspirar os outros e animar as massas com seu futebol traz mesmo essa luz bacana em cima da personagem, fica difícil não torcer por ela nesse contexto.
Mesmo assim, também dava para torcer pelo Namek, que arrasa no jogo que é o clímax desse filme, mas do qual a Onda foi enxotada mesmo tendo feito tudo para merecer estar pelo menos entre os reservas. A cena de preleção com aquela chuva mórbida e a decepção após a esperança ter restado até o finalzinho foi o ápice dramático mais consistente do anime, ainda que para nós fosse óbvio que aquilo não se manteria.
Por que escrevo isso? Porque ali a Onda ainda não tinha tido a ideia de “trocar” com o irmão e soltou um choro copioso sincero de quem estava há um ano se segurando sem poder jogar para valer, ainda mais quando sabia que teria seu pupilo como adversário, uma figura sobre a qual refletiu e a qual conseguiu entender visto a maior maturidade com a qual lida a recém-inaugurada rivalidade com ele, o “seu” Namek.
Esgotadas as opções o que sobrou para a heroína senão partir para a atitude mais desesperada e questionável que poderia tomar? Não sei se ela planejava tomar o lugar do irmão desde antes da partida começar, mas vendo como o jogo se desenrolava tenho certeza de que no coração dela a urgência de não só se mostrar para o pupilo, mas também não deixar seu time perder, se misturou e desembocou em seu ato “inapropriado”.
Talvez se ela chantageasse o irmão, mas não o deixasse amarrado, a coisa seria menos pior, mas convenhamos, dá para levar a situação para o lado mais cômico possível, tanto é que o Junpei não parece guardar rancor da irmã. Aliás, se tem outra coisa que não gosto em Cramer é o tempo quase nulo ofertado a relação dos irmãos (gêmeos, né?). Fica parecendo que o Junpei foi criado só para trocar com ela nesse jogo.
Se lembrarmos bem, de início ele nem era titular, foi ganhar espaço só depois da irmã se empolgar para participar da partida. Sendo assim, fica realmente difícil não ver o irmão como uma bela ferramenta de roteiro, um pouco engessada como ficam as frases de jogadores famosos que são citadas no anime, mas nem sempre são algo além de uma curiosidade, um folclore. Essa do Cruyff então, deve tê-lo feito revirar na cova.
Mas deixando isso de lado e focando mais na bola, a que o Namek joga estava redondinha no primeiro tempo dada a posição na qual ele joga. Não que zagueiros técnicos não existam ou não tenham espaço, mas zagueiro talvez seja a posição em que mais do que técnica, o jogador (ou a jogadora) carece de outros predicados, como a força física, a leitura de jogo e a resiliência mental para lidar constantemente com os atacantes.
O Namek botou a camisa alvinegra do Oeste de Egami e parecia um zagueiro da Juventus de tão bem que jogou, anulando praticamente todas as jogadas ofensivas do adversário. Imagino que ela tenha ficado frustrado por não ter seguido os passos da Onda no meio-campo, mas que essa frustração seja minimizada pelo zagueiro confiável que virou. Ele fazer o gol forçou um pouco, mas é verdade que ele fazia tudo no time.
Além disso, a cena mais “fantasiosa” dele, que vimos sob o olhar romântico da Onda, foi um deleite pela fluidez e roupagem, mas também pelo que aquilo significava para a compreensão de crescimento do velho amigo por parte da heroína. Inclusive, essa certamente foi a gota d’água que a fez decidir por cortar o cabelo, amarrar o irmão e entrar no jogo infligindo a regra. Não sei como não foi pega, gritavam seu nome toda hora.
Quem a conhecia logo percebeu e imagino que esse tenha sido um combustível para o Namek abrir o placar meio que na marra, no que foi uma rasteira dolorosa, mas ao mesmo tempo estimulante, afinal, sair atrás no placar e ter que reverter o cenário desfavorável gera um tipo diferente de tensão em qualquer time, o que muitas vezes não dá certo com o time sendo derrotado do mesmo jeito, mas às vezes funciona muito bem.
Eu acho que nesse filme o roteiro soube lidar bem com essa questão, apesar de, por exemplo, eu particularmente preferir o empate a derrota, mesmo com a catártica cena em que a torcida elogiava e aplaudia a melhor jogadora da partida de maneira efusiva. Mesmo com o empate a cena teria bastante peso e nos deixaria com a impressão de que desempenho, espetáculo, magia, importa sim no futebol, não é só resultado não.
