Bem vindos ao reino da técnica, onde a personalidade penetra por uma confluência absurda, à qual sincroniza como mão em luva e não vacila. Monogatari, Kizumonogatari em especial, é uma obra, me refiro ao filme, e ao primeiro filme que resenho, de densidade sensorial. Sim, tem um enredo de fantasia urbana pincelada por uma Nouvelle vague, mas o central é a habilidade de conjurar as falas expressivas dos personagens em uma narrativa visual dramática de primor.

 

 

Atentem para o arranjo atmosférico, o como os personagens se movimentam, o ângulo e os closes que intensificam e são intensificados pela composição sonora que sustenta o desvelar dos eventos. Os arcos de interação, os momentos de explosão dos sentidos e dos sentimentos, tudo se amarra em um hipnótico e fluido transcorrer narrativo.

Quando se para e se reflete sobre o conteúdo bruto da história desse primeiro filme, podemos resumir assim. Araragi, um jovem na flor da idade, solitário e gentil, é abraçado pela fofura em pessoa, em uma cena onde os hormônios norteiam acidentes, e descobrem a real conexão do desejo e da amizade na jovem Hanekawa.

 

 

Movido pelo magnético afeto que desperta entre eles, e na impossibilidade de controlar a sua libido humanamente natural, o jovem explode em direção a satisfação de suas necessidades. No entanto, Araragi não é apenas um rapaz de sorte aleatória em uma rotina cotidiana tediosa, ele é genuinamente uma boa pessoa, um altruísta que se vê em face da maior escolha, o maior sacrifício que uma alma caridosa poderia ceder, a vida.

Araragi morre, morre para salvar alguém que sequer conhece. Nem descrevo o quanto é insuperável esse ato de humanidade.

Hanekawa já havia levantado o rumor, um vampiro que sonda pelas sombras dos murmúrios. Uma lenda popular transferida entre conversas de pôr do sol.

 

 

Kiss-Shot Acerola-Orion Heart-Under-Blade é uma vítima de si mesma, uma imortal singularidade de poder imensurável, de fragilidade imanente. Uma vampira de primeira linha e refém de sua própria natureza. Caçada e brutalmente agredida, desmembrada e abandonada para morrer afundada na poça de seu próprio sangue, seu orgulho despedaça em desespero, sua agonia ecoa pelas lágrimas incontidas que convulsionam seus lamentos.

O encontro do ser mais poderoso em seu estado mais decadente, com o jovem curioso e de coração generoso, e por que, inadvertidamente estúpido, que em contradição e tolice, se arremessa para a escuridão da morte.

A dívida de Kiss-Shot é impagável, e Araragi, que por gratidão foi transformado em um servo da vampira, sendo o seu segundo lacaio criado em mais de 300 anos de vida, ainda mantém o seu semblante psíquico humano, apesar de ser apenas questão de tempo para que desperte sua recém adquirida essência monstruosa.

 

 

O contrato entre ambos é simples, Kiss-Shot está enfraquecida, mesmo sendo uma imperatriz, uma princesa de poder único, uma vampira capaz de combater e se alimentar não apenas de humanos, mas também de seres sobrenaturais, propõe a Araragi um acordo, ela promete reverter e restabelecer a sua humanidade se ele recuperar de seus agressores os membros que lhe foram roubados.

Percorremos pelas cenas contemplando a imaturidade de Araragi, sua quase infeliz morte acidental em chamas vivas, às quais fracassam por resumi-lo a cinzas apenas pelo fato de seu poder ser grandioso demais até mesmo para a sua maior fraqueza aniquilá-lo. E acompanhamos a sua fútil descoberta do pleno desespero, ao se ver em face de não apenas um dos caçadores, mas de todos os três, subjugado pela completa inexperiência e pavor, um medo que preenche por completo todas as células de seu corpo.

 

 

Salvo por Meme, um ocultista humano diplomata de poder misterioso, Araragi se encontra em um novo contrato, financeiro e que equilibra a ética profissional de Meme com a desvantagem tática que tanto Kiss-Shot quanto Araragi enfrentam.

Para caçar os caçadores, recuperar os membros de sua mestra e restabelecer a sua humanidade, o adolescente vítima de sua bondade e de seus hormônios, deve lutar, vencer um vampiro, um meio vampiro e um humano, todos os quais representam o desconhecido e o surreal. Uma batalha entre um jovem vampiro que de ninguém renasceu para ser um monstro.

 

 

O central neste primeiro filme é a contextualização, nós somos apresentados às circunstâncias, aos eventos e suas complexidades iniciais. Os agentes protagonizam e antagonizam mais pela presença do que pelo entendimento dos fatos. Dramarturgie, Episode, Guillotinecutter são arquétipos fantasmagóricos, assim como o próprio Meme, um sujeito ardiloso e sombrio, ou mesmo Kiss-Shot, em sua dependência impotente e completa derrota.

O percurso é estético, galante, uma aventura visual, um deleite que por vezes usa da comicidade e do grotesco em adequada medida, sempre elegante e sensual, atrativo aos sentidos e as fraquezas carnais. Kizumonogatari apresenta e introduz muito bem o começo da imersão na jornada e vida de Araragi, o colegial irremediavelmente humano em sua descoberta sobrenatural, e em se tornar o sobrenatural.

 

 

Sigamos junto a ele o desfecho de seus impasses nas próximas elaborações que adaptam essa obra, o filme 2 e o 3, em breve.

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