Se eu fosse o técnico de um time que enfrentasse o Warabi também tentaria fechar a linha de passe ao marcar a Soshizaki e impedir a criação de jogadas ofensivas de qualidade. A questão é que se a Onda entrar no jogo, o Urawa pode acabar se dando mal até pela pouca atenção que a analista deu a protagonista, que, convenhamos, não deve ter ficado aquém na fase de grupos à toa, foi para brilhar nesse mata-mata!

Esse episódio deixou bem claro como a Soshizaki é a jogadora mais importante do Warabi porque ela não só clareia o jogo de trás, como marca forte, protegendo a pequena área do Warabi com unhas e dentes, diferente da Chiaki, que desempenha mais o papel de uma box-to-box (jogadora que percorre o campo de área a área, seja defendendo ou atacando) que busca sempre participar de ações cruciais no jogo.

Em times com três zagueiras uma volante com essas características é quase imprescindível visto que a subida das alas ao ataque (diferente das laterais no sistema 4-4-2, as alas são peças ainda mais importantes no jogo ofensivo) abre espaços que precisam ser cobertos por alguém a fim de evitar o avanço das meio-campistas adversárias e consequentemente a ligação com o ataque. A Chiaki parando a Onda foi basicamente isso.

Em meio a esse mergulho na estratégia se fala em catenaccio e eu lembro que o técnico do Urawa é italiano (nem que seja de araque). O que isso tem a ver? Simplesmente tudo porque o catenaccio é uma cultura tática desenvolvida na Itália, dos grandes países do futebol o que tem a cultura defensiva mais forte. Mas por que os italianos são assim? Leia esse texto bem bacana que você vai entender melhor essa característica.

A verdade é que hoje em dia times treinados por treinadores italianos (não necessariamente times italianos) ainda têm muito dessa influência, sendo construídos a partir da defesa e só então para o ataque, a diferença de hoje se deve muito a marcação por zona (não individual) e o jogo posicional (melhor amigo do anterior), que com estratégias mais perspicazes acabam criando times tão bons no ataque, quanto na defesa.

O sistema que talvez mais tenha sofisticado o catenaccio seja o 3-5-2 (ou seria o o 3-4-3?) de Antônio Conte, atual campeão do Scudetto (a taça da Serie A, o campeonato italiano) com a Inter e cobiçado pelo Tottenham (único time para o qual torço além do Ceará). Em sua estratégia os três zagueiros dão mais liberdade para os alas e permitem a prática de um jogo equilibrado na defesa, mas muito eficiente, até belo, no ataque.

Não à toa Romero Lukaku (um dos carrascos do Brasil na Copa de 18) e Lautaro Martínez (um dos melhores atacantes argentinos da atualidade) se destacaram no sistema desse técnico. Alguns anos antes, outro destaque positivo foi o N’Golo Kanté, no Chelsea. A Chiaki, o destaque do Urawa nesse episódio, atua na mesma posição do Kanté (que recentemente ganhou a Champions) e como ele, é o ponto de equilíbrio do time.

Então sim, visualmente ela pode ser comparada ao Edgar Davids (volante holandês que usava o mesmo tipo de óculos que ela por causa de um glaucoma), mas como não conheço muito o jogador, então a aproximo do Kanté, o exemplo de maior sucesso de volante box-to-box da minha geração, um jogador que aparece em todas as fases do jogo, ocupa todos os espaços do campo e salva na defesa, mas também inicia ataques.

O Kanté, assim como a Chiaki, desempenham um lindo futebol que mostra como a alma defensiva italiana evoluiu com o passar do tempo e hoje abrange outros elementos em sua cultura de jogo, elementos estes que permitem um futebol mais ofensivo e competitivo. Contudo, é inevitável pensar que a sofisticação da proposta tenha ocorrido devido a decepção que a Chiaki e o time sofreram no ano anterior, concorda?

Sendo assim, acabo pensando que essa forma de jogar mais embasada na defesa pode ser o grande trufo do Urawa, mas também sua ruína, afinal, eu não sei se você percebeu, mas o time passou longe de criar muitas chances contra o Warabi mesmo tendo controlado o jogo o tempo todo. Essa integridade defensiva pode custar seu preço em algum momento, ainda mais se deixarem a Onda de lado e ela “entrar” no jogo.