Por outro lado, é inegável que o contraste da derrota com a satisfação pelo desempenho seja mais pungente. Um empate não deixaria o gosto bom na boca que o Namek teve ao final do jogo, enquanto qualquer que fosse o placar o que a Onda fez em campo tomaria as mentes e os corações dos torcedores. Sendo assim, consigo aceitar que ela tenha perdido e ele vencido no placar, mas ela tenha ganhado algo importante.
Não, não foi a experiência agridoce, mas construtiva, que advém do fracasso, e sim o reconhecimento por seus esforços, por sua bravura em ter dado um drible no sistema que subjuga mulheres com a desculpa de protegê-las quando, na boa, elas podem muito bem ser postas a prova. Se entendo que o técnico teria responsabilidade por uma tragédia futebolística, entendo que também teve no fracasso de seu time como um todo.
Porque até o jogo bom que conseguiu executar (e que jogo bom foi esse, hein?) se deveu a uma transgressão de sua atleta e não a algo por ele feito, além de ter durado apenas metade de um tempo, e na verdade nem isso, a Onda saiu antes lesionada. Sei que existe uma diferença bem considerável entre o físico de um homem e uma mulher, mesmo entre atletas do futebol, mas sei também que nem sempre elas se machucam.
Digo, nem sempre garotas se machucam ao jogador contra garotos, então sim, o final em que ela sai lesionada, e o gol para o qual dá o passe é anulado, foi um tanto broxante mesmo que eu entenda o contexto no qual esse desfecho se insere e que ele é apenas uma das muitas derrotas que uma personagem de mangá/anime esportivo costuma sofrer antes que a maré comece a virar e ela consiga resultados mais significativos.
Ainda assim, acho o filme ótimo, não me entenda mal, é só que ele poderia ter sido nota 10, mas foi nota 8 e muito por causa de certos detalhes gratificantes demais dispostos ao longo de seus mais de 100 minutos. Por exemplo, a compreensão da Onda de que deveria parar de tentar jogar sozinha, contra tudo e contra todos, e se alinhar ao time foi muito bacana, além, é claro, da direção ter potencializado ela com o jogo.
A Onda ter usado o Beckenbauer é algo que o anime aproveitou (o filme era para ter saído antes e é prequel mesmo), então o momento mais significativo para essa justificativa era esse mesmo, o que tudo bem, não tenho do que reclamar, ainda mais se pensarmos no que ela faz em campo com ou sem incômodo. O lençol de calcanhar que ela dá cercada por três, a roleta e até sua assistência foram fantasia pura.
Ronaldinho Gaúcho, também conhecido como “Bruxo”, fez escola e se a Onda não é brasileira é puro detalhe. O DNA de futebol envolvente, ofensivo e artístico habita nela, e se ela tem toda essa criatividade encantadora isso se deveu aos seus próprios esforços, afinal, como o flashback com ela e a Sacchan ainda mais novinhas mostra, ela começou a jogar meio que do nada e em um cenário hostil, na marra que a Onda se criou.
Não tem como não elogiar o filme por isso, apesar de ele também podem ser criticado pelo desfecho mais desgostoso, porque a Onda foi muito cativante com toda a ousadia e paixão pelo esporte que demonstrou nessa jornada, conquistando algo que a longo prazo certamente foi mais importante que um resultado, algo que a deu confiança para continuar em sua trajetória e na série de TV aceitar novos e empolgantes desafios.
Como a gente bem viu, ela passou a vida toda jogando entre garotos, mas no colegial ela entra no Warabi Seinan e lá joga entre garotos, junto da Suo e da Soshizaki, que fizeram um cameo safado na cena pós-créditos do longa, explorada a veia cômica da história e que foi deixada mais de lado para dar lugar ao drama nesse longa. Aliás, não foi só a cena pós-créditos que conquistou meu coração não.
A cena do Namek voltando a chamar a Onda de “chefe” e meio que se declarando foi para lá de engraçada, mas com certeza o grande destaque fica com os créditos e as várias fotografias de jogadoras do futebol feminino japonês que batalharam tanto para salvar o esporte no país e, apesar da luta ser constante, chegaram pelo menos ao objetivo de ter uma liga nacional profissional, com todo um futuro promissor pela frente.
Por fim, apesar de ser questionável em alguns aspectos, acho que esse filme é uma carta de amor ao futebol feminino porque prova que dá sim para competir com o masculino, mesmo que não seja na força física. Se joga futebol de várias formas e com diversos predicados e dentro de sua identidade o futebol feminino deve ser mais incentivado e valorizado. Histórias como Cramer existem para sempre nos lembrar disso.
Até a próxima!