Além disso, o que posso comentar mais sobre o campo e bola? Outro detalhe interessante que vi foi que a Chiaki e a Soshizaki antigamente faziam uma dupla de volantes, então é de se esperar que desempenhem funções diferentes com características diferentes dentro do campo e, na verdade, era para acontecer isso não fosse a Soshizaki ser sacrificada na fase defensiva do jogo e a Chiaki não ter o passe tão qualificado.

Daí (e até porque não conheço tão bem a Inter de Milão) comparo a Chiaki ao Kanté e a Soshizaki ao Jorginho, dupla de meias do Chelsea titular na final da Champions League desse ano e em vários outros jogos dos Blues na temporada. O grande barato é que o time é treinado por um alemão, Thomas Tuchel, e não um italiano, nos provando que essa cultura de construir o time a partir da defesa é há muito tempo universal.

Trazendo isso para o nosso futebol, o São Paulo, um pouco o Palmeiras e também o Fortaleza (o grande rival do meu Vozão) são exemplos de times que vêm atuando com três zagueiros e mostrando saídas criativas ao já manjado 4-2-3-1 que chegou a imperar no Brasil em anos recentes, mas agora perde força. Ter mais zagueiros não significa retranca, pelo contrário, como ter mais atacantes não é sinônimo de gol…

Enfim, me alonguei demais no campo e bola, mas que culpa tenho eu se este talvez tenha sido o episódio mais interessante nesse aspecto? Só acho uma pena que a analista do Urawa tenha desprezado a Onda, isso deve cavar a cova do time, e que a Nomi tenha parecido uma juvenil ao entender como o Urawa funcionava só durante o jogo. Ficou parecendo que o Warabi não estudou o adversário, coisa que ele ainda tentou fazer.

Além disso, a grande estratégia do “técnico” do Warabi não foi exatamente equivocada, mas tão simplista que me irritou. É sério que o Soneca teve um puta arco de personagem para as garotas chegarem até ele no vestiário e ele falar o que até uma criança de 6 anos teria lido do jogo? E pior, a Nomi acaba ficando de escanteio no grande momento estratégico furado do seu próprio time, como se fosse incapaz de apontar o óbvio.

A autora acaba demonstrando real conhecimento de futebol ao falar de cultura tática e citar técnicos e jogadores relevantes dentro do contexto da trama, mas peca ao simplificar demais coisas que não são tão simples mesmo a nível colegial. Ficou claro que a sofisticação do Urawa não é algo com o qual as juvenis têm muitas condições de lidar, não à toa o time não leva gol no classificatório há anos, só sendo freguês do Konugi.

Deixando esses erros crassos de roteiro de lado, ainda assim, acho que foi um bom episódio, pois tirando as paradas gigantes (normais em animes de futebol) que me irritam tanto, os momentos pontuais em que falavam de tática, mas também demonstravam a aplicação em campo, foram empolgantes, tornando esse jogo de longe o mais interessante (e o mais difícil da jornada). Infelizmente, acho que já sei como vai acabar…

Isso não quer dizer que a possível (diria até que provável) vitória do Warabi vai ser ruim, é só que está na cara que vai passar muito pelos pés da Onda e o embate das amigas e rivais, Soshizaki e Chika. Vou me surpreender se for algo um pouco diferente disso, apesar de, repito, ter adorado terem gastado tanto tempo com explicações táticas, de formação e prós e contras da forma de jogar. Isso só enriqueceu e apimentou a partida.

Parar a Chiaki vai ser o suficiente para explorar as subidas dos alas e com isso criar jogadas ofensivas decisivas para a abertura do placar? Para o Urawa o desafio é manter o histórico absurdo de clean sheets do time na competição, coisa que para acontecer vai ter que contar com a anulação da Soshizaki. A Onda será o fator de desequilíbrio que espero? Ou será que o 0 a 0 vai se manter até o confronto derradeiro da volta?

Por fim, o anime bem que poderia acabar nesse mata-mata e ter em uma segunda temporada o nacional, pondo de frente o Warabi e o Konugi, algo como foi o Lille (atual campeão francês) contra o PSG (atual vice). A diferença que talvez seja maior no exemplo da Ligue 1 (o nacional da França), além do torneio nacional das colegiais ser disputado em mata-mata, o que permite que times menores possam sonhar ainda mais.

Até a próxima!

